28.2.12

Uma Americana no Alto Minho


Não sei se por aqui já disse que também fui campista. Também fui campista,e cheguei mesmo a ser dirigente da Federação Portuguesa de Campismo, isto lá pelos anos de 71/74. Que belos momentos de convívio e que conhecimentos adquiri do Portugal interior.
Iniciei-o de tenda, tendo mais tarde passado para caravana, o que ocasionou um campismo mais confortável, mas também mais sedentário . Veio a época das mordomias, do cadeirão à sombra, da "bejeca" acompanhada de "alcagoitas", das "almoçaradas" com amigos, mas também do calção e tronco nu por todo o dia e a possibilidade de ensinar aos "catráios" como se apanham grilos no campo, coisa que vivendo na cidade não é possível.
No Alto Minho acampei no Parque de Campismo da Orbitur e um dos meus "pequerruchos" no escorrega do parque infantil, caiu e partiu uma clavícula, por aquele estar votado ao abandono. Por esse motivo procurei outro local e encontrei-o em Vilar de Mouros, bem perto onde se realizava o festival de Rock. As suas sombras eram parreiras, tinha um tanque a servir de piscina, um bar agradável e uma casinha de alvenaria, coisa pequena, só com um quarto uma cozinha e casa de banho muito bem apetrechada, amorosa para passar uns fins de semana
ou acolher por uma semana uns recém casados. Para esses casos a Administração mandava colocar uma garrafa de espumante e bombons.
Eis que um dia, por volta de 1986, uma americana de nome Ellem Mccarthy e seu companheiro,
chegam ao Parque de Campismo, fazendo-se transportar de bicicleta, em viagem que tinha tido o seu inicio na Holanda. Ficam lá por uns dias, conhecem o local, a região, a Serra d'Arga, o dono do Parque possuidor também de um "turismo Habitação" ali em paredes meias (Lanhelas), onde todos os sábados havia folclore minhoto, e apaixonou-se por tudo aquilo. Numa conversa fugaz com o dono do parque confessasse apaixonada por tudo quanto os seus olhos viam e pergunta-lhe se um dia voltasse, lhe daria emprego. Era conhecedora de dez idiomas, mas nada conhecia de português... Era uma "brasa", bonita, vinte e poucos anos, irradiava simpatia e tinha um corpo de mulheraça. O empresário para lhe ser simpático disse que sim, pois sabia que eles tinham a tralha pronta para a partida e portanto seria pessoa que não iria ver mais. Foi um acontecimento no parque e toda a gente se despediu daqueles dois jovens aventureiros, que iriam terminar a sua viagem nas Canárias, depois de apanharem o barco em Málaga.
E pronto, a coisa entrou no esquecimento dos que ficaram e o parque voltou ao mesmo "rongue" "rongue" de sempre.
Mas aquela jovem, levava o coração despedaçado pelas saudades de tudo quanto viram os seus olhos encantadores, e não lhe saía da cabeça os traços de uns cabelos brancos, misturados com negros, daquele homem que lhe prometera emprego, se um dia voltasse.
Dois meses e meio depois, a um fim de tarde, a Ellen voltou, afogueada cansada e desejosa de cair nos braços do Germano. Aquela mulher apaixonada pelo Alto Minho, meteu no Puerto de Las Palmas em Gran Canária o seu companheiro de viagem num barco com destino aos "States", enquanto ela regressava a Málaga no mesmo "buque" que a tinha levado. De Málaga, de bicicleta e sozinha segue a Sevilha, passa por Huelva e entre em Portugal por Vila Real de Santos António, sobe todo o Portugal e só parou em Vilar de Mouros, local onde se encontrava a sua paixão.
Toma as rédeas do Parque, aprende português, não o vernáculo, mas o suficiente para dar aulas
de português a crianças holandesas que moravam na região, passa a vestir-se de minhota, muito especial as da Serra d'Arga, organiza excursões com os turistas utilizadores do parque de campismo, com almoços de pic-mic em pleno campo. A transformação foi enorme, a vida, a garra,
que aquela mulher impunha em tudo quanto mexia, obrigava os outros empregados também
a cumprirem com mais zelo os seus deveres. Tudo era preparado com princípio meio e fim e o Germano, juntando o útil ao agradável regozijava com o êxito nos seus negócios que cresciam a olhos vistos.
Só a mulher do Germano, sentia por vezes um zumbido na cabeça, que lhe pesava como chumbo e a que não estava habituada. Procurou um médico, que em vez de lhe receitar remédio para a maleita, recomendou-lhe o apanhar os ares do campo, muito especial os do Parque de Campismo, aconselhando-a mesmo a acompanhar a empregada "Americana" nas sessões matinais de ginástica que esta todos os dias fazia, à vista de todos os campistas e em pleno parque.
Ela bem pensou no caso, mas como as referidas dores não a largavam ficava sempre um pouco até mais tarde deitada. Começou a reparar que o marido também todos os dias assim que se levantava e em pleno quarto e de cuecas, daquelas de meia perna de popline às riscas, passou a também a fazer ginástica, diga-se rudimentar. Dizia ele, que estava a enferrujar e necessitava de estar em forma pois ia perdendo alguma mobilidade. Pudera, aquilo era demais para o andamento a que estava acostumado.
E não querem saber vocês, que a dor de cabeça da esposa do Germano passou imediatamente
a partir do dia em que a Ellen Mccarthy partiu, não de bicicleta mas num furgão Hanomag "grenát" a acompanhar um suíço da mesma sua idade, que por lá acampou dois dias, e sem dizer adeus ao seu patrão e amigo.
Todos os colegas ficaram com lágrimas nos olhos ao ver a sua partida, e enquanto a esposa do Germano se viu livre de vez daquela horrível dor de cabeça, o marido andou muitos meses com tremenda enxaqueca.

25.2.12

Afeitando-me


Durante mais de 50 anos tive uma máquina de barbear "Phillips" que tinha pouco uso e por isso encontrava-se nova. O meu sogro, deitou-lhe a mão, fez a barba não sei quantas vezes e "pifou" por falta de limpeza.
Portanto, a partir daí não estive "virado" para comprar outra e passei a usar a velhíssima "gillet", mas mais sofisticada, visto neste momento até já existirem a trabalhar a pilhas. E é precisamente uma dessas quer ultimamente me acaricia a cara. Portanto deixei de lembrar-me da "traquineta" eléctrica. Mas um dos meus filhos, desencantou quase Duzentos euros e comprou uma,que vista pela minha óptica mais parece um aranhiço, mas que segundo ele é muitíssimo boa.
Mesmo assim, não estive tentado. Todavia, na passada segunda feira desloquei-me a Setúbal e enquanto deitava o olho direito aos fracos mascarados que passeavam na Cidade, ia utilizando o olho esquerdo para apreciar uma ou outra montra.
E, junto à Garagem da Rodoviária Nacional (antiga garagem Belos), chamou-me a atenção uma montra que pela diversidade de artigos deveria ser uma daquelas que nascem todos os dias no nosso País e onde no futuro pagaremos a factura da electricidade. No meio do monte das coisas mais diversas, vejo uma maquina de barbear, tipo banha da cobra, prateada, num estojo de plástico. Entrei, quis ver, pequei e apreciei o material. Estojo, maquina de barbear com regulador de patilhas, fio para a carregar,um outro aparelho para cortar os cabelos do nariz ( se quisermos cortar mais alguma coisa também dá), pincel para limpeza e no estojo colado pelo lado de dentro um espelho para nos ajudar a "afeitar-nos" convenientemente. O seu preço... 10,00 € . A "Chinoca" que me atendia, percebia tanto de português como eu de chinês. Demos uns grunhidos, uns sorrisos, tendo-me dito OBRIGADO no mais puro português de Macaense, quando arriei en cima do balcão aquela nota que se chama "Euros" e fruto da nossa desgraça.
Pela noite, já em casa, mostra ao meu filho o grande negócio que tinha acabado de fazer. Tento abrir o estojo e o fecho partiu-se, abro a caixa e o espelho descola-se. Aí, não resistimos e desatamos a rir à conta dos incidentes, tendo o meu filho acrescentado que aquilo deveria ser para fazer a barba àqueles bonecos de papelão, do antigamente que tinham pernas coladas e um chapéu tipo Chileno.
Quando me deitei coloquei a máquina a carregar, disposto pela manhã a arreganhar os dentes com as "bocas" que o meu filho iria fazer.
Pois é verdade, a máquina trabalhou, portou-se muito bem e quando nos encontrarmos se não estiver bem "afeitado", tenham a certeza que o defeito não é da máquina.
Isto de comprar coisas na lojas dos amarelos faz-me pensar, até quando e qual o preço futuro que as coisas nos custarão, sem é que temos futuro.

13.2.12

O Capote Alentejano


Sempre tive um desejo de possuir um Capote Alentejano. Quantas vezes em Estremoz, parei para admirar o corte, o padrão, a qualidade da pele da raposa e até vestindo-os apreciando o seu conforto. E cada vez mais me seduzia puxar os cordões da bolsa e satisfazer o meu desejo. Os tempos foram passando e agora considero tarde de mais para consolar este prazer, nunca realizado. Todavia consegui realizar meio desejo e por isso resolvi contar como só realizei metade daquele prazer, iniciado no Alentejo profundo, em campos perto de Arraiolos, onde pela primeira vez vi um Alentejano - pastor, de "Perneiras de Pele de Carneiro" e capote, tomando conta de ovelhas, pertença de um grande agrário daquela região e amigo pessoal do pai, cá do rapaz.
O pastor, levando pendurado no ombro um alforge onde transportava a sua pobre refeição a constar de um naco de toucinho salgado, pão da região (branco como algodão), já feito há 8 dias atrás, duro como um "corno" e um litro de vinho tinto metido num corno de boi (que o ladrão/molha a goela e o poder do álcool também alimenta). No "Tarro" que qualquer trabalhador de campo do Alentejo, não dispensa, umas migas, estavam prontas para aconchegar o estômago. As ovelhas na maior parte das vezes, comandadas por dois "rafeiros alentejanos", afastam-se das árvores, em busca de um pouco de sol, já que sendo inverno, as manhãs são frias e manhosas, com a neblina a teimar em levantar tarde. Mas que fazia o Zé naquele local tão cedo, perguntarão os meus amigos. Estava ali, com autorização do agrário para "armar" aos tordos. A época do ano era propícia, e o petisco uma tentação para os apreciadores.
No fundo, o mundo é feito de predadores...
Quase que vim com as mãos a abanar, dado ter-me entretido a conversar com o pastor, e o frasco com as lagartas da "milharada" ter-se entornado. O que perdi em caçada, foi largamente compensada com os ensinamentos de vida que me deu aquele homem, castigado pelo sol do Alentejo, com rugas profundas na sua face e que passava ano após ano, durante todos os dias e sem um único para descanso, apoiado no seu cajado, metido debaixo da cova do seu braço, e cuja companhia com quem falava, era os "rafeiros", que davam como resposta uns latidos e o abanar dos seus rabos.
Entre tantas, tantas coisas, fiquei a saber que o "Tarro" servia para o inverno e para o verão, e os "safões" protegiam os joelhos , evitando no futuro, o reumático.
Resultado, na Cidade comprei umas "perneiras", lindas e quentes, e um chapéu de pastor, de 10 varetas, cabo grosso e que quando aberto, tinha uma copa enorme, protegendo-me do sol e da chuva. O pior foi quando num dia fui ao futebol e chuvia torrencialmente. Toda a gente se chegava para mim para se proteger, mas o cabo com tanta água inchou e não fui capaz de o fechar e consequentemente mete-lo no carro para regressar a casa. Teve o triste fim, que têm todos os outros quando se avariam. Ficou abandonado numa valeta à espera que o sol lhe trouxesse uma nova esperança de serviço publico. Os "safões" foram durante invernos grande companheiro e amigo e enquanto possui moto.
Mais tarde no norte, lembrava-me quanto me daria jeito um capote, mas por lá não se vendiam.
Até que um dia, recebo a visita de um amigo da Covilhã, que sendo vendedor de fazendas de uma grande fábrica de tecidos daquela região serrana, estava de visita à maior fábrica de confecções da Cidade onde eu morava. Acompanhei-o e tive a felicidade de ver toda aquela maquinaria em movimento e em especial, tomar conhecimento de que estavam a fazer capotes designados como alentejanos, mas para os países nórdicos.
E pensei que finalmente o meu desejo ia realizar-se. Meti uma cunha e já não saí de lá, sem trazer dentro de um saco o famigerado capote. No fundo, de Capote Alentejano tinha a pele da raposa, pois a linha não era bem igual e até um pouco cintados e a cor nada tinha a ver, dado o verde não ser a cor da fazenda escolhida para a vestimenta em causa.
Mesmo assim, comprei-o, pois o tecido era de belíssima qualidade e muito quente, segundo as palavras do meu amigo Carrilho. Em casa, tinha no guarda fato, um cabide especial onde o guardaria e fiquei ansioso de o estrear.
Chegou o dia, um dia de inverno rigoroso, de frio de rachar, pois o astro rei, já não aparecia há uns dias. Pela manhã preparo-me, aperalto-me, visto o capote, desço à garagem, meto-me no carro e coloco-o na rua. Vejo duas ciganas, já mulheres, mas jovens a aproximarem-se, dirijo-me à porta da garagem para a encerrar e estando de costas, oiço a conversa entre elas.
É Pá!.. O Gajo com aquele sobretudo verde, parece mesmo um papagaio, só lhe falta o rabinho amarelo. Nem olhei para trás, entro imediatamente em casa, subo ao 1º andar, dirijo-me à "Dona", que estava a servir o pequeno almoço aos nossos pequenitos para irem para a escola, e digo assim.
Podes dar a quem quiseres, o filho da puta do Capote Alentejano, que nunca mais o visto, não queres ver tu, que duas ciganas, iam a dizer que eu parecia um papagaio, com o capote vestido e que só me falta um rabinho amarelo.
Ela desata a rir, com as lágrimas a correrem pela cara e os filhos ajudaram à festa. Pela minha parte, nunca cheguei a saber qual o destino que levou a roupagem do papagaio. Nunca mais o vi.
Como compensação, fui feliz por poucos minutos, visto a felicidade também ser feita de pequenas coisas.