25.12.10

Natal


Desde miúdo que oiço dizer que Natal é tempo de paz, de família e de perdoar aos nossos inimigos. Será mesmo assim? Os nossos inimigos pensarão da mesma maneira? Se levarmos uma “bordoada”, colocamos a cabeça a jeito para levar outra?

Sabem os meus amigos que não sou jovem, sabem os meus amigos que contrariando as leis da natureza ainda sou jovem. Mais ainda, uma criança grande. Não conheço criança que não tenho medo, medo de não ter por perto os seus pais, os seus amigos, os seus protectores, mas os medos que me atormentam nesta altura são estes:

O nosso País está a atravessar uma crise que jamais me passou pela cabeça pudesse acontecer quando em vinte e cinco de Abril do ano setenta e quatro rebentou a revolução dos cravos.

Ainda recordo os rostos de felicidade que praticamente todos os portugueses tiveram naqueles tempos mais próximos. Que loucura a sensação de liberdade, a fraternidade entre os povos faziam-nos ter esperança de finalmente termos um Portugal livre, moderno, próspero e com um futuro de bem estar nunca existido por cá.

As eleições livres, as promessas dos políticos oportunistas formados com rapidez e em força, foram sonhos feitos à luz do dia, já que tínhamos acabado de passar uma noite de mais de quarenta anos.

Como recordo os erros que se seguiram, mas que todos íamos deixando passar com a esperança que com erros também se aprendem e portanto o Sol Radiante estava à frente dos nossos olhos.

Nós que nos encontrávamos isolados seriamos um País Europeu, aberto ao Mundo, com todos as vantagens que isso nos trazia. Os nossos políticos, Doutores, Engenheiros, Advogados e até Estucadores, rejubilavam de satisfação, apregoando aos quatro ventos quanto felizes passaríamos a ser quando finalmente entrássemos na Comunidade Europeia. Um eleito, deu a volta pelo Mundo, viajou em elefantes, deitou ao fosso galináceos para os crocodilos, montou em tartarugas, passou pelo estreito de Magalhães e o seu governo desatou rapidamente a gastar milhões e milhões no desenvolvimento de Macau, tendo Melancia e seus acólitos feito trabalho meritório, acabado em Tribunal com os resultados que todos conhecemos…Tudo Zero, “gente fina é outra coisa”.

A seguir sucederam-se governos e mais governos e todos eles iam deixando o nosso cantinho cada vez pior. As empresas estrangeiros que mantinham por cá fabricas há muitos anos, desataram a debandar, contribuindo para o desemprego e consequentemente a perda do sonho por que lutamos. Os partidos políticos, iam recheando o seu seio com assessores de assessores, nomeando para lugares para os quais não tinham nenhuma preparação, Pais, mães, filhos, enteados, netos, primos, irmãos, amigos, amigos dos amigos, deixando de fora ou afastando quadros de valor que lhes podiam fazer sombra…

A União (?) Europeia, ofereceu milhões e milhões de dinheiro que aquela gente recebia ávida de grandeza, repartiam (o que repartiam) pelos amigos, pelos espertos desonestos e o aproveitamento foi o que se pode chamar, “coisa nenhuma”. Há efectivamente vias de comunicação, vias rápidas agora transformadas à pressa em auto-estradas sem estarem preparadas para tal, mas que são pagas, tal é a necessidade e a fome de dinheiro que temos. Quantos pseudo-cursos foram pagos a empresários para que o pessoal tomassem conhecimentos para o seu desenvolvimento, sem qualquer tipo de aproveitamento. Quanto trabalhadores passaram dois e três anos nessas formações a transportarem paus às costas de um lado para o outro, recebendo o seu salário atrasado pago a más horas, os instrutores, funcionários dessas mesmas empresas assinavam os recibos como se dessem a tal formação e o empresário abotoando-se com todos os valores nem sequer pela Páscoa ofereceram uma garrafita de mosto cujo preço era de míseros 0,20 cêntimos, àqueles pobres servidores que com medo de perderem o emprego sujeitavam-se àquelas desonestidades.

Mas a luz quando nasce é para todos e Oliveira e Costa e o seu “bando” aparecem na ribalta como os representantes da grande burla dos tempos modernos e a fazer esquecer Alves dos Reis, os governantes ofereceram reformas a portugueses que nunca trabalharam por conta de outrem, esbanjando a torto e a direito valores sem a mínima razão para tal.

Reformam-se políticos com valores completamente absurdos e em idade de frescura física e psíquica. Dão-se prémios obscenos a quem já tem ordenado chorudos e benesses de escândalo, pelos cargos que ocupam?

O povo passou a ter acesso a mais instrução, abandonando-se paralelamente a educação do mesmo, observada pela leitura dos jornais que nos dão diariamente relatos de como ela está mal em Portugal. As agressões nas escolas são o pão nosso de cada dia e os professores, bombos de festa, que o digam.

Chega-se ao descaro de indemnizar um alto funcionário da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, que por sua livre vontade se despediu.

Corre-se o Mundo de mão estendida a mendigar dinheiro emprestado para repartirem à ganância, pelos protegidos dos políticos falhados que dormem no hemiciclo, e para nós povo escravo a lembrar os tempos feudais, cai-nos a distribuição dos “calotes” que esta gente à força nos obriga a pagar.

Pretende-se alterar a lei do trabalho, para que o "Zé" só possa ter reforma após os 67 anos e uma mulher que não recebe qualquer subsídio nem tem outros rendimentos, mas tem 65 anos e que teve a feliz sorte de arranjar um trabalho de três horas diárias, para pagar a contribuição à Seg. Social, vai ser fiscalizada.

O desgoverno é tal que num golpe de magia baixa, corta os salários aos funcionários e anuncia que deputados e altos funcionários também serão atingidos com cortes de 15% , dado ser necessário salvar Portugal, mas sorrateiramente aumentam-lhe as ajudas de custos em 20%.

Eu, naufrago, não pretendo voltar para a ilha… ela também está minada.

Estamos no Natal de 2010, como posso perdoar tanto mal que nos é feito? Destruíram o meu sonho, perdi a esperança no meu País, não acredito nos seus políticos e prevejo uma derrocada final não muito longa no tempo.

Desejo a todos os meus visitantes um Feliz Natal e um Ano Novo cheio de abraços a que se associa o meu canito.

12.12.10

"Esquimoux Fresquinho"


Quando a segunda guerra mundial acabou, houve vivas, foguetes e algumas acções incontroláveis. Depois voltamos todos outra vez ao “rongue”, “rongue” habitual o que quer dizer à parvalheira do costume.
Gente da minha Aldeia trabalhava na Carris em Lisboa e esses traziam novidades diariamente sobre as lutas políticas, que iam minando a sociedade de então. Entre eles o António da Elisa distinguia-se pelas suas convicções e também por ser um homem organizado e gostar de trabalhar em colectivo.
Tinha sido inaugurado o Laboratório Nacional de Eng. Civil, e Leitão de Barros realizou o filme “Camões”.
Certa vez, o António meteu-se na aventura de organizar uma excursão de bicicleta à Arrábida com passagem por Setúbal, e almoço no Portinho, local paradisíaco. Os automóveis, ainda não estavam em expansão como agora, e o petisco a cargo de cada, constava sempre como na época se usava de duas ou três “sandochas”, embrulhados num guardanapo e papel de jornal, pendurado por um cordel no guiador da "pasteleira" velocípede.
Abriu as inscrições gratuitas a pensar em meia de dúzias de carolas amigos, mas a coisa constou-se e aquelas chegaram ao número de Quatrocentos e Oitenta. O homem estava feliz, rejubilado de satisfação e com colegas de trabalho, arranjou umas bandeirinhas de pano coladas num arame que engalanariam as BTT da época.
O meu pai e irmão também se prepararam para ir à passeata. O Zé tinha acabado de aprender a montar a máquina de duas rodas, já se tinha enfiado por dois ou três valados cheios de silvas, dado outros tantos trambolhões, ido de encontro a uma árvore e caído ao rio, achando-se por isso apto e pronto para acompanhar aquela tremenda caravana. O “mano” meteu a cunha e depois de algumas lágrimas me correm pela cara, lá consegui a aprovação forçada, com a recomendação que não podia ir armado em maluco, tinha que obedecer à fila indiana e que o “mano” iria sempre com o olho aberto para zelar pela minha integridade física.
No dia aprazado, toda a aldeia estava em reboliço e às seis da manhã, já se ouvia as campainhas dos excursionistas. Nem consegui dormir tal era o desassossego que me ia na alma. De todos as aldeias próximas chegam os inscritos, trazendo algumas “bicis” engalanadas a cores berrantes., tratando de colocar as bandeirinhas da organização. Recomendações a todos para terem cuidado com o trânsito, os que marchavam à frente terem em consideração que havia outros que eram mais lentos; enfim milhentos cuidados, até que suou a hora de partida com um apito estridente. E aquela fila indiana iniciou a sua marcha. Ao Zé nos seus dezasseis irrequietos anos não cabia uma palhinha num sítio que eu cá sei. A primeira subida íngreme da serra da Arrábida é a das Necessidades a seguir a Azeitão e depois segue-se a grande descida até Setúbal. A subida foi penosa, mas assim que cheguei ao alto, foi deixar andar e fé em Deus. Não tendo o progenitor por perto e o mano distraído, acompanhado de mais quatro da mesma idade não obstante ser uma grande descida pedalávamos desalmadamente por ali abaixo e fizemos uma entrada triunfal na Capital das Laranjas e da Sardinha. Ainda estávamos longe e já víamos o vendedor do “Esquimaux Fresquinho” junto das oficinas da Ford em plena avenida dos Combatentes. Os nossos olhos não largavam o carro-bicicleta onde o homem pedalava e atendia os clientes. A atracção é enorme, é como um íman e em poucos segundos, dado a nossa falta de prática, enfiava-mo-nos todos contra o carro do homem dos gelados. Cinco ciclistas em correria doida ou desenfreada, colocaram tudo em pantanas.
Os cabelos do vendedor ficaram em pé e o seu boné voou para o chão, o carro virado, o gelado saiu da cuba e entornado pelo chão, o Zé com o embate voou direitinho com a cara pelo chão a caminho dos gelados entornados, ficando com ela cheia daquela chafurdice. A roda da frente da sua máquina ficou feita num oito, mas a detrás mantinha-se redonda e as dos outros também não estavam melhor.
Atrás de nós lá ao fundo aproximam-se os segundos excursionistas, com as suas bandeirinhas desfraldadas e em velocidade de cruzeiro. O dono dos gelados queria chamar a polícia, mas nós ao avistarmos os companheiros pedimos-lhe calma.
Um deles, olha o nosso estado, o carro, os gelados o empregado ou dono da desgraça e diz assim.
O tempo estava a pedir um geladinho, vocês deveriam estar com um desejo tremendo, mas também nem oito nem oitenta, não era necessário partirem o carro todo ao desgraçado.
O Zé com o lenço limpava a cara, que ficou pegajosa, outros tratavam de acudir aos arranhões que fizeram e o “Esquimaux Fresquinho” tentando por o carro em condições de seguir o seu comércio, queria ser ressarcido daquele prejuízo. Quando chegou o meu “velhote” deu-me a sentença. Toma lá dinheiro, põe a “bici” na camioneta da Carreira e ala para casa que se faz tarde. Se eu tivesse juízo não autorizava a tua vinda.
Tinha sonhado tanto com aquele passeio, nunca tinha ido ao Portinho de Arrábida, a Albarquel, à praia do Coelho, à Figueirinha, e o homem dos gelados estragou-me a vida, porque raio havia ele de estar àquela hora naquele sítio?
Há gente que vem ao Mundo só para empatar, não acham?