13.2.12

O Capote Alentejano


Sempre tive um desejo de possuir um Capote Alentejano. Quantas vezes em Estremoz, parei para admirar o corte, o padrão, a qualidade da pele da raposa e até vestindo-os apreciando o seu conforto. E cada vez mais me seduzia puxar os cordões da bolsa e satisfazer o meu desejo. Os tempos foram passando e agora considero tarde de mais para consolar este prazer, nunca realizado. Todavia consegui realizar meio desejo e por isso resolvi contar como só realizei metade daquele prazer, iniciado no Alentejo profundo, em campos perto de Arraiolos, onde pela primeira vez vi um Alentejano - pastor, de "Perneiras de Pele de Carneiro" e capote, tomando conta de ovelhas, pertença de um grande agrário daquela região e amigo pessoal do pai, cá do rapaz.
O pastor, levando pendurado no ombro um alforge onde transportava a sua pobre refeição a constar de um naco de toucinho salgado, pão da região (branco como algodão), já feito há 8 dias atrás, duro como um "corno" e um litro de vinho tinto metido num corno de boi (que o ladrão/molha a goela e o poder do álcool também alimenta). No "Tarro" que qualquer trabalhador de campo do Alentejo, não dispensa, umas migas, estavam prontas para aconchegar o estômago. As ovelhas na maior parte das vezes, comandadas por dois "rafeiros alentejanos", afastam-se das árvores, em busca de um pouco de sol, já que sendo inverno, as manhãs são frias e manhosas, com a neblina a teimar em levantar tarde. Mas que fazia o Zé naquele local tão cedo, perguntarão os meus amigos. Estava ali, com autorização do agrário para "armar" aos tordos. A época do ano era propícia, e o petisco uma tentação para os apreciadores.
No fundo, o mundo é feito de predadores...
Quase que vim com as mãos a abanar, dado ter-me entretido a conversar com o pastor, e o frasco com as lagartas da "milharada" ter-se entornado. O que perdi em caçada, foi largamente compensada com os ensinamentos de vida que me deu aquele homem, castigado pelo sol do Alentejo, com rugas profundas na sua face e que passava ano após ano, durante todos os dias e sem um único para descanso, apoiado no seu cajado, metido debaixo da cova do seu braço, e cuja companhia com quem falava, era os "rafeiros", que davam como resposta uns latidos e o abanar dos seus rabos.
Entre tantas, tantas coisas, fiquei a saber que o "Tarro" servia para o inverno e para o verão, e os "safões" protegiam os joelhos , evitando no futuro, o reumático.
Resultado, na Cidade comprei umas "perneiras", lindas e quentes, e um chapéu de pastor, de 10 varetas, cabo grosso e que quando aberto, tinha uma copa enorme, protegendo-me do sol e da chuva. O pior foi quando num dia fui ao futebol e chuvia torrencialmente. Toda a gente se chegava para mim para se proteger, mas o cabo com tanta água inchou e não fui capaz de o fechar e consequentemente mete-lo no carro para regressar a casa. Teve o triste fim, que têm todos os outros quando se avariam. Ficou abandonado numa valeta à espera que o sol lhe trouxesse uma nova esperança de serviço publico. Os "safões" foram durante invernos grande companheiro e amigo e enquanto possui moto.
Mais tarde no norte, lembrava-me quanto me daria jeito um capote, mas por lá não se vendiam.
Até que um dia, recebo a visita de um amigo da Covilhã, que sendo vendedor de fazendas de uma grande fábrica de tecidos daquela região serrana, estava de visita à maior fábrica de confecções da Cidade onde eu morava. Acompanhei-o e tive a felicidade de ver toda aquela maquinaria em movimento e em especial, tomar conhecimento de que estavam a fazer capotes designados como alentejanos, mas para os países nórdicos.
E pensei que finalmente o meu desejo ia realizar-se. Meti uma cunha e já não saí de lá, sem trazer dentro de um saco o famigerado capote. No fundo, de Capote Alentejano tinha a pele da raposa, pois a linha não era bem igual e até um pouco cintados e a cor nada tinha a ver, dado o verde não ser a cor da fazenda escolhida para a vestimenta em causa.
Mesmo assim, comprei-o, pois o tecido era de belíssima qualidade e muito quente, segundo as palavras do meu amigo Carrilho. Em casa, tinha no guarda fato, um cabide especial onde o guardaria e fiquei ansioso de o estrear.
Chegou o dia, um dia de inverno rigoroso, de frio de rachar, pois o astro rei, já não aparecia há uns dias. Pela manhã preparo-me, aperalto-me, visto o capote, desço à garagem, meto-me no carro e coloco-o na rua. Vejo duas ciganas, já mulheres, mas jovens a aproximarem-se, dirijo-me à porta da garagem para a encerrar e estando de costas, oiço a conversa entre elas.
É Pá!.. O Gajo com aquele sobretudo verde, parece mesmo um papagaio, só lhe falta o rabinho amarelo. Nem olhei para trás, entro imediatamente em casa, subo ao 1º andar, dirijo-me à "Dona", que estava a servir o pequeno almoço aos nossos pequenitos para irem para a escola, e digo assim.
Podes dar a quem quiseres, o filho da puta do Capote Alentejano, que nunca mais o visto, não queres ver tu, que duas ciganas, iam a dizer que eu parecia um papagaio, com o capote vestido e que só me falta um rabinho amarelo.
Ela desata a rir, com as lágrimas a correrem pela cara e os filhos ajudaram à festa. Pela minha parte, nunca cheguei a saber qual o destino que levou a roupagem do papagaio. Nunca mais o vi.
Como compensação, fui feliz por poucos minutos, visto a felicidade também ser feita de pequenas coisas.

31 comentários:

Maria disse...

Amigo Zé:
Quando vivemos em Tomar, o meu pai tinha uns safões, uma pesada samarra de gola de raposa e, umas botas de carneira com pelo por dentro. Era a vestimenta dele, todos os dias. Usava chapéu ribatejano. Como ele dizia, só lhe faltava o cavalo.
Estava sempre quentinho! Que pena teres-te desfeito do capote! tinhas mandado tingi-lo de outra cor! Olha o jeito que te dava agora?
Beijinho
Maria

Cusca Endiabrada disse...

ihihihih

Papagaio louro ...
de bico amarelo ...
fino como tordo ...
é o Zé caramelo !!!


dentadinhas

Zé do Cão disse...

Maria

É um belissimo abafo, não haja duvida.

O pai tinha bom gosto.

Beijinhos boa amiga

Zé do Cão disse...

cusca
Só tu podias...

Pois nem sabes quanto é bom um capote alentejano.


biquinhos, querida

Pascoalita disse...

Engraçado, fizeste-me lembrar um certo jovem beirão, por quem fui doentiamente apaixonada eheheh

Retenho na memória a sua figura, envergando exactamente um desses capotes, ao que na altura apurei oferta de um amigo alentejano! Mas creio que era num tom castanho esverdeado.

No norte, os pastores usavam "polainas em palha" e samarras ou casacos de lã de ovelha.

Parece que a "paixão" deu-te forte, mas passou depressa eheheh

Pascoalita disse...

Ah! Por falares em capote, deste-me uma ideia: Acho que me vou atirar à garrafita de licor de maracujá dos Açores "mulher de capote" que de certa forma também aquece hehehh

Podes ver aqui

http://www.lojadovinho.com.pt/ampliar.php?id=8480


jinhos

São disse...

Ainda estás a tempo, muito a tempo, de comprares um verdadeiro capote alentejano, meu amigo!

Um Dia de S- Valentim muito namorado te desejo, rrss

Zé do Cão disse...

Pascoalita

Nesta altura de carnaval, podia oferecer o tal capote ao Passos, mas com rabo diferente, talvez de GAVIAO.

e aproveitava uma mascara ao M.F.
de "Furão"
Biquinhos

Zé do Cão disse...

Licor de maracujá?
Que raio de nome...

Açores? mas não é do Brasil?

biquinhos

Zé do Cão disse...

são

Já é tarde... já não compro.

estou servido até morrer, com outros abafos.
E se não os tivesse, passaria frio para enrijar.
Porque andar quentinho, deixou de ser luxo de pobre.
Obrigado pelo S. Valentim
abraço

Elvira Carvalho disse...

Vamos lá a ver se é hoje. Já li o texto 3 vezes mas acontece sempre qualquer coisa que me leva a ter de sair sem comentar.
Mais uma das suas saboreosas histórias.
Se as ciganas fossem um pouco mais educadas teriam dito, parece um elfo, já que parece eles teen uma predileção especial pelo verde e provavelmente será por isso que os nordicos escolheram essa cor. Para os alegrarem e serem por eles bafejados com um bom destino.
Uma cigana disse um dia ao meu marido que ele ia morrer no mar, o que seria um alívio para a família que não teria de se preocupar com o funeral. Pode?
Um abraço e tudo de bom para si

Zé do Cão disse...

elvira

Será possível?
Eu tenho muita pena dos ciganos...
Mas não gosto de os ver por perto.
não me adianto, para não pensarem que sou racista.
Se calhar o Capote, ainda foram parar ás suas mãos. Sabe-se lá. Creio que a "Dona" também já não sabe.
O meu abraço, amiguinha

Pascoalita disse...

Também desconhecia que havia "mulheres de capote"! O Capote e o capelo são trajes Micaelense antigamente usados pelas mulheres açoreanas e actualmente creio que confinado a grupos folclore.

A ideia foi aproveitada pela indústria promocional das ilhas, pelo que é fácil encontrar-se todo o tipo de objectos com este símbolo tradicional.

E mais um "dia de S. Valentim" se foi e eu esqueci de namorar ehehheheh


jinhos

Kim disse...

Zé!
Então tu foste na conversa das ciganas? Já te estou a imaginar - estavas "au point".
Fizeste mal, pois esses capotes são lindíssimos, não importando a cor. Olha, agora até dava jeito com este frio de rachar.
Estás perdoado!
Abraço amigo

Je Vois La Vie en Vert disse...

E o que tens contra os papagaios, amigo Zé ??

Toda a gente gosta de meter conversa com eles e de lhes fazer festinhas.
Ainda por cima era verde !
Não te entendo, caro amigo... ;)

Beijinhos da
Verdinha

Zé do Cão disse...

Verdinha

Pois é verdade, mas como um papagaio sem rabo não consegue seguir em rumo certo e ainda por cima amarelo, presumivelmente seria por isso que as ciganas fizeram o comentário.

Ao menos eu deveria ter tirado uma fotografia à indumentária, para justificar a minha razão.

Beijinhos

Mariazita disse...

Zé, querido amigo
Penso que foi uma pena teres-te desfeito do capote verde.
Imagino a alegria de quem o recebeu! É o que faz ligares a conversa de ciganas...
Pois eu te digo que um capote alentejano é uma belíssima peça de vestuário, seja amrelo, ou verde, ou castanho... é sempre bonito.

Muito obrigada pelos parabéns à minha «CASA». "Ela" gostou muito das tuas palavras cheias de carinho.
Obrigada, meu amigo, inté.
BeijOOOcas

Zé do Cão disse...

Mariazita

Se eu estive tantas vezes tentado a fazer a compra é porque gostava da peça e porque achava ser um belíssimo abafo.
Também não foi menos verdade que o facto de ser um pouco cintado, não era bem o que queria. Depois verde, que não era o que estava acostumado a ver pelo Alentejo. Finalmente, vi-me transformado num louro sem poleirou...
Beioquitas

Magia da Inês disse...

Ah, Zé!... não há nada errado com os papagaios de rabinhos amarelos!...
Bom fim de semana!
Beijinhos.
Brasil

(⁀‵⁀,) ✿
.`⋎´✿✿¸.•°
✿¸.

Zé do Cão disse...

Claro que não, o erro era comigo.

Mas olha que o capote devia-me ficar bem, não achas.
Ainda ia ao Carnaval ao Brasil e divertia-me com o Zé Carioca.

Beijos

Milu disse...

Ó Zé, o que eu me ri :D

Com essa das ciganas terem dito que parecias um papagaio com o capote, fizeste-me lembrar de mim e de um fato de malha de cor beje, composto por uma saia e blusa, do qual eu gostava tanto e achava que me dava um ar distinto. Um dia, ao passar defronte do portão de uma oficina de automóveis, ouvi, vindo lá do escuro do fundo, uma voz que dizia: "Parece um saco de batatas". Fiquei aturdida, pois nunca tal me havia passado pela cabeça, o certo é que deixei de usar esse tal fato.Por norma não sou pessoa para me deixar influenciar pelas opiniões dos outros, salvo quando numa situação qualquer a crítica que me merece estima e credibilidade, mas nestes casos, sou tão sensível como toda a gente. Às vezes, quanto mais nos queremos aperaltar pior ficamos, principalmente as mulheres. :D
Fartei-me de rir quando contaste o percalço do chapéu, que o não conseguiste fechar eheheh
lembrei-me de um dia especialmente ventoso, num curto trajecto numa avenida de Leiria vi pelo menos três chapéus de chuva abandonados nos passeios, todos despedaçados do vento, são chapéus made in china
Um beijinho

Zé do Cão disse...

Já viste aos anos que ando a contar as minhas desditas e ainda não acabei,.
Já me tem dado vontade de parar porque já não tenho mais nada que contar. Lembro-me imediatamente outra a seguir. É incrível que tenho uma atracção forte para estas desditas.
Beijo, amiguinha

Green Knight disse...

Amigo Zé.
Foi agradável para mim ler esta estória,sou do concelho de Alter-do-Chão e os capotes foram-me familiares,assim como:os safões o cajado o alforje o tarro, faziam parte dos utensílios usados pelo meu avô materno.
"Sem dúvida que o capote é uma peça de vestuário muito quentinha,mas, nesta altura do(campeonato)o peso dela não seria suave."

(O amigo conhece em pormenor, todos os cantinhos de Portugal)
Beijocas
Mariana

Zé do Cão disse...

Mariana
Com que então o avô conhecia bem todas as peças de vestuário do bom alentejano.
Todavia, esqueceu-se de dizer que a miudagem conhecia também bem e ás vezes muito melhor do que o seu proprietário, o Cajado. É que ás vezes, quando as coisas azedavam ou sentiam comichão nas costas, fruto de alguma maldade, aquele tinha uma maneira muito peculiar de coçar. Havia um choro e a seguir o afago e a ternura de arrependimento.

Beijo e cumprimentos ao maridão.

Pascoalita disse...

Boa diversão, bom entrudo (é quase só om que nos resta)

Zé do Cão disse...

Pascoalita

Ando um bocado derreado, com uma dor lombar que não me tem largado.
Se calhar foi do tal frito do "Epiranga" ahahah...

O Povo ao brincar ao Carnaval, não faz mais do que confirmar aos gajos da "Troika", que ainda temos a "canga" aliviada.
Somos burros e palhaços ao mesmo tempo.
Viva portanto a folia...
biquinhos

carla disse...

olá ! gostei da tua história . se quiseres visita-me bjo
carla granja

http://paixoeseencantos.blogs.sapo.pt/

Green Knight disse...

Zé! que belas imagens alentejanas de outrora, se podem vislumbrar através da tua escrita com a força carismática que lhe empregas.
Em tempos também usei uma samarra ribatejana com pele de raposa e tive o sonho, "não concretizado" de umas botas do Ribatejo, feitas por medida na Golegã.O meu avô tinha um capote destes, que abrigava os netos e não eram poucos, quando a família ia prá missa do galo no Natal.
Alargava as abas e parecia a galinha com os pintos debaixo das asas.
Bons tempos,eu era um menino.
Um grande abraço Zé.
jrom

Zé do Cão disse...

Green
E quem te disse que já não somos meninos.
Se que agora já não mamamos.
Outros tempos, outras épocas.

Um bom abraço

Green Knight disse...

Amigo Zé, nm país de mamões, andei sempre em último,mesmo até quando era pequeno.
Com a minha mãe de empreitada na azeitona, ou ocupada nas tarefas bem duras do campo, penso que tive poucas hipoteses de me habituar muito, ao "fertil" sustento.
Menino serei sempre que eu quizer,por direito próprio.
Um abraço grande amigo
jrom

Zé do Cão disse...

Green

Tens toda a razão.
Com a vida dura do campo e a variedade dos trabalhos, que tem tempo para ser mamão?
Isso é coisa de quem nunca fez nada e vive encostado a quem trabalha.
abraço