11.12.12

O Natal e a Feira da Ladra




Ai...ai...os meus 15 anos. O continuar a descobrir Lisboa. A pastinha debaixo do braço, não, não tão carregada como as dos estudantes de hoje, que em vez de estudantes mais parecem burros de carga, tal a quantidade de livros e cadernos que elas contêm.
A minha levava somente os livros correspondentes às aulas do dia, e viva o velho.
Durante muito tempo ouvia os meus colegas falarem da Feira da Ladra, lá para os lados de Santa Clara, local que nem sequer sabia onde era  e Feira onde julgava que tudo se vendia e roubava. Até que um dia, bem perto do Natal, lá parti a uma terça-feira à descoberta de novos horizontes, talvez procurando alguma lembrança para colocar no sapatinho. Já sabia que nas carreiras do eléctrico 28 com destino à Graça, os carteiristas eram ágeis no furto das carteiras colocadas no bolso de trás nas calças, coisa que nada me assustava, pois eu, pobre de mim, tinha um porta-moedas de cabedal em forma de ferradura, colocada sim, no bolso das calças de lado, a coberto das razias que faziam esses larápios. Era muito espertinho, pensava eu, com os meus botões. Afinal, não passava de um campóniozito de trazer por casa, e que presumivelmente ainda não tinha passado em frente ao Mirador de Santa Luzia, já estava sem ele. E o pior é que tinha no seu interior somente uns "tustos" para acorrer a uma eventualidade urgente e mais os bilhetes para o regresso a casa, já que, aqueles davam para a ida e volta e serviam exclusivamente para estudantes.
Ainda hoje é uma viagem extremamente atribulada com enormes encontrões, dado as muitas curvas que as linhas contêm, ao percorrer as vielas que separam a Alfama de S. Vicente, aliados aqueles que os carteiristas forçam de forma a facilitar o seu trabalho. Por falta de lugares sentados, seguia de pé e a dada altura, encontro para a direita encontro para a esquerda, estou situado na coxia central, cumprimido  como sardinha na lata da marca "Tenório" e sentia na minha perna uma pequeno comichão, que julgava saber serem das barbas do dito. Afinal o larápio colocou os meus sentidos em banho maria, e passei a partir daí a estar mais leve do bolso direito.
Em pé, agarrava com a mão esquerdo o pegador do banco, onde uma senhora já de meia idade, is sentada, naquele assento feito de uma palhinha muito fininha e brilhante, um luxo pensava eu. A Senhora não levava estola de pele, mas digo-vos que era moda, era fino, presumivelmente não se atrevia a levá-la para a Feira da Ladra, se é que a tinha. Na sua cabeça imperavam os cabelos grisalhos, já muito esfarrapados, notando-se algumas falhas, mas muito arranjidinho e penteado com esmero e cuidado. O tal encontrão propositado do carteirista desiquilibrou-me e eu na tentativa de me segurar, coloquei a palma da minha mão direita na cabeça da senhora. Coitada deu um grito de aflição, e eu pedindo desculpa, sentindo uma coisa estranha, levantei a mão, saltando da sua cabeça um pequeno rolo de palha de aço da fina, que a senhora disfarçava muito bem, presa com ganchos, entre o cabelo para não se ver as falhas daquele.
A vergonha e a humilhação que aquela mulher passou, ao ver-se desmascarada e com a careca à mostra, com o eléctrico cheio de passageiros a rirem por tão insólito acontecimento, fez com que o abandonasse , com receio de apanhar algum tabefe disparado da sua mão com rugas.
Faltavam ainda algumas paragens para chegar à Igreja de S. Vicente de Fora, mas desisti de continuar, pois a partir daí fiquei atrapalhado a pensar no regresso e a maneira de atravessar o Tejo com destino à terra dos burros (Cacilhas). Lá recebi as graças de um marinheiro do Tejo, que me facilitou o transbordo.
Ao menino e ao borracho, Deus põe a mão por baixo

9.11.12

A VIDA É BELA OU A BELA VIDA


O Sócrates criou a lei e ficamos todos a saber que com a maior das facilidades, qualquer vigarista podia constituir uma empresa, num minuto. Tudo limpo, tudo a bem da nação, tudo a bem dos portugueses. E então alguém se lembrou, que para ter uma BELA VIDA, devia criar a VIDA BELA.
A seguir apareceram em todas as grandes superfícies, tabacarias, bombas de gasolina, Fnac etc.etc, as caixinhas vermelhas com fotografias aliciadoras, dos melhores hoteis e restaurantes do Portugal desconhecido. Ávido de cair no logro, o Zé Povinho, compra imediatamente e oferece ao pai, mãe, irmão, era coisa de oferecer ao menino e à menina.
O Zé não comprou, o Zé foi forreta, o Zé desde a primeiras hora que aquilo apareceu, achou que aquele negócio ia acabar mal, e que ficariam milhares a ver a VIDE É BELA virar lixo, mas que os socios daquela empresa, teriam uma BELA VIDA. O Zé não comprou, mas o Zé e a sua "Dona" fartaram-se de aproveitar as ofertas que tiveram, frequentando os melhores hoteis, Pousadas e restaurantes do nosso burgo., ficando por desgostar uns jantares românticos a dois, em lugares paradisíacos, dado o "berro" que aquilo deu.

Mas a VIDA E BELA na mesma, o sol continua a brilhar todos os dias, e o nosso calor humano faz com que possamos fazer uma BELA VIDA.
No Seixal, existe um Cacilheiro, um daqueles barcos brancos que durante anos e anos, de verão, inverno, outono e primavera, transportaram milhares e milhares de passageiros entre as duas margens do Tejo, mais propriamente entre o Terreiro do Paço  e a terra dos burros (Cacilhas). «Talvez um dia vos conte porque alcunharam Cacilhas, com aquele nome», que está ancorado em frente à antiga fábrica Mundet, a maior empresa do Mundo da cortiça, hoje em montão de escombros. Assim, na Baia do Seixal, num pontão feito a preceito para aquele fim, o velho Cacilheiro virou Restaurante depois de uma decoração a puxar  para o rasca. Logo após a sua inauguração fui lá com um amigo comer um arroz de tomate com carapaus fritos, mais propriamente "Jaquinzinhos". Custou-nos uma nota preta e pensei não voltar a pisar aquela naviarra.
E não é que num Domingo do mês passado, pegando num dos "vochers" da VIDA É BELA" fui com a minha "Dona" para almoçar no Cacilheiro, já que, fazia parte da lista dos restaurantes aderentes nos programas. O dia estava lindo, a baía cheia, e a água era espelho. Um dia lindo a merecer um almoço romântico, gozando uma Bela Vida, com a VIDA É BELA.
 apiamo-nos do pópó, dirigimo-nos à passadeira do pontão, somos recebidos por um gigante pirata perna de pau, com pala e tudo num olho, feito em papelão e entre o referido pontão e o Cacilheiro um homem magro  de "tshirt" preta e calça da mesma cor, com uma cana, pescava. Imaginei com os meus botões, aqui pelo menos o peixe é fresco.
Entrei no barco, não vi ninguém, mas o senhor da cana, veio indicar-nos para subirmos ao primeiro andar.
No piso superior tinha a mesma quantidade de clientes como cá em baixo, pelo que perguntei à presumivel cozinheira se serviam almoços e se recebiam "vochers" da VIDA É BELA. Ela descendo as escadas, esclarece-nos que vai perguntar ao Chefe. O Chefe, afinal era o pescador. E eu, do primeiro andar ia observando toda aquela cena, já com a minha face desejosa de rir.
Que não, que não podiam servir a refeição, porque hoje o Chefe ainda não tinha apanhado nada. Ele vem atrás e informa-nos que para servir a refeição através da VIDA É BELA, teríamos de fazer marcação previamente. Aí, sorri com gargalhada, respondi: mas marcar previamente porquê, se o barco está completamente vazio, e consequentemente os seus lugares estão vagos.
Voltamos para casa, já era tarde, compramos o único frango assado/esturrado numa churrasqueira do caminho, fazendo um almoço diferente em casa, mas na mesma romântico.
De uma coisa tomem bem atenção. Restaurante mais original do que este é difícil de encontrar, bem como peixe mais fresco. Apanhado ao momento, para servir prato a prato.
A VIDA É BELA, nós é que damos cabo dela. Mas há uma coisa que têm intrigado os meus botões.
 Que peixe tentava apanhar o Chefe, dado eu julgar saber que por ali só há caranguejos e alguns restos de esgotos?
 






31.8.12

Já com Saudades, eu me despeço





Faz hoje precisamente 5 anos, que com a ajuda do proprietário do Blogue "Capitão Merda" iniciei a aventura de ter o meu cantinho para me ajudar a passar o tempo.
Decidi contar as minhas memórias, e creiam que 90% dos contos aqui descritos foram vividos por mim, tendo somente o cuidado de alterar nome dos intervenientes e em alguns deles os locais onde ocorreram.
Conheci pessoalmente, gente simpática, educada, carinhosa, sincera e AMIGA, coisa rara nos tempos que correm. Casado, a minha mulher é uma companheira encantadora por quem me apaixonei mantendo acesa a chama dessa paixão. Dois filhos, ainda jovens, na flor da idade, são o nosso orgulho. Somos uma família unida, sabendo respeitar os espaços e trilhos que nos são facultados, daí o facto de ter aparecido sempre sozinho nos encontros convívios de blogueiros.
A todos, o meu coração agradece a honra de ter a vossa presença na leitura dos meus escritos e darem-se ao trabalho de comentar as cenas rocambolescas em que me envolvido.
Para mim, foi um reviver dos tempos que não voltam mais, foi um partilhar de tanta coisa boa que tive na vida, tendo o cuidado em colocar de parte algumas desilusões porque passei, já que a passagem pelo planeta obriga-nos a usufruir um pouco de tudo.
Sempre que tenha disposição, deitarei um olho aos vossos trabalhos e ficarei contente com os êxitos da v/ fértil imaginação. 
Não faço menção a nomes dos inúmeros Amigos, creiam no entanto que foi maravilhoso conhecê-los, fizeram parte da minha existência nestes últimos 5 anos.
Um bem-haja a todos, e que, com saúde, estejamos por cá mais um anos.
Zé do Cão

26.8.12




Há cerca de um mês que recebi a visita de familiares que vivem em Tarragona - Espanha, e não tenho poupado esforços no sentido de lhe mostrar coisas boas que ainda por cá temos. Lamenta-mo-nos ambos
pelas dificuldades que atravessamos na Península e temos a mesma opinião sobre a forma como tudo isto vai acabar.
É que, se de um lado faz chuva, do outro além da chuva o vento também é muito forte, soprando sempre para o mesmo lado. Para o lado dos desprotegidos e daqueles que pagam sempre os erros das governantes, desgovernados, mas que ficam sempre bem governados. Deus iluminou-os, e como sempre foi o povo que ficou às escuras.
Passos Coelho, disse e confirmou que os estudos e cursos de novas oportunidades eram uma treta e se gastava dinheiro inutilmente. Daí, um senhor ministro que não era licenciado em coisa nenhuma resolveu apresentar documentação à Universidade Luzófana para através de equivalências acabar uma licenciatura de...sinceramente não sei quê. E resultou em cheio, o homem até tinha inaugurado há uma porrada de anos uma rua numa povoação do Concelho de Esposende, onde consta que o Sr. DR. Relvas, tal... e tal...  Já sei, já sei, foi como o curso de direito em que se enganou  no preenchimento de uma ficha. 
Para mal dos seus pecados, o Sr. Relvas, não obstante ter lutado tanto para ser Doutor, não é afinal Doutor de coisa nenhuma. É licenciado sim, pelos processos iguais ou ainda piores do que o Eng. Sócrates. E dou o exemplo. Um Dr. Advogado, é simplesmente Advogado, não é Dr. , tal como o médico, é apenas médico e assim sucessivamente. Doutor, aquele que se apresentou a fazer o Doutoramento e defendendo uma tese teve a sua aprovação. Portanto senhor Relvas, tire o cavalinho da chuva e vá fazer primeiramente o exame para ser Doutor de direito. Olhe, senhor Relvas, talvez seja uma boa oportunidade, defendendo a tese de  Presidente da Assembleia Geral de um Grupo Folclórico. E digo isto, porque como faz parte de um grupo folclórico a quem chamam (des)-governo...
Ainda não tinha dado um pulo ao Bombarral à quinta dos Loridos, para ver a tão falado obra de João Berardo. Com toda a franqueza, a obra, ainda não acabada tem aspectos faraónicos . A sua grandeza é avassaladora, não percebendo no entanto a vantagem que uma obra daquelas possa ter para os portugueses, dado a nossa religião, nada ter a ver com Budas ou Sarasvati. Espero que quando acabado, possa ter uma opinião diferente e a aprecie com outros olhos.
No entanto chamo a atenção do seu proprietário, para que se acautele, pois o que vi, foram muitas das estátuas serem vandalizadas, pelas visitas, pois no intuito de perpetuar a sua presença com fotografias, subiam a tudo que fosse estátua, danificando aquelas, havendo mesmo um "Buda" cujo dourado já se foi, e nem sequer eram só crianças.
Não obstante existirem por todo o lado, caixotes para lixo, os visitantes primavam pela falta de colaboração na sua utilização.


26.7.12

Acidente de Trabalho

Já publicado em 25-08-08



Meus caros Amigos:
Nas andanças pelo mundo, o Zé foi aventureiro, namoradeiro, "cafageste" como dizem os brasileiros, sei lá que mais coisas poderia acrescentar.
Fui um assíduo frequentador do Parque Mayer. Tinha pelas revistas à portuguesa um carinho muito especial. Não faltava uma noite de estreia e houve algumas que vi tantas, tantas vezes, que tenho a certeza que era capaz de substituir algum actor que faltasse. Havia um motivo para não deixar aquele recinto. É que a cantiga da Anita Guerreiro diz que os rapazes cheiram-lhes a raparigas e era esse cheiro que eu sentia quando lhe passava por perto. O cheiro às coristas das revistas. Tinha um amigo (julgo que já faleceu) que possuia uma casa com muitos quartos na rua Fernão Lopes, ali mesmo ao Saldanha, prédio já demolido, como todos os outros do mesmo lado dessa rua, que alugava quartos às coristas do parque Mayer.
Portanto já estão a ver! Cheiro a raparigas, coristas, e contacto fácil na casa do amigo que me as apresentava, deixando depois por minha conta os "I love you".
No prédio do amigo, no tempo do agarra/agarra (pós o 25 de Abril) chegou a estar lá instado o MRPP nos dois rés-do-chão, esquerdo e direito, tendo se calhar na altura sido ponto de encontro para o Durão Barroso, actual Presidente da Comunidade Europeia, quando seu militante. De quando em quando havia visitas de outros partidos e a "bordoada" estalava por todo o lado, chegando alguns apaniguados do MRPP a refugiarem-se, vindo pelas escadas de ferro das traseiras, em casa do meu amigo Sousa que residia no 3º andar esquerdo.
Os esgotos dos prédios antigos eram exteriores, de manilhas de grés, feitas na cerâmica do Carvalhal, povoação situada perto de Torres Vedras. Era inestético, é verdade, mas em contrapartida quando por qualquer razão era necessário mexer-lhe, seria fácil a sua reparação.
Estavam sempre situados nas traseiras e portanto não se viam, sendo as ligações das referidas manilhas feitas com cimento.
Um dia, nesse prédio houve uma rotura num desses canos ao nível superior do rés-do-chão, sendo necessário proceder à sua reparação. O artista (pedreiro), no dia combinado com o proprietário do prédio, chegou cedo, montou escada que encostou à parede, subiu para confirmar bem o local da fissura, estudou a maneira mais conveniente de fazer um trabalho perfeito, preparou as ferramentas e atirou-se ao osso.
Antes porém, e não poderia ser de outra maneira, foi a todas as casas do lado esquerdo do prédio e recomendou que não fossem usados os sanitários, naquela manhã, porque ele ia proceder à sua reparação.
Todos os inquilinos tomaram conhecimento do facto e prometeram respeitar aquele pedido.
O homem iniciou o seu trabalho em cima das escadas, batendo com escopo e martelo ao nivel da sua cabeça, partindo o grés da manilha, para poder fazer um remendo eficiente e definitivo para acabar com  a anomalia.
Aí pela voltas das 10,30, o Zé sobe as escadas do amigo para lhe fazer a costumeira visita, ouve a batucada do pedreiro, mas como é evidente não ligou ao assunto, até porque o desconhecia.
Chegado ao 3º andar, bate à porta, cumprimenta o amigo, que aproveitando a oportunidade da sua presença, pede para ficar ali em casa 20 ou 30 minutos, dando-lhe assim a possibilidade de dar um pulinho ao Mercado do Matadouro, ali ao fim da rua, comprar abastecimentos para a comida do dia.
Claro que sim, e fico guardião do casebre pelo tempo que o Sousa se deslocava ao mercado. Judiei um pouco com o papagaio que tinha na gaiola preso por um pé e deu-me vontade de ir à casa de banho. Na parede  ao lado da sanita, existia uma janela que estava aberta e que dava para o "saguão", ouvindo-se perfeitamente a labuta do pedreiro a arranjar a deficiência com esmero e perfeição, coisa,  que como já disse estava completamente alheio.
O Zé assenta-se e não é necessário dar mais explicações, porque todos nós sabemos o que o Zé fez. Acabado que foi o serviço, puxa a corrente do autoclismo e não tarda, que sente alarido, espreita pela janela e vê o pedreiro a ficar engasgado com a enxurrada que veio pela cano abaixo.
Nesse preciso momento entra o Sousa, que ao ter conhecimento do uso inadequado da sanita ficou preocupado e tem este desabafo. "Coitado do Senhor, a fumar de charuto, quando nem toca em cigarros".
Aí não resisto e dou uma valente gargalhada, imediatamente abafada pelo barulho que ouvimos nas  escadas.
O sinistrado com a maceta na mão (coisa aí de 1 Kg de ferro) sobe-as e vai batendo em todos os andares do lado esquerdo a perguntar quem tinha feito um trabalho daqueles, e que dava com a maceta nos ".ornos" que o lixava.
Com os acontecimentos em desenvolvimento acelerado, optei por fazer figura de cobarde, não fosse acabar nas urgências do hospital de Santa Maria, ou estendido dentro de uma gaveta no piso -2.
O Sousa (era especialista em simulações) responde que dali não foi, porque ele nem estava em casa, tinha acabado de chegar naquele momento.
O certo é que o pedreiro desalvorou (sem ter feito o gosto ao dedo). Nunca mais lá apareceu e o dono do prédio teve que contratar outro para acabar o trabalho.
Todo o cuidado é pouco, até em casa e sentado na sanita um homem não está descansado , até naquele lugar pode originar um acidente de trabalho.
.A seguradora deveria ter tido alguma dificuldade em atribuir para estatística, o acidente na secção de Domésticos ou de Construção Civil.





15.7.12

Os Prazeres da Macrobiótica



Fui sócio de uma empresa que tinha a sua sede e escritórios na Praça da Alegria, em Lisboa., mesmo por cima do Maxime.
Predominava empregadas todas dedicadas e a merecerem notas altas, quando se tratavam de ser apreciadas na execução ou desempenho do seu trabalho.
Faziam parte do povo trabalhador que lutava no dia-a-dia para o sustento da família.
Uma delas, parece que a vejo, com o cabelo louro natural e canudos caídos, alta, almoçava em restaurante macrobiótica, ali para os lados da Duque de Palmela.  Mostrei interesse em conhecer o restaurante e a moça não se fez rogada, convidando-me para  almoçar com ela. Perguntei como era o  restaurante,  o tipo de gente que o frequantava, a comida, e estava a chegar à conclusão de que não ia gostar. Mas com aquela companhia, simpática e atraente, ia fazer como S. Tomé "ver para crer".
Mas o  "Demo" que tantas vezes me tem saído ao caminho, desfez tudo num minuto daquela manhã de  quinta-feira, fria e ventosa do mês de Abril de ano que não recordo (finais da década de 70, talvez ano 79).
Um dos meus sócios, pede-me para o acompanhar na busca de um cliente caloteiro e "vigaro", lá para os lados da Cidadela em Cascais.  Pelo caminho contei-lhe que tinha combinado um almoço em macrobiótica com a Laura nossa empregada e agudizei-lhe o gosto, tendo-me convidado para jantar nesse mesmo dia num restaurante desses, mas fazendo-me lembrar que não se estava a substituir à elegante Laura. Rimos, e ficamos combinados que ao jantar iria-mos dar estreia e iniciação naquela comida.
O "aldrabófio" do caloteiro, como uma enguia, escorregava-nos pelas mãos e já eram 21 horas, ainda não tínhamos conseguido falar com ele. Esteve sempre perto, nas quando chegávamos a um sítio, já tinha saído para outro e tal Tom e Jerry, dos desenhos da Disney, de toca em toca, escapou sempre ao nosso encontro.
O frio apertava e o vento atirava rua fora os caixotes do lixo. Voltamos para Lisboa de mãos a abanar, mas como o estômago  não se compadece com desaires, por isto e aquilo, mais ou menos transito, estacionamos pelas imediações da rua da Boavista, omde se situava o restaurante que tínhamos escolhido. Corremos apressadamente, o vento batia-nos nas costas como se tentasse ajudar-nos a chegar à casa de Pasto. O prédio era velhíssimo, não tinha luz nas escadas ou nós não sabíamos onde estavam os interruptores.  Aos apalpões subimos até ao primeiro andar e demos com a porta fechada. Batemos, demoraram a abrir, e foi a cozinheira que a fez. Não tinha apreciado ainda bem o nosso aspecto, mas o que estava vendo
não me deixou aterrorizado, mas uma vontade de rir apoderou-se de mim. É que, a figura que nos abriu a porta tinha na cabeça uma touca de cozinheira, uma bata vestida, que 8 dias antes talvez fosse branca e  o seu olho  direito era vesgo.  Não nos deixando entrar, esclareceu-nos que a casa fechava às 22 horas e já passavam 10 minutos. Estava eu a tentar dar-lhe a volta para que nos servissem, eis que,  por detrás da cozinheira aparece o cozinheiro, de barrete alto, mas já um bocado a cair para o lado, de casaco e calça, muito mais sujo de "bedun" do que a bata da sua companheira e era vesgo do olho esquerdo. Oiço rir, olho para trás e vejo o meu sócio com os cabelos em pé, erguidos pela forte ventania que apanhamos na rua, olhando para mim, o cozinheiro e a cozinheira e eu próprio no mesmo estado com o cabelo esfarrapado e despontado de muitos brancos, em pé, os vesgos, as batas, toda aquele ambiente  surreal  que só os filmes dos "três estarolas" apresentavam.

Foi impossível aguentar as gargalhadas, a porta do restaurante fechou-se, apagaram-nos as luzes das escadas e descemos estas pelo mesmo processo da subida, sem ter provado a comida macrobiótica.
Durante uns dias, bastava olharmos um para o outro para as gargalhadas soltarem imediatamente. Pelo menos até aparecer outra aventura em sua substituição.
E não é, que até hoje, ainda não frequentei um restaurante daquela especialidade.

20.6.12




Tinha emprego numa grande empresa da margem sul do Tejo. Por sorte ou qualidade. tinha um lugar de destaque e trabalhava a miúdo directamente com os 3 sócios da empresa. Era estimado e considerado e estimava e considerava aqueles três empreendedores, que, do nada constituíram uma das melhores e conceituadas empresas do género no País.
Um dos sócios era simpatizante do Benfica, clube que a mim não me dizia nem diz nada, e pelo qual confesso não tenho a mínima simpatia, mas em contrapartida era-mos ambos sócios do clube da terra e ele variadíssimas vezes seu presidente. E foi com ele como presidente que eu enverguei a camisola vermelha e azul às riscas ao alto na categoria de junior. Foi com o seu esforço e entusiasmo que chegou a estar 2 anos na Divisão principal do futebol português. Ainda hoje e após o seu falecimento, seu filho entrega à direcção do Clube,5.000€  como contribuição, pelo muito que o seu progenitor queria àquela colectividade.
Na época de 1961/62 o Benfica jogava a final da Taça Europeia em Amesterdão com o Real Madrid. A euforia em Portugal foi enorme. o Real Madrid era um potentado no futebol mundial, mas os Benfiquistas estavam entusiasmados e com a esperança enorme de voltar a fazer historia. O meu patrão possuía um carro americano "Rabo de Peixe" azul, um luxo para a época e quando no último jogo em que, se o Benfica vencesse, jogaria a final, fez em casa a promessa de que se saísse vencedor naquela noite, iríamos todos à Holanda ver a final. Só que o todos, seriam, ele, a mulher e o casal, visita que estava em casa. Deus fez-lhe a vontade. O Diabo fez-lhe a partida. As visitas eram um casal amigo e seu visinho, que não obstante ser pessoa conceituada, eera chata como as pulgas e portanto não era companhia fixe.
Mas a promessa estava feita e havia que cumprir com o prometido. O carrão era grande e com 6 dias de antecedência os chamados "doidinhos da bola" meteram-se ao caminho com a fé inabalável de virem felizes e contentes com a victória dos "vermelhões".
O patrão de nome Augusto e a visita de nome Óscar, tiveram o primeiro desacordo logo na partida, pela ocupação dos lugares, dado o Óscar querer ir ao lado do condutor, colocando no banco de trás juntamente com as mulheres o dono do carro. As coisas lá se acomodaram e o Óscar teve de aceitar o lugar no banco de trás ou ficava em terra as ver as fragatas que transportavam as ramas destinadas às padarias de Lisboa.
O Augusto tinha catarro crónico e sentia necessidade de cuspir várias vezes. (Seria por isso que o Óscar proferia o lugar da frente?)...  e partiram, ficando-lhes Portugal pelas costas. Guarda, Salamanca, S. Sebastian e a primeira noite em Hotel cujas estrelas o Augusto estava habituado. Dali a França era um pulinho, e este País estava já dotado de belíssimas auto-estradas. O óscar gastou na pernoite umas massas com que não contava, e por isso queria forçar a viagem pelas estradas secundárias, por ser mais bonito dizia ele.  O Augusto argumentou que chegariam à Holanda já depois do desafio realizado e mais uma vez o Óscar deve de se conformar. E, partiram à desfilada por pavimentos por onde nunca tinham navegado.
Naquele tempo as viaturas ainda não tinham ar condicionado e portanto havia  necessidade de abrirem as janelas para ventilar, contribuindo no desalinho das "ganfurinas". Aquele catarro que irritava a garganta do Augusto, várias vezes já tinha sido inconveniente, mas desta vez bateu todos os recordes... Uma cuspidela bem cheia, com mistura de "ostra" sai da boca do mandão da viagem, destinada à berma, mas a deslocação do ar provocada pelo  movimento da viatura, empurra-a e entra pela janela da porta de trás e alojasse nos vidros dos óculos do Óscar e parte corre para o seu cabelo. Que horror, que nojo, diz o pendura,  tendo a mulher do Augusto recomendado o marido para ter cuidado. (Por alguma razão, e a fazer jus ao seu nome "Prudência" ela seguia no banco de trás, mas junto à porta contrária, portanto a salvo daquelas agressões salivares).
Umas largas horas mais tarde, fazem a entrada triunfal em Paris, com o cabelo do Óscar bem fixado ao couro cabeludo, fruto daquele forte "spraytada" de muco nasal.
Em Paris o ar estava fresco e os dinheiros do Óscar também se puseram ao fresco, abandonando aquela pobre alma  a um racionamento forçado, pois os cartões e crédito e os multibanco ainda não tinham chegado ao nosso planeta.
Cada dia mais se agudizaram os problemas e para pouparem tiveram mesmo de fazer já na Holanda pic-nic à beira de estrada sentados em paus dos telefones que estavam deitados no chão. Para levantar os ânimos o Benfica ganhou por 5-3.
Compraram como recordação 3 queijos holandeses, todos da mesma marca, todos do mesmo peso, tendo o Óscar escrito bem visível o seu nome, não fosse haver algum azar e não saber depois qual seria o seu. Tratou mesmo de o colocar a um cantinho da mala do carro para seu maior sossego. Fizeram a viagem mais rápida do que na ida, dormiram uma só noite pelo caminho. Tiraram malas, colocaram malas e quando finalmente chegaram da aventura, tão falada, memoriada e exaltada pela fé clubista, o Óscar procurou o seu queijinho tão cuidadosamente guardado a um canto da mala do "Rabo e Peixe", aquele não cheirava a carapau, mas estava tão amachucado, tão mal tratado, tão espalmado (pudera com todas as malas em cima), que duvidou que fosse o seu. Não havia duvidas o seu "flamengo" embrulhado no papel onde ele tinha posto o seu nome, mais parecia uma boina basca, só lhe faltando a piruleta.
Escusado será  dizer que o condutor desta viagem foi o Zé, a quem o seu patrão só não pagou os dias, porque tinha metido férias.

31.5.12

Pescaria em Sesimbra

(Clicar no boneco)
Nunca tive apetência para ser caçador nem pescador. No entanto, na caça de "Garinas" não deixei os meus créditos por mãos alheias. Algumas desilusões, e noutras também sofri, mas na pesca fui aquilo que se pode chamar um 0 à esquerda.
Na praia do Meco, onde ás vezes apanhava umas banhocas de sol e espraiava a vista, já que a praia era extensa e bem frequentada por abundantes Garoupas, Sardinhas, Douradas e Xaputas, começaram a aparecer também com frequência Tubarões Martelo, fazendo com que o Zé mudasse de ares, pois a minha especialidade não se compatibilizava com tal espécie.
Passei por isso a frequentar a Capacabana de Sesimbra, que se situava junto à doca e hoje já não existe. Nessa doca os pescadores de fim-de-semana enchiam o paredão com as suas canas vistosas e isso sim, dava gozo ver aquela multidão passar horas e horas a dar banho à minhoca. Aquele gente divertia-se à grande. Quando apanhavam um desgraçadito de um peixe que por lapso ou estupidez ficava preso pela beiça, toda a gente mirava, faz perguntas, tiram fotografias para a prosperidade, enfim... É motivo de festa rija e à noite ao jantar em família, onde contam coisas fabulosos de sereias que viram vir, não das profundezas do oceano, mas estendidas de biquini na areia branquinha da praia.
E são sempre os mesmos, como se tivessem lugar marcado e respeitado pelos seus companheiros de pescaria.
O Sr. Gonçalves já era velhote, apresentava-se com uma cana de pesca já com uns cordeis atados no punho, dado a cortiça já estar partida e as suas finanças ainda não comportarem o preço para a sua substituição. Ia sempre para o fim do molhe, sozinho, e quando os outros pescadores faziam festa ao apanhar em vez de um peixe, uma bota velha, olhava, sorria, mas não arredava o pé daquele sítio. No fundo todos se conheciam, todos eram amigos, mas enquanto alguns à hora do almoço iam pescar a um restaurante uma caldeirada, o Sr. Gonçalves mantinha-se firme no seu posto. Comia umas sandes  que levava no cabaz conjuntamente com os apetrechos da pesca. Por conversas já feitas anteriormente, todos sabiam que o Sr. Gonçalves era solteirão, não queria dar de comer a mulheres( dizia ele), muito poupado e pouco comia para não evacuar. Quando a época acabava, despediam-se dando uns abraços e faziam a promessa de no próximo ano, se encontrarem novamente naquele sítio.
Iniciou-se a nova época de pesca. O pessoal voltou aos seus lugares, tal como fazem as estações do ano. Mas o lugar habitual do Gonçalves estava vazio. Estaria doente, morrido, o "bolinhas" não pegou, foi um rol de preocupações, mas... no Domingo seguinte, quando o pessoal chegou, o lugar do Gonçalves estava ocupado, por alguém que usava um banquinho de madeira, tinha um chapéu de palha em vez de um boné como habitualmente  usava o Sr. Gonçalves. E, mais, uma mulher entrada na idade, acompanhava aquele novo pescador.  Já o Sol estava a pique, quando entre os outros pescadores um chama a atenção para o facto daquela figura desconhecida parecer o Sr. Gonçalves. Aproximam-se e confirmam que era mesmo o seu amigo de vários anos e companheiro domingueiro. Afinal a diferença principal entre outras de menos monta era a presença da senhora. Os pescadores, dando os bons dias, confessam estar preocupados, pois estavam confusos, dado a indumentária e a companhia que trazia, porque isso contrariava as suas afirmações anteriores. E o Sr. Gonçalves, dá-lhes a notícia que os deixou boquiabertos. Casei!...
Estupefactos, dando um sorriso, não se inibem e fazem a conversa, de que, com certeza ter havido um motivo muito válido para tomar aquela decisão, esclarecendo-os o Sr. Gonçalves, de que tinha sido um casamento de conveniência.
A Senhora mantinha-se sentada, como se estivesse alheia à "conversura", metendo um bifito no interior de um papo-seco, parte do almoço que tinha arranjado para os dois.
Mas a malta não desiste de continuar a conversa e um mais atrevido, dispara. Logo vi, o Sr. Gonçalves não era homem para dar ponto sem nó. Cheirou-lhe a massa, não? Ora, ora, todos temos muita cantiga, mas sempre caímos que nem patos, mas pelos vistos ela tem lago para eles se banharem, não é?
O Sr. Gonçalves, sentado no banquito de madeira, recostasse contra o paredão, com o dedo indicador da mão direita dá um pequeno toque na aba do chapéu de palha, a esquerda segura a cana, cuja ponta está dentro de água, recebe a sandes que a mulher lhe acaba de entregar, ferra dentada e entre o mastigar e engolir, confessa aos seus amigos a razão de se consorciar.
Aqui a minha Maria, já é velhota, eu sou um amante da pesca. Sabem que a vida está má e a minhoca cada vez mais cara. Fiz contas à vida e achei por bem casar. É que ela tem lombrigas em abundância e eu em vez de gastar dinheiro, uso-as em substituição das minhocas. para pescar.
A arte e o engenho andam sempre de mãos dadas, não acham...

17.5.12

A Tarte de Maçã

Depois de ter contado aqui o que me aconteceu com as «Margaridas», e do imbróglio em que meti com essas duas «maganas», não vejo motivo para não contar uma outra aventura que foi boa enquanto durou e cujo epílogo cómico/dramático, deixou o Zé com zumbidos durante algum tempo. Pelo menos o tempo suficiente até arranjar outra que fizesse esquecer aquela. Lá diz o velho ditado, que, doenças do coração tratam-se arranjando outro cão.  
O Zé atirou-se de cabeça para os braços de uma jogadora de basket, de um clube da margem norte do rio Sado. Não sei se conhecem a cidade do Sado. É simpática, exercendo forte atracção sobre o rio, cujas margens estão cheias de encantos, florescendo arborização fascinante pela influência da proximidade da Serra da Arrábida. As suas praias, Figueirinha, junto ao Sanatório do Outão, Coelho no sopé da Serra e Troia do outro lado na Foz do Sado, o seu cais pesqueiro, o ser Mercado/abastecedor da cidade,e as tascas que o circundam são motivos que nos fazem ter lembrança de voltar para apreciar em pormenor tão bonita Cidade. Acaso já estiveram na esplanada do Forte de S. Filipe? O nosso espírito fica mais leve e quando partimos levamos gravados na retina aquelas extraordinárias imagens. Portanto durante todo o tempo que durou aquele devaneio, foram estes os sítios onde sonhamos acordados. Primeiramente as coisas começaram em segredo e a partir de certa altura, o Zé foi apresentado à mãe da Rosa. (nome alterado) Passei a acompanhar a equipa de Basket, quando esta visitava  o adversário no seu terreno, e, expondo-me, passei a ser o alvo de observação atenta, presumivelmente de algum concorrente amoroso.
A minha fama, não chegava aos calcanhares do Brandy "Constantino", porque esse, como sabem, já vinha de longe. Mas para uma mãe, atenta e conhecedora da vida, cheirava-lhe a esturro a paixão "assanhada" da sua menina. Tratou de se por em campo, soube que eram intermináveis as aventuras amorosas do rapaz e passou a magicar na maneira com havia de destruir a afastar de vez, tão incómodo "moscardo".
Até que chegou a véspera da Páscoa. Apresentei-me nos "trinques", estava bom tempo, dissemos à mamã que íamos dar uma volta junto ao cais, peguei no carro e fomos ver o Convento situado em plena Serra da Arrábida, local idílico, entre vegetação única no Mundo e longe de olhares indiscretos.
Quase ao por do sol, voltamos, tendo a Rosa faltado ao almoço e a horas de poder ajudar a mãe nas últimas compras afim de no outro dia comemorar a data festiva, como se impõe aos bons cristãos.
Já a contar com isso, o Zé tinha comprado uma tarte de maçã de kg sendo sua intenção estar presente, na
festividade da ressurreição de Cristo. Faltou-nos os argumentos para justificar a chegada tardia, e estando a progenitora já farta da minha presença, pega na tarte e dá-me com ela na cara, besuntando a cara da filha com a parte que lhe ficou na mão, acrescentando ao acto, "Gira, gira daqui, que você não é flor que se cheire".
A Rosa desata a chorar sem saber o que fazer, eu incrédulo, todo sujo, recebo como uma ordem de um sargento mal-encarado: Você para não ir para a rua fazer má figura, vá à casa de banho, lave essa fuça, vá embora e desampare a loja da minha filha.
Mesmo com o desaire da batalha perdida, ainda ofereci um camelo de cabedal que tinha trazido de uma viagem a Marrocos na esperança de ganhar a Guerra, mas ela fez a devolução do animal, talvez pensando que necessitava dele para fazer a travessia do deserto de Sáara.
Não havia nada a fazer, o assunto tinha morrido, o Zé já andava a pedi-las à muito, restando-lhe a consolação de ao menos, forçado é certo, ter provado o bolo, de maneira tão insólita, comprado com tanto carinho e amor no "Castanheira" da rua Eugénio dos Santos em Lisboa. (Hoje, Portas de Santo Antão, ou rua do Coliseu). Constatei que "ninas" com nomes de flores, só me davam complicações e esta até tinha espinhos. Serviu-me de emenda? Só com o tempo se saberá.

3.5.12

Quase...





Uma historia verídica com um melzinho à mistura.
Asdrúbal Venceslau nasceu num pequeno lugar de um Concelho do Distrito de Setúbal, a uma centena de metros de uma fábrica que transformava pescado em farinha.
Seu pai era lá trabalhador e ao Asdrúbal não foi difícil habituar-se aqueles cheiros esquisitos, às vezes mesmo nauseabundo que em certos dias saiam da instalação fabril onde o progenitor ganhava amargamente o pão de cada dia para sustentar a família.
Andou na primária, apanhou réguadas na D. Emília, tirou a 4ª classe e evidentemente com uma cunha do pai, lá foi trabalhar para a Sereia - Fabrica de Adubos Organicos, assim se chamava a Fábrica.
Não foi moço de aventuras na juventude, até que, casou, fazendo a sua vida de pobre, trabalho casa e casa trabalho, comprou os alimentícios a cão, registado no rol do merceeiro - Loureiro, que às vezes por engano no acerto das contas semanais, somava também a data. A vida monótona do trabalhador escravo, fê-lo velho no aspecto e na idade. Mas o azar nem sempre está atrás da porta e a mulher do Asdrúbal que trabalhava numa corticeira sueca, que por sinal a empresa Amorim. comprou para desmanstelar, e onde nesses terrenos um clube desportivo de Lisboa, que veste de vermelho, tem um campo de futebol, comprou a um cauteleiro de rua, dois décimos de bilhete de lotaria, que foram bafejadas com a sorte grande.
O casal não tinha filhos, mas aquelas notas que não eram esperadas fizeram milagres, e a Maria passou a ir 2 vezes por semana à cabeleireira, iam de taxi jantar à Floresta do Ginjal a Cacilhas, ficando sempre bem perto da varanda para desfrutar da magnifica vista da Lisboa Nocturna.  O tempo na sua corrida louca não respeita ninguém e aqueles dois pobres/ricos, viram-se com  mais de 80 anos, não obstante a Maria dizer perante as outras clientes da cabeleireira que ainda estava para as curvas e sentia que ainda tinha as carnes frescas.
Até que, inesperadamente, chegou a vez de entregar a alma ao criador. Teve um velório sem carpideiras e pouca gente a acompanhou ao cemitério.
E o Asdrúbal Venceslau, viu a vida a andar para trás, deu ais, magicou e resolveu não viver a resto da vida sozinho. Tinha que arranjar alguém para sua companheira, mas alguém que não fosse empecilho, porque para isso já bastava ele. Procurou, bateu as povoações limítrofes apreciando "mulheriu", gastou solas de sapatos e finalmente descobri uma jovem bonita e atraente, que se dispôs a viver com ele, desde que casassem e ele passasse a usar o nome de Venceslau, dado o Asdrúbal ser o nome que usava quando era casado com a Maria.
O Venceslau não esteve com meias medidas, aceitou tudo de bom agrado e até pensou fazer uma "despedida de Viúvo". Não seria caso insólito, mas as pernas já estavam trôpegas, resolvendo em contra partida fazer uma festa de arromba, convidando toda a malta da terceira idade sua conhecida para estarem presentes no casamento.
Foi uma festa brilhante e toda a gente estava espantada com a ligeireza com que ele se movia, abraçando a torto e a direito os presentes. Numa Agência, acompanhada da nubente, marcou a lua de mel numa viagem à velha Itália. Dinheiro fresco é o que faz em casa de gente pobre.Vesúvio, Roma, Milão, Veneza, Capri, enfim um passeio de sonho, especialmente para quem acaba de casar em segundas núpcias.
Quando regressaram, os amigos velhos como ele. acorreram a sua casa  interessados  em saber como tinha decorrido a viagem, prontificando-se imediatamente o Venceslau a exemplificar o quanto tinha sido maravilhoso tudo quanto viram e quanto estava orgulhoso quando  italianos jovens miravam com olhos cheios de cobiça aquele belo bocado de "Xixa" que o acompanhava. A felicidade e o entusiasmo que o Venceslau punha em tudo quanto contava, levou um dos amigos mais atrevido a perguntar-lhe, sobre sexualidade.
Os olhos do Venceslau ficaram mais brilhantes e pareciam que sorriam, tentando explicar detalhadamente que quase fizeram todos os dias.
E em pormenor ia explicando. Como sabem, fomos de avião para Milão, viagem um pouco acidentada pelo medo que tivemos, dado ser a primeira vez. Mas, chegados ao Hotel, comemos comida muito boa, enfia-mo-nos na cama, estávamos um pouco cansados, pois mesmo assim quase que fizemos. No outro dia pela manhã a minha noiva estava fascinante, passeamos por aqui e por ali, vimos museus, a Catedral, de à noite , atirei-me a ela com tanta gana, que quase que fizemos. No outro dia partimos para Veneza.
Que Cidade, que passeio delicioso, andei sempre agarradinho a ela, comemos coisas que jamais esperava e depois quando chegamos ao Hotel, tomei um banhinho com sais cujo cheiro era embriagador, lavou-me as costas, dei-lhe muitos beijinhos e.... quase que fizemos.  Estão a perceber, não estão, quase que fizemos todos os dias.
Um ano depois, quase que fazendo todos os dias, deitou o homem abaixo, finou-se... arranjaram-lhe um buraco ao lado da Maria. A viúva resolveu casar com um moço da sua idade, foram felizes e gastaram o resto das notas saídas à Maria nos dois décimos comprados à porta da C.G. Wicander, a Corticeira Sueca.













16.4.12

Troia



Agora Tróia é assim

Não venho aqui falar do Cavalo de Tróia, mas sim de Troia, aquele sítio magnifico com uma praia que se estende até Sines e que, de Setúbal, do Outão, da Figueirinha e da Serra da Arrábida se aprecia com prazer.
Nos anos 60, Tróia era deserta e selvagem. O que por lá havia eram muitas pequenas barracas de madeira, que o "teso" instalava para passar uma férias, gozando e aproveitando as belezas de uma das mais belas praias de Portugal. Assim, as viagens para lá eram feitas somente aos sábados e domingos, com partidas de Setúbal e mesmo assim em horários muito condicionados.
Quem fosse fazer um fim de semana e não apanhasse o ultimo barco de Domingo, estava frito, só tinha duas maneiras de poder voltar. Ou alguém que tivesse um barco para lhe dar boleia, ou vir a pé dando a volta por Alcácer do Sal. Tinha no entanto inúmeros encantos. É que estava uma semana completamente sozinho, num paraíso, (télélés ainda não estavam descobertos), Setúbal ali tão perto, mas o rio Sado impedia. Pescava para comer, tinha oportunidade de apanhar uns «robalitos, navalhas, santolas, caranguejos», e a água ou se prevenia antecipadamente levando um barril, ou fazia um buraco nas dunas e servia-se da que encontrava por infiltração nas areias, deixando por isso de ser tão salgada.
Os wc das barracas de madeira e até das tendas de campismo daqueles que se aventuravam a ficar por lá, eram as dunas e/ou atrás das «barracame». Claro que o dono da barraca, não fazia atrás da sua, por questões óbvias. Faziam sempre atrás das barracas dos outros. Os campistas montavam as tendas ás vezes bem grandes, as chamadas familiares, na própria praia e deixavam-na montada até ao próximo fim de semana ou cediam a um amigo para na sua ausência a aproveitar .
Tive um companheiro de trabalho, que sabendo que um seu amigo tinha lá uma tenda montada todo o ano e muito tempo sem a usar, emprestou-me a dita, sem dizer nada ao seu dono e também sem me dizer que não era ele o dono. Só que o dono tinha outros amigos que faziam o mesmo. Portanto em face da oferta, preparei todos os apetrechos necessários para uma boa semana de campismo de praia selvagem. Que delicia, que experiência inolvidável, pensava eu. Aliciei e tratei de convidar uma das minhas namoradas chamada Margarida, que mais tarde me fez a «folha» nos jardins do Alhambra em Granada, conforme aqui relatei no meu texto de 15/7/08 «Margaridas Portuguesas nos Jardins do Alhambra» e lá partimos rumo a Setúbal, fazendo a travessia do Rio Sado num barco igual aos Cacilheiros da travessia do Tejo.
Alongamos desde o cais de atracagem até à praia com a tralha e depois de localizada a casa de pano e corrermos o fecho "ecler" da porta, tivemos a primeira decepção.
Aquela tenda, há um mês ou mais que servia de "WC" aos residentes da Troia. A minha expectativa e o meu bom humor ficou desvanecido. As pétalas da Margarida, começaram a murchar (não era com certeza por falta de adubo, era por adubo a mais), cocei a careca, e quando um passante residente, se meteu comigo e perguntou: Então amigo está tudo bem? Olhei para ele e respondi a rir. Está um bocado desarrumado, não haja duvida. Pedi-lhe ajuda e pegando nos mastros levamos a casa para 100 metros de distância, praia fora. Pelo caminho ia pensando que se calhar este samaritano também ia lá arriar as calças.
Deixamos o recheio ao sol a tostar na esperança que a maré subisse, ou chegasse o batalhão de limpeza biológica, que naquele caso teria de ser uma boa centena de escaravelhos. Teriam entretimento até ao fim da época balnear. Tivemos ainda de lavar a bainha duma parte da tenda, pois um dos utilizadores deixou-lhe uns salpicos intestinais.
Na apanha dos canivetes, demos cabo dos nossos dedos, alguns com golpes profundos e como as dificuldades aguça o engenho, com um arame e sal resolvemos o problema. Todavia tivemos mais sorte na apanha das santolas e caranguejos. Estes, gulosos por rabos de bacalhau ou cabeças de peixe espada eram presas fáceis com auxilio de um cordel.
Gostei tanto e a Margarida também, que só voltei a Tróia, quando estava a ser explorada pela Torralta.

6.4.12

Histórias Veridicas de Tempos Modernos




Através de um jornal de Barcelona tive conhecimento destas histórias, que além de ter a sua graça tem também o oportunismo de sempre.O Ministro das Obras Públicas do País vizinho foi com os seus secretários visitar prisões e escolas primárias a necessitarem de obras.
Começaram pelas prisões, e diga-se, estavam um horror. Degradadas até mais não, coisa que já vinha do tempo do ditador "Franco". O Ministro concordou que efectivamente necessitam de obras urgentes, mandando os Secretários tomarem nota das obras a efectuarem imediatamente. Paredes arranjadas, casa de banho forradas a mármore, torneiras das mais caras e modernas da Roca, sanitários de boa qualidade, camas com colchões de super-espuma, aquecimento Central e.. condições para os presos se considerarem em conforto absoluto, televisão a cores de todos os canais disponíveis, não obstante serem a pagar. Comida de carne ao almoço e peixe fresco ao jantar, visita feminina 3 vezes semana. Um representante dos presos chegou mesmo a botar palavra dando um elogio, por finalmente o governo dar atenção às suas petições.
Passaram de seguida a apreciar as necessidades das escolas, onde até os telhados tinham falta de telhas, sem aquecimento onde as crianças passavam frio, sem cantina e em estado deplorável.
Depois de apreciadas todas as necessidades, o Senhor Ministro optou por mandar iniciar imediatamente as obras das cadeias, ficando as escolas para serem apreciadas novamente segundo o orçamento do ano seguinte. Um dos seus secretários chamou a atenção do Senhor Ministro, fazendo-lhe ver que as criancinhas coitadinhas iriam passar outra vez muito frio, com o inverno que se aproximava, tendo senhor Ministro respondido da seguinte maneira.
Olha lá, que idade tens tu? 35 anos Sr. Ministro. E então tu com 35 anos ainda pensas ir para a escola primária? E para a prisão? É que, com o lugar que ocupas, ainda te pode ser necessário



Quando acabou a ditadura Franquista, os seus sucessores, anunciaram aos 4 ventos que, agora os espanhóis seriam todos iguais e que o yate de Franco passava também a ser de todos.
No verão imediato, o Senhor Primeiro Ministro foi fazer férias no dito barco.
Um trabalhador da Repartição de Finanças de Badajoz, escreveu uma carta a sua Excelência, o Primeiro Ministro, e, em tom delicado, dizendo que a pressa não era assim tanta, mas dado que tencionava antes de morrer, fazer o gosto à sua família, perguntando se havia alguma lista de espera para se candidatar a uma férias com a família no yate, dado que sendo ele de todos os espanhóis o poderiam usar e assim desejava saber, qual a data que lhe calhava para o seu uso, não se importando mesmo que fosse no inverno. E a razão de saber por antecipação, era para poder programar a sua vida a tempo e horas.
Não recebeu qualquer resposta e passados que foram 12 meses, volta novamente à carga ,lembrando a carta anterior.
Três meses depois chega finalmente notícias do Ministério da Administração Interna, informando-o de que por motivo da sua actividade profissional era mudado para uma Repartição de Finanças de Barcelona.
Sendo a sua categoria profissional das mais baixas na Repartição de Badajoz, a imprensa quis saber, se aquela transferência, não era uma retaliação pela carta dirigida ao Primeiro Ministro. Também não houve qualquer resposta, e um ano depois ao voltar novamente para a Repartição de Badajoz, não se fez rogado. Perguntar novamente se já lhe poderiam agora indicar a data em que poderia utilizar o "bote."
Não sei se recebeu resposta, mas nós calculamos qual foi.


Por último, esta é de Portugal.
A Hortênsia, tinha acabo de fazer 18 anos. Como todas as moças da sua idade, desejava namorar, casar e ter filhos. Arranjou um bom rapaz, respeitador, muito seu amigo e com princípios de bom cristão. Encontravam-se quase todos os dias e ela não tendo olhos para mais ninguém, aproveitava todos os momentos bons que o namoro lhe proporcionava.
Mas uma noite na despedida de um dos seus encontros, ele com os olhos em brasa e faiscando por todos os lados, disse à sua amada que, amanhã se Deus quiser, iriam fazer Amor Platónico.
A Hortênsia ficou nas nuvens, não conhecia o que era amor platónico, corre para casa e assim que chegou pergunta à sua mãe.
Mamã, o que é Amor Platónico? A Mãe, ficou um tanto ou quanto tempo a pensar e pergunta.
Hortênsia, quem te falou em Amor Platónico? . Foi o Carlos, o meu namorado. A mãe volta novamente a pensar e acaba por responder. Olha filha, amor platónico... Amor Platónico... A mãe sinceramente não sabe o que é Amor Platónico... Mas aconselho-te, a que pelo sim, pelo não...
vai lavadinha por baixo.

24.3.12

Os Nossos Melhores Amigos


A minha vida de "Tunante" continuava a bom ritmo, já conhecia mais de meia Lisboa. A Cidade onde o Sol brilha mais do que em todas as outras Cidades da Europa estava a meus pés. Pudera calcorreava as suas ruas a "butes", excepto quando me pendurava num eléctrico e o "fonseca" tentava dar-me com o alicate de furar os bilhetes na cabeça. Já sabia onde ficava o café Nacional e a sua cave com os seus bilhares, conhecia tudo que ficava para lá dos tapumes que circundavam o Parque Eduardo VII, muito especialmente onde jogava aos "pontapés nas canetas" com uma bola que escondíamos entre os arbustos, apanhava "capicúas" na rua do Ouro junto ao elevador de Santa Justa, frequentava o Bairro Alto em busca da tipografia onde era imprimido o jornal infantil "O Mosquito", conhecia o Jardim de S. Pedro de Alcântara, o Príncipe Real e até dera um salto à Feira da Ladra.
Era o Zé a preparar-se para aventuras futuras, que deram tantos Amores e Desamores, tantas preocupações à mãe Júlia, e tantos choros e alegrias, quando entendia que era hora de dar de "frosques" e desandar na procura de outras aventuras menos complicadas.
Os meus progenitores não obstante fazerem o seu comercio por atacado, tinham necessidade de escoar os seus produtos vinícolas. Aproximava-se a nova colheita e alguns toneis ainda abarrotavam daquele tinto, que cheirava a perfume de marmelo. Era hábito em vez de rolha, quando da cozedura, colocar-lhe no buraco fazendo de rolha um enorme marmelo "são como um pêro". E assim, com o consenso familiar, instalaram um "tasco" e café, dois estabelecimentos, separados por paredes, mas juntos por serem no mesmo edifício com interligação pelo seu interior, já que, facilitava a venda do "Branco" no lado do café, servido em chávena de chá, como se fora aquela infusão. Noutras palavras, em ambos os lados havia bebedeiras de criar bicho, mas do lado onde se servia o branco em chávena, sempre era outro asseio, pois na altura de limpar o sobrado, a empregada não sentia tanta repugnância por causa da cor, enjoava-se era por causa do cheiro.
No café havia bilhar livre e o Zé aproveitando a liberdade do progenitor não estar por perto, ia aprendendo a jogar, chegando mesmo a ganhar alguns campeonatos inter-clubes do seu Concelho.
Por isso , ele era tão conhecido no café Nacional, que ficava à esquina da Calçada do Duque/com a Primeiro de Dezembro na nossa Capital. Na cave, haviam entre 15 a 20 bilhares, estavam normalmente sempre cheios, mas nas horas da manhã e no intervalo entre aulas por falta de algum professor, era vê-lo numa correria louca, Calçada do Carmo abaixo, para jogar, muitas vezes em apostas que poucas vezes perdia. Era a Vida do Estudante/tunante, meio malandro.
Na parte da manhã, no dia que que General Carmona foi promovido a Marechal, houve tolerância de ponto aos professores. Do quartel do Carmo, partiu a fanfarra da GNR com os seus fatos engalanados de cordões brancos e com terminais dourados a caminho do Terreiro do Paço, local onde se desenrolava a cerimónia.
Como à saída da escola, uma das linhas da Carris tinha o seu início junto ao elevador de Santa Justas, foram os carros eléctricos os primeiros a receberem os acordes de uns murros bem dados nas suas "entranhas", tendo depois a malta acompanhado a marchar, e com gestos imitando os músicos, fazendo alarido, lá fomos atrás sob o olhar atento de meu pai, que resolveu também assistir ao acto, mas sem se denunciar ao Zé. Quando chegamos ao Terreiro do Paço, "adiós Papá".
Pequeno, furei pela multidão e fiquei sentado no chão na primeira fila a observar encantado todo
aquele aparato.
Quando regressei ao Largo do Carmo e ia a entrar os portões da escola, caíram-me os "gajos aos pés". O meu pai esperava-me com ar grave. Assim, como os cães fazem, baixando a cabeça com o rabito entre as pernas aproximei-me. Não disse nada, porque ele abordou-me nestes termos. Foste às aulas de manhã? Se eu dissesse que sim, ele virava-e logo com um tabefe daqueles que nunca mais esquecemos. Respondi a medo que os professores tinham tido tolerância de ponto e tinhamos ido ver a festa do Marechal Carmona ao Terreiro do Paço. Eu sei, vi-te a dar murros nos eléctricos e atrás da fanfarra. Tens futuro a marchar. Fiquei assustado, ele tinha visto que afinal eu era um bom marchante e acompanhante de classe. Já almoças-te? Sabendo perfeitamente que não. Mas o Zé já estava aprendendo a técnica da defesa e disse que não, não tinha tido tempo. Ordenou-me que marchasse direito ali à leitaria da esquina, C. Sacramento/L. Carmo mandou vir uma garrafinha de leite Vigor, perguntado-me se queria quente ou frio. Frio, disse eu. O calor que tinha era tanto, que aquele leite queimou-me a garganta quando o bebi.
Fui para as aulas, correram mal, não me saía da cabeça a presença do meu pai esperando-me.
Será que me bate? Agora é que eu vou saber o que é marchar. No regresso a casa, entrei pela porta da cozinha e vi a "santa Júlia", preparando o petisco. Beijei-a e silenciosamente pedi a sua ajuda. Olhou para mim, passou-me a sua mão pela minha cabeça num afago que só ela sabia fazer.
Na hora da comida, meu pai olhou-me com os seus olhos cândidos de velho amigo, muito compenetrado, perguntou-me. Então Zé, hoje tiveste festa lá perto de ti. A fanfarra saiu do Quartel do Carmo? Pois foi, respondi eu, estava nas aulas, não passei disso. Preparei-me para a erupção vulcânica. Em vez disse continuou... mas gostavas de ter visto? são coisas que só se vêm uma vez na vida, respondi eu. Safei-me, a mãe Júlia, tinha feito outra vez milagre.
Afinal, ainda vi mais duas vezes aquele cerimónia. Aquando do Spínola e de Costa Gomes.
Meu irmão ficou boquiaberto.

13.3.12

Os Piolhos


Vocês fazem ideia do que é um "puto" de 11 anos, acostumado a viver no campo entre cepas e árvores de fruto, frequentar a escola primária, nunca ter ido a uma sala de cinema e de repente diariamente apanhar o autocarro para Cacilhas e ali o barco, atravessar o Tejo, olhar o Cais do Sodré, atravessá-lo cheio de medo para não ser atropelado, subir a rua do Alecrim, cumprimentar o Camões ( que só com um olho via mais do que eu com os dois ) e chegar à Veiga Beirão, com uma multidão de rapaziada à espera, ir ao passadiço do elevador de Santa Justa e ver Lisboa de outro ângulo? O espanto, as descobertas que eu fiz e as gravações que me ficaram para sempre na memória. Foi o máximo, considerava-me um herói, o grande protagonista da maior aventura da minha vida. Nos primeiros tempos, eu nem conseguia estudar...
Passava pelas ruas que meu pai me ensinou e me levava directamente pelo caminho mais curto, rumo à Veiga Beirão. Via as outras e pensava, onde iriam parar. Claro que decorridos 20 dias, tinha ido até ao Calhariz, ao Largo da Misericórdia assistir à extracção da Lotaria Nacional, ficando atento a tudo aquilo a ver se ouvia o pregão do 17.377, pois sabia que meu pai jogava num numero certo todas as semanas. Coitado, bem poderia esperar sentando, até hoje ainda não saiu. já tinha passado pela Travessa da Água Flor e dado um pulo à rua da Rosa, em síntese, estava a familiarizar-me com o Bairro Alto. Desci pela Calçado do Sacramento, conheci a rua Nova do Almada e a do Carmo e finalmente o Rossio. A Praça da Figueira ali ao lado, deixou-me perplexo.
Na rua do Loreto, um cartaz anunciava o cinema do mesmo nome e a que todos chamavam "Piolho". ( Fiquei mais tarde a saber que com aquela alcunha havia mais alguns e tive de ganas de os conhecer todos).Os filmes eram sempre de "cowboyadas", o preço para a minha bolsa era incomportável, mas consegui fazer alguns "amealhos" poupando na sopa que não comia, recebendo a recomendação diária de a ir papar ao restaurante " Perús" situado no Cais do Sodré, mais uns cobres para material escolar que não necessitava e estavam arranjados os primeiros "tustos" para as também primeiros sessões cinematográficas continuas.
Comprei bilhete de balcão, devia estar trémulo, era a primeira vez, entrei com o filme já a decorrer e sentei-me ao lado de uma mulher que tinha um xaile pela cabeça e por debaixo dele ia dando uma fumaças num cigarro. Tudo aquilo era uma novidade para mim. Os cavalos a correr e o "Sheriff" atrás dos bandidos que tinham acabado de assaltar um banco, ia atirando um "tiraços" sem acertar em ninguém. A "fulana", vira-se para mim e diz-me ao ouvido. Menino mete a cabeça debaixo do meu xaile e lê as legendas para eu ouvir. A partir daí comecei a apanhar o fumo do cigarro, mas para ser prestável, não só meti a cabeça debaixo do xaile, como a encostei todo derretido à cabeça dela, passando-me pela «mona» "milhentas" fantasias que não conhecia, mas que entre a rapaziada ouvia falar.
Quando cheguei a casa, a mãe Júlia reparou que o Zé estava continuadamente a coçar a cabeça.
Foi buscar um pente mais fino entre dentes, colocou um jornal no assento de uma cadeira e passou-o pela minha cabeça, na tentativa de caçar alguns "javalis" que andassem ali perdidos no meio daquele matagal.
A sua queda no jornal, soavam a tiros dados com uma espingarda de dois canos, daquelas que já estão em desuso e parecem o nariz de um perdigueiro. Contou a mãe Júlia vinte e oito piolhos dos grandes. A seguir veio o interrogatório, desculpando-me, que decerto os tinha apanhado na escola. Mal sabia ela, que assistia aos primeiros passos das aventuras e desventuras do Zé.

28.2.12

Uma Americana no Alto Minho


Não sei se por aqui já disse que também fui campista. Também fui campista,e cheguei mesmo a ser dirigente da Federação Portuguesa de Campismo, isto lá pelos anos de 71/74. Que belos momentos de convívio e que conhecimentos adquiri do Portugal interior.
Iniciei-o de tenda, tendo mais tarde passado para caravana, o que ocasionou um campismo mais confortável, mas também mais sedentário . Veio a época das mordomias, do cadeirão à sombra, da "bejeca" acompanhada de "alcagoitas", das "almoçaradas" com amigos, mas também do calção e tronco nu por todo o dia e a possibilidade de ensinar aos "catráios" como se apanham grilos no campo, coisa que vivendo na cidade não é possível.
No Alto Minho acampei no Parque de Campismo da Orbitur e um dos meus "pequerruchos" no escorrega do parque infantil, caiu e partiu uma clavícula, por aquele estar votado ao abandono. Por esse motivo procurei outro local e encontrei-o em Vilar de Mouros, bem perto onde se realizava o festival de Rock. As suas sombras eram parreiras, tinha um tanque a servir de piscina, um bar agradável e uma casinha de alvenaria, coisa pequena, só com um quarto uma cozinha e casa de banho muito bem apetrechada, amorosa para passar uns fins de semana
ou acolher por uma semana uns recém casados. Para esses casos a Administração mandava colocar uma garrafa de espumante e bombons.
Eis que um dia, por volta de 1986, uma americana de nome Ellem Mccarthy e seu companheiro,
chegam ao Parque de Campismo, fazendo-se transportar de bicicleta, em viagem que tinha tido o seu inicio na Holanda. Ficam lá por uns dias, conhecem o local, a região, a Serra d'Arga, o dono do Parque possuidor também de um "turismo Habitação" ali em paredes meias (Lanhelas), onde todos os sábados havia folclore minhoto, e apaixonou-se por tudo aquilo. Numa conversa fugaz com o dono do parque confessasse apaixonada por tudo quanto os seus olhos viam e pergunta-lhe se um dia voltasse, lhe daria emprego. Era conhecedora de dez idiomas, mas nada conhecia de português... Era uma "brasa", bonita, vinte e poucos anos, irradiava simpatia e tinha um corpo de mulheraça. O empresário para lhe ser simpático disse que sim, pois sabia que eles tinham a tralha pronta para a partida e portanto seria pessoa que não iria ver mais. Foi um acontecimento no parque e toda a gente se despediu daqueles dois jovens aventureiros, que iriam terminar a sua viagem nas Canárias, depois de apanharem o barco em Málaga.
E pronto, a coisa entrou no esquecimento dos que ficaram e o parque voltou ao mesmo "rongue" "rongue" de sempre.
Mas aquela jovem, levava o coração despedaçado pelas saudades de tudo quanto viram os seus olhos encantadores, e não lhe saía da cabeça os traços de uns cabelos brancos, misturados com negros, daquele homem que lhe prometera emprego, se um dia voltasse.
Dois meses e meio depois, a um fim de tarde, a Ellen voltou, afogueada cansada e desejosa de cair nos braços do Germano. Aquela mulher apaixonada pelo Alto Minho, meteu no Puerto de Las Palmas em Gran Canária o seu companheiro de viagem num barco com destino aos "States", enquanto ela regressava a Málaga no mesmo "buque" que a tinha levado. De Málaga, de bicicleta e sozinha segue a Sevilha, passa por Huelva e entre em Portugal por Vila Real de Santos António, sobe todo o Portugal e só parou em Vilar de Mouros, local onde se encontrava a sua paixão.
Toma as rédeas do Parque, aprende português, não o vernáculo, mas o suficiente para dar aulas
de português a crianças holandesas que moravam na região, passa a vestir-se de minhota, muito especial as da Serra d'Arga, organiza excursões com os turistas utilizadores do parque de campismo, com almoços de pic-mic em pleno campo. A transformação foi enorme, a vida, a garra,
que aquela mulher impunha em tudo quanto mexia, obrigava os outros empregados também
a cumprirem com mais zelo os seus deveres. Tudo era preparado com princípio meio e fim e o Germano, juntando o útil ao agradável regozijava com o êxito nos seus negócios que cresciam a olhos vistos.
Só a mulher do Germano, sentia por vezes um zumbido na cabeça, que lhe pesava como chumbo e a que não estava habituada. Procurou um médico, que em vez de lhe receitar remédio para a maleita, recomendou-lhe o apanhar os ares do campo, muito especial os do Parque de Campismo, aconselhando-a mesmo a acompanhar a empregada "Americana" nas sessões matinais de ginástica que esta todos os dias fazia, à vista de todos os campistas e em pleno parque.
Ela bem pensou no caso, mas como as referidas dores não a largavam ficava sempre um pouco até mais tarde deitada. Começou a reparar que o marido também todos os dias assim que se levantava e em pleno quarto e de cuecas, daquelas de meia perna de popline às riscas, passou a também a fazer ginástica, diga-se rudimentar. Dizia ele, que estava a enferrujar e necessitava de estar em forma pois ia perdendo alguma mobilidade. Pudera, aquilo era demais para o andamento a que estava acostumado.
E não querem saber vocês, que a dor de cabeça da esposa do Germano passou imediatamente
a partir do dia em que a Ellen Mccarthy partiu, não de bicicleta mas num furgão Hanomag "grenát" a acompanhar um suíço da mesma sua idade, que por lá acampou dois dias, e sem dizer adeus ao seu patrão e amigo.
Todos os colegas ficaram com lágrimas nos olhos ao ver a sua partida, e enquanto a esposa do Germano se viu livre de vez daquela horrível dor de cabeça, o marido andou muitos meses com tremenda enxaqueca.

25.2.12

Afeitando-me


Durante mais de 50 anos tive uma máquina de barbear "Phillips" que tinha pouco uso e por isso encontrava-se nova. O meu sogro, deitou-lhe a mão, fez a barba não sei quantas vezes e "pifou" por falta de limpeza.
Portanto, a partir daí não estive "virado" para comprar outra e passei a usar a velhíssima "gillet", mas mais sofisticada, visto neste momento até já existirem a trabalhar a pilhas. E é precisamente uma dessas quer ultimamente me acaricia a cara. Portanto deixei de lembrar-me da "traquineta" eléctrica. Mas um dos meus filhos, desencantou quase Duzentos euros e comprou uma,que vista pela minha óptica mais parece um aranhiço, mas que segundo ele é muitíssimo boa.
Mesmo assim, não estive tentado. Todavia, na passada segunda feira desloquei-me a Setúbal e enquanto deitava o olho direito aos fracos mascarados que passeavam na Cidade, ia utilizando o olho esquerdo para apreciar uma ou outra montra.
E, junto à Garagem da Rodoviária Nacional (antiga garagem Belos), chamou-me a atenção uma montra que pela diversidade de artigos deveria ser uma daquelas que nascem todos os dias no nosso País e onde no futuro pagaremos a factura da electricidade. No meio do monte das coisas mais diversas, vejo uma maquina de barbear, tipo banha da cobra, prateada, num estojo de plástico. Entrei, quis ver, pequei e apreciei o material. Estojo, maquina de barbear com regulador de patilhas, fio para a carregar,um outro aparelho para cortar os cabelos do nariz ( se quisermos cortar mais alguma coisa também dá), pincel para limpeza e no estojo colado pelo lado de dentro um espelho para nos ajudar a "afeitar-nos" convenientemente. O seu preço... 10,00 € . A "Chinoca" que me atendia, percebia tanto de português como eu de chinês. Demos uns grunhidos, uns sorrisos, tendo-me dito OBRIGADO no mais puro português de Macaense, quando arriei en cima do balcão aquela nota que se chama "Euros" e fruto da nossa desgraça.
Pela noite, já em casa, mostra ao meu filho o grande negócio que tinha acabado de fazer. Tento abrir o estojo e o fecho partiu-se, abro a caixa e o espelho descola-se. Aí, não resistimos e desatamos a rir à conta dos incidentes, tendo o meu filho acrescentado que aquilo deveria ser para fazer a barba àqueles bonecos de papelão, do antigamente que tinham pernas coladas e um chapéu tipo Chileno.
Quando me deitei coloquei a máquina a carregar, disposto pela manhã a arreganhar os dentes com as "bocas" que o meu filho iria fazer.
Pois é verdade, a máquina trabalhou, portou-se muito bem e quando nos encontrarmos se não estiver bem "afeitado", tenham a certeza que o defeito não é da máquina.
Isto de comprar coisas na lojas dos amarelos faz-me pensar, até quando e qual o preço futuro que as coisas nos custarão, sem é que temos futuro.

13.2.12

O Capote Alentejano


Sempre tive um desejo de possuir um Capote Alentejano. Quantas vezes em Estremoz, parei para admirar o corte, o padrão, a qualidade da pele da raposa e até vestindo-os apreciando o seu conforto. E cada vez mais me seduzia puxar os cordões da bolsa e satisfazer o meu desejo. Os tempos foram passando e agora considero tarde de mais para consolar este prazer, nunca realizado. Todavia consegui realizar meio desejo e por isso resolvi contar como só realizei metade daquele prazer, iniciado no Alentejo profundo, em campos perto de Arraiolos, onde pela primeira vez vi um Alentejano - pastor, de "Perneiras de Pele de Carneiro" e capote, tomando conta de ovelhas, pertença de um grande agrário daquela região e amigo pessoal do pai, cá do rapaz.
O pastor, levando pendurado no ombro um alforge onde transportava a sua pobre refeição a constar de um naco de toucinho salgado, pão da região (branco como algodão), já feito há 8 dias atrás, duro como um "corno" e um litro de vinho tinto metido num corno de boi (que o ladrão/molha a goela e o poder do álcool também alimenta). No "Tarro" que qualquer trabalhador de campo do Alentejo, não dispensa, umas migas, estavam prontas para aconchegar o estômago. As ovelhas na maior parte das vezes, comandadas por dois "rafeiros alentejanos", afastam-se das árvores, em busca de um pouco de sol, já que sendo inverno, as manhãs são frias e manhosas, com a neblina a teimar em levantar tarde. Mas que fazia o Zé naquele local tão cedo, perguntarão os meus amigos. Estava ali, com autorização do agrário para "armar" aos tordos. A época do ano era propícia, e o petisco uma tentação para os apreciadores.
No fundo, o mundo é feito de predadores...
Quase que vim com as mãos a abanar, dado ter-me entretido a conversar com o pastor, e o frasco com as lagartas da "milharada" ter-se entornado. O que perdi em caçada, foi largamente compensada com os ensinamentos de vida que me deu aquele homem, castigado pelo sol do Alentejo, com rugas profundas na sua face e que passava ano após ano, durante todos os dias e sem um único para descanso, apoiado no seu cajado, metido debaixo da cova do seu braço, e cuja companhia com quem falava, era os "rafeiros", que davam como resposta uns latidos e o abanar dos seus rabos.
Entre tantas, tantas coisas, fiquei a saber que o "Tarro" servia para o inverno e para o verão, e os "safões" protegiam os joelhos , evitando no futuro, o reumático.
Resultado, na Cidade comprei umas "perneiras", lindas e quentes, e um chapéu de pastor, de 10 varetas, cabo grosso e que quando aberto, tinha uma copa enorme, protegendo-me do sol e da chuva. O pior foi quando num dia fui ao futebol e chuvia torrencialmente. Toda a gente se chegava para mim para se proteger, mas o cabo com tanta água inchou e não fui capaz de o fechar e consequentemente mete-lo no carro para regressar a casa. Teve o triste fim, que têm todos os outros quando se avariam. Ficou abandonado numa valeta à espera que o sol lhe trouxesse uma nova esperança de serviço publico. Os "safões" foram durante invernos grande companheiro e amigo e enquanto possui moto.
Mais tarde no norte, lembrava-me quanto me daria jeito um capote, mas por lá não se vendiam.
Até que um dia, recebo a visita de um amigo da Covilhã, que sendo vendedor de fazendas de uma grande fábrica de tecidos daquela região serrana, estava de visita à maior fábrica de confecções da Cidade onde eu morava. Acompanhei-o e tive a felicidade de ver toda aquela maquinaria em movimento e em especial, tomar conhecimento de que estavam a fazer capotes designados como alentejanos, mas para os países nórdicos.
E pensei que finalmente o meu desejo ia realizar-se. Meti uma cunha e já não saí de lá, sem trazer dentro de um saco o famigerado capote. No fundo, de Capote Alentejano tinha a pele da raposa, pois a linha não era bem igual e até um pouco cintados e a cor nada tinha a ver, dado o verde não ser a cor da fazenda escolhida para a vestimenta em causa.
Mesmo assim, comprei-o, pois o tecido era de belíssima qualidade e muito quente, segundo as palavras do meu amigo Carrilho. Em casa, tinha no guarda fato, um cabide especial onde o guardaria e fiquei ansioso de o estrear.
Chegou o dia, um dia de inverno rigoroso, de frio de rachar, pois o astro rei, já não aparecia há uns dias. Pela manhã preparo-me, aperalto-me, visto o capote, desço à garagem, meto-me no carro e coloco-o na rua. Vejo duas ciganas, já mulheres, mas jovens a aproximarem-se, dirijo-me à porta da garagem para a encerrar e estando de costas, oiço a conversa entre elas.
É Pá!.. O Gajo com aquele sobretudo verde, parece mesmo um papagaio, só lhe falta o rabinho amarelo. Nem olhei para trás, entro imediatamente em casa, subo ao 1º andar, dirijo-me à "Dona", que estava a servir o pequeno almoço aos nossos pequenitos para irem para a escola, e digo assim.
Podes dar a quem quiseres, o filho da puta do Capote Alentejano, que nunca mais o visto, não queres ver tu, que duas ciganas, iam a dizer que eu parecia um papagaio, com o capote vestido e que só me falta um rabinho amarelo.
Ela desata a rir, com as lágrimas a correrem pela cara e os filhos ajudaram à festa. Pela minha parte, nunca cheguei a saber qual o destino que levou a roupagem do papagaio. Nunca mais o vi.
Como compensação, fui feliz por poucos minutos, visto a felicidade também ser feita de pequenas coisas.

30.1.12

O Circo


A caravana de Camionetas, automoveis e toda aquela enormidade de gente apareciam de rompante na minha aldeia. A "maltinha", largava a bola de trapo com que se entretinha, o ranho largava a ponta do nariz e colava-se nas bochechas secando com a corrida desenfreada, cujo destino era o local onde o Circo iria montar a grande tenda, cujo tecto era em cone e as chapas de zinco onduladas a fazer uma grande circunferência, marcavam o seu espaço. A ansiedade era enorme e todos queriam saber quando era a inauguração, se tinha tigres, leões, ursos e a desilusão era enorme quando ficávamos a saber que aquele só tinha como astro principal um simples asno.
Ainda não se tinha iniciado a sua montagem e já os cartazes eram distribuídos pelos locais do costume anunciando a boa nova. O Circo estava de volta...
Residindo o Zé a 11 escassos km de Lisboa, era quase uma aventura, uma simples deslocação à Capital do Império, que como sabem começava em Lisboa, corria veloz sobre o Atlântico em visita ao Brasil, regressava, corria toda a costa de África, contornava o cabo das Tormentas, entrava no Indico, dava um pulo a Índia e a Malaca, assentava uma pata em Macau e finalmente mergulhava nos Mares de Timor.
Meu avô usando carroça e burro, transportava os produtos das suas propriedades até Cacilhas, usava o barco para a travessia do Tejo e tinha local no mercado da Ribeira. Não o mercado da Avenida 24 de Julho, a que todos agora chamam de Mercado da Ribeiro, mas sim aquele instalado na cais da autentica ribeira do Tejo. ali paredes meias com o Cais do Sodré. Ali sim, inventaram e serviam o Cacau da Ribeira. Esse mercado começava a trabalhar pelas 24 horas e era aí que os aldeões comercializavam os seus produtos das hortas e pomares, e que depois eram distribuídos por todos os mercados da capital onde a população se abastecia. O Capital, nesta altura, virou tudo de pantanas, liquidou os mercados típicos da nossa Cidade sendo substituídos pelo Continente, Pingo Doce, Modelo, Lidl etc. Ai... quem me dera ver outra vez o Mercado da Praça da Figueira, o seu movimento, os bailes de Santo António que se faziam lá dentro. Já imaginaram o que era Cacilhas, nesse tempo? A quantidade de estábulos que era necessário para guardar os burros que todos os dias transportavam as mercadorias para abastecer Lisboa? Daí meus amigos, o baptismo popular atribuído. "CACILHAS TERRA DOS BURROS". Mais tarde esses estábulos serviram para guardar bicicletas, dado trabalhadores dos docas, da Carris e outras grandes industrias instaladas em Lisboa, usarem aquele transporte na deslocação para a labuta do pão de cada dia.
Chegada a noite de estreia, algumas das vezes o Zé não conseguia ter as boas graças da mãe Júlia e não conseguia as moedas suficientes para um lugar na geral. Restava-lhe andar já com o espectáculo a correr, espreitar pelos buracos das chapas de zinco, para segundo a sua óptica, ter o legitimo direito de assistir ao trabalho dos palhaços e dar uma saudáveis gargalhadas que lhe proporcionariam uma dormida descansado e um sonho feliz.
Raramente conseguíamos ver alguma coisa, a não ser a curva das pernas de algumas mulheres sentadas nas estruturas das bancadas de madeira. Perna vista, e era certo e sabido que pelo buraco da chapa de zinco, metia-se o pipo de uma bisnaga grande de borracha, comprada na farmácia para lavar ouvidos que cheia de água era despejada e cujo destino eram as pernas que acabávamos de ver. O espectáculo parava, e as "raposas" (serventes do circo) acompanhados da GNR davam voltas e reviravoltas para ver se apanhavam os energúmenos, que se atreviam a perturbar o espectáculo circense. Claro, tínhamos dado à sola e nunca ninguém foi apanhado. Frente ás bilheteiras era colocada uma vara e lá em cima colocavam uma lâmpada de grande potencia para iluminar toda aquela zona, mas uma esguichadela dada pela bisnaga, contribuía para tudo ficar ás escuras, pois a água fria em contacto com o vidro quentíssimo, rebentava a lâmpada.
Então o "manager", nos dias imediatos deixava a pequenada entrar gratuitamente com a recomendação de não fazerem tropelias e não inventarem coisas piores que poderiam fazer largos estragos.
Tudo está mudado,desapareceram os saltimbancos, a "maltinha" já tem o nariz limpo, as brincadeiras bem como o circo já não são o que eram...