22.1.11

FESTA NA ALDEIA


Este boneco foi feito pela ceramista “Mistério” de Galegos de Santa Maria, aldeia do Concelho de Barcelos (representou Portugal na Expo de Sevilha), em homenagem ao Matias, elemento de “Os Lacinhos”, grande, grande amigo, que já faleceu. De notar que tem um caracol nos óculos.

Por tudo aquilo que já contei neste blogue, aliado aos contos que não pretendo divulgar,

chego à conclusão de que tive uma juventude fugaz.

É verdade, tive efectivamente uma juventude cheia de coisas boas, mas voltando a cabeça para trás, também chego à conclusão que tantas e tantas coisas que poderia ter feito, foram deixadas para trás sem possibilidades de as realizar.

A Juventude passou rapidamente e agora resta-me viver da saudade, da falta dos amigos inseparáveis e das memórias que felizmente dançam na massa encefálica da minha “mona”.

A minha aldeia, de ruas de terra solta, de casas cuja altura não ultrapassava o primeiro andar, vê-se hoje, com altos prédios, estação de comboio à porta, lojas iguais às das grandes capitais, e ela que nem sequer era Freguesia, faz parte de uma das Cidades (que deveriam ser mantidas aldeias) que os políticos na ânsia de grandeza elevaram àquela categoria.

Anualmente todas as povoações têm a sua festa em honra do seu padroeiro, mas a minha, a coitadinha, nem padroeiro tem. No entanto, no mês de Julho de cada ano realizava-se a Festa da Torre. E que festa meu Deus! As ruas eram engalanadas, não com aquelas ornamentações tanto em voga e que no Norte fazem furor. Festão, pinturas garridas, luzes a brilhar por toda a noite, os autofalantes a berrarem por tudo quando é sítio, nós não tínhamos. Tínhamos sim, e disso se orgulhavam os Torrenses, ornamentações feitas com louro a substituir o festão, vários carroceis, circos, poços da morte, muitas, muitas barracas de farturas, a casa rolante e um sem fim de atracções, que faziam dela a maior a mais importante festa de todas as redondezas. Destacando dois coretos, montados em lugares estratégicos da aldeia e onde passavam nos quatro dias que duravam as festas, as bandas filarmónicas mais importantes do País.

À volta dos coretos eram montadas esplanadas com mesas redondos feitas de ferro e cadeiras com tabuinhas pequenitas iguais às que se usavam nos circos. Nas horas em que as bandas tocavam e se alternavam, o silêncio era de oiro e os nossos ouvidos captavam os sons deliciosas das partituras. Mas… essas esplanadas eram a fonte da receita que a comissão das festas tanto necessitava para pagar os foguetes, o fogo-de artifício, às bandas de música etc. e portanto tratavam de fazerem concurso e a sua exploração seria feita por quem mais oferecesse.

“Os Lacinhos”, o meu grupo das partidas, das aventuras, sem qualquer experiência do negócio, resolveu concorrer, tendo ganho o concurso.

A partir dali, a coisa começa ficar feia. Sem jeito nem arte, para fazer bifanas, iscas, pregos, cachorros, preparar caracóis ou burriés, servir às mesas, resolvemos reunir, distribuir lugares e mãos à obra. Uns faziam isto, outros aquilo, e seja o que Cristo quiser, havendo no entanto o cuidado de colocar o Matias, (alcunhado de Marçal) míope e gago, na parte de dentro do balcão, feito com costaneiras das obras e que se encarregaria de tratar dos petiscos, alcançando o “material” aos que serviam às mesas. (Aconselho a lerem o conto Carnaval nas Belas Artes de 4/5/09, já que dá uma imagem perfeita do Marçal, figura principal desta história).

Pela noite, as bandas actuando, o povo rua abaixo, rua acima fazendo picadeiro, crianças ao colo chorando por uma fartura, enquanto outras lambendo o açúcar (à mistura com algum ranho), daquela massa frita feita em canudo, que ainda hoje vimos em qualquer sitio, as esplanadas cheias, a azafama de quem servia, o movimento no balcão para atender todos, colocavam o Marçal em “nervoso miudinho”.

Dois alguidares enormes de zinco (ainda não era a época do plástico), um cheio de caracóis vivos, outro vazio pronto para receber os cozidos e em cima do balcão, dezenas de rolhas de cortiça com alfinetes espetados para serem levados para as mesas onde fossem pedidos aqueles gastrópodes.

Um “panelão” enorme estava ao lume a cozer os primeiros caracóis da noite, os colegas, pediam, Marçal isto, Marçal aquilo, ainda um não tinha acabado e já outros abusando no tom de voz, solicitam outras coisas.

O Marçal não sabe para onde se virar, corre para a direita, para a esquerda, preocupa-se com o que está ao lume, destapa a panela e não consegue ver nada. O vapor que sai lá de dentro, embacia-lhe os óculos, às apalpadelas agarra em dois panos, pega nas asas da “panelão” e despeja os caracóis cozidos. Os elementos do grupo que estavam no balcão nessa ocasião, dão altas e sonoras gargalhadas, perturbam os músicos e o maestro manda parar a banda de tocar.

O Marçal como não via porque os óculos estavam embaciados, tinha acabado de vazar os caracóis cozidos no alguidar onde estavam os caracóis cruz. Dos vivos uns morrem imediatamente, outros safam-se como podem e nunca pensaram que corriam tanto, enquanto outros encolheram-se dentro da sua casca.

As coisas amainaram, a música retomou o concerto e a azáfama da esplanada voltou ao seu movimento normal. Pelo menos momentaneamente. O Marçal já não cozeu mais caracóis, mas em contrapartida, continuou a arranjar os pires para serem servidos. Estala por isso reclamações, gargalhadas e a banda daquele coreto, arrumou os instrumentos.

Os clientes, encontravam nos pires, caracóis vivos, cozidos, coxos e marrecos, vinham de todas as maneiras. Metiam-lhe o alfinete e o animal encolhia-se, outros fugiam garrafas de cerveja acima e enquanto o homem do trombone sacudia um caracol que lhe tinha trepado até às orelhas o maestro esteve em vias de ter um caracol refugiado na batuta.

Nos anos seguintes fomos proibidos de concorrer à exploração das esplanadas, pelos distúrbios ocasionados.

6.1.11

O Agarra-te ao Pincel e o Ano 2011




Pela primeira vez os nossos governantes foram homens de palavra. Já receava depois de tantos anos a não dizerem verdades, se habituassem para toda a vida a enganar os Portugas. É certo que ainda conseguiram aumentar mais uma data de malta amiga e fiel que deambulam pela Segurança Social, com retroactivos a Janeiro do ano passado e todas aquelas benesses a que já estamos acostumados. Também já não era sem tempo, as Finanças tiveram um reforço de uns milhões não esperados e assim devidamente distribuídos o dinheiro circula em vez de estar estagnado a cheirar a mofo nos cofres da instituição.
Mas que falaram, verdade isso falaram, Disseram que iam aumentar a Electricidade, os Telefones, os Alimentos, os Transportes, o Iva, a Gasolina, o Gás, os descontos nos salários dos Funcionários Públicos, o IRS em todos os outros, e a plebe já confirmou que foi mesmo verdade. Podemos portanto estar tranquilos que os governantes, talvez po um rebate de consciência e por aproximação de eleições não nos quiseram enganar.
Os portugueses foram protagonistas de grandes epopeias, a nossa marinhagem venceu Adamastores, passaram por Malaca, usaram turbantes na India, ficaram com os olhos em bico em Macau, apanharam Colibris no Brasil, levaram nas lonas em Ceuta, sem esmorecer o seu patriotismo, sempre dispostos a servir a nação representada na altura por El Rei de Portugal.
As caravelas partiam de Belém com as velas desfraldadas a todo o pano na ânsia de novas descobertas, que poderiam trazer riqueza a este pequeno País situado no cu de Judas da Europa. Os seus porões, iam cheios de comida e água, faltando por falta de conhecimento, legumes frescos, e por não sido ainda descoberto, o papel de jornal.
A falta de legumes, trazia a doença do escorbuto e o papel de jornal era importantíssimo para a limpeza higiénica do "sim senhor" de cada um. Não dava jeito nenhum limpar aquela parte do corpo com Estevas, Caruma, Hortelã, Silvas, folhas de figueira ou pés de louro, pelo que houve que dar aso à imaginação para arranjarem uma substituição mais conveniente.
Em pleno alto mar fizeram-se várias reuniões democratas, com eleições de braço no ar, tendo o Capitão General pelos direitos que lhe foram conferidos por El Rei, imposto definitivamente a limpeza da sujidade do "buraco" com as cordas que simultaneamente serviam para a amaragem dos barcos aos cais.
Desfiaram-se as pontas das ditas para as tornarem mais macias, passando a chamar-se "PINCEL", servindo este também para limpar os baldes de madeira com que os homens lavavam os convés das embarcações e defecavam lá dentro, por ser mais prático quando atiravam ao mar o conteúdo das suas necessidades fisiológicas. Por aconselhamento do médico em serviço a bordo, depois de cada utilização era necessário fazer a sua esterilização para evitar contágios, pelo que a ponta do cordame viajava sempre atrás do barco mergulhada na água do mar, onde os peixes tinham a sua parte/contribuição na dita esterilização.
Levantava-se por vezes grandes tempestades e as caravelas autênticas cascas de nós, tão depressa voltavam para a direita como para a esquerda ( foi por aqui que alguns deputados de agora aprenderam a mudar-se conforme as suas conveniências), fazendo com que os homens, coitados, não se aguentassem nas canetas e não raro a viagem sem que algum caísse ao mar. aí, a coisa ficava feia, perdia-se um marinheiro se não fosse socorrido imediatamente; mas como sabemos os barcos não tinham motor e portanto não podiam parar imediatamente, sendo necessário mudar o velame e fazer uma volta enorme para regressar ao sítio onde o homem tinha caído, a maior parte das vezes já sem resultados, porque se passavam horas e entretanto os tubarões tinham acabado com o sofrimento do náufrago.

Portanto amigos, a coisa era assim. Quando alguém gritava "HOMEM AO MAR" o gajeiro que se encontrava no alto da gávea imediatamente gritava dando sugestão ao desgraçado "AGARRA-TE AO PINCEL". Se ele o conseguia, estava safo, era fácil os colegas puxarem a corda e dar-lhe a mão para subir, de outra forma quando o barco regressava às origens e se ele fosse o amparo de alguém, havia choros e desesperos em casa da sua família mais chegada.
Neste ano de 2011 que agora se iniciou, com uma crise de criar bicho, se não tivermos a sorte de ouvir o "Gajeiro" gritar "AGARRA-TE AO PINCEL" e simultaneamente o conseguirmos, vamos ter desoladamente imensos náufragos que serão imediatamente comidos pelos tubarões que existem neste Oceano imenso que se chama Portugal.