11.12.12

O Natal e a Feira da Ladra




Ai...ai...os meus 15 anos. O continuar a descobrir Lisboa. A pastinha debaixo do braço, não, não tão carregada como as dos estudantes de hoje, que em vez de estudantes mais parecem burros de carga, tal a quantidade de livros e cadernos que elas contêm.
A minha levava somente os livros correspondentes às aulas do dia, e viva o velho.
Durante muito tempo ouvia os meus colegas falarem da Feira da Ladra, lá para os lados de Santa Clara, local que nem sequer sabia onde era  e Feira onde julgava que tudo se vendia e roubava. Até que um dia, bem perto do Natal, lá parti a uma terça-feira à descoberta de novos horizontes, talvez procurando alguma lembrança para colocar no sapatinho. Já sabia que nas carreiras do eléctrico 28 com destino à Graça, os carteiristas eram ágeis no furto das carteiras colocadas no bolso de trás nas calças, coisa que nada me assustava, pois eu, pobre de mim, tinha um porta-moedas de cabedal em forma de ferradura, colocada sim, no bolso das calças de lado, a coberto das razias que faziam esses larápios. Era muito espertinho, pensava eu, com os meus botões. Afinal, não passava de um campóniozito de trazer por casa, e que presumivelmente ainda não tinha passado em frente ao Mirador de Santa Luzia, já estava sem ele. E o pior é que tinha no seu interior somente uns "tustos" para acorrer a uma eventualidade urgente e mais os bilhetes para o regresso a casa, já que, aqueles davam para a ida e volta e serviam exclusivamente para estudantes.
Ainda hoje é uma viagem extremamente atribulada com enormes encontrões, dado as muitas curvas que as linhas contêm, ao percorrer as vielas que separam a Alfama de S. Vicente, aliados aqueles que os carteiristas forçam de forma a facilitar o seu trabalho. Por falta de lugares sentados, seguia de pé e a dada altura, encontro para a direita encontro para a esquerda, estou situado na coxia central, cumprimido  como sardinha na lata da marca "Tenório" e sentia na minha perna uma pequeno comichão, que julgava saber serem das barbas do dito. Afinal o larápio colocou os meus sentidos em banho maria, e passei a partir daí a estar mais leve do bolso direito.
Em pé, agarrava com a mão esquerdo o pegador do banco, onde uma senhora já de meia idade, is sentada, naquele assento feito de uma palhinha muito fininha e brilhante, um luxo pensava eu. A Senhora não levava estola de pele, mas digo-vos que era moda, era fino, presumivelmente não se atrevia a levá-la para a Feira da Ladra, se é que a tinha. Na sua cabeça imperavam os cabelos grisalhos, já muito esfarrapados, notando-se algumas falhas, mas muito arranjidinho e penteado com esmero e cuidado. O tal encontrão propositado do carteirista desiquilibrou-me e eu na tentativa de me segurar, coloquei a palma da minha mão direita na cabeça da senhora. Coitada deu um grito de aflição, e eu pedindo desculpa, sentindo uma coisa estranha, levantei a mão, saltando da sua cabeça um pequeno rolo de palha de aço da fina, que a senhora disfarçava muito bem, presa com ganchos, entre o cabelo para não se ver as falhas daquele.
A vergonha e a humilhação que aquela mulher passou, ao ver-se desmascarada e com a careca à mostra, com o eléctrico cheio de passageiros a rirem por tão insólito acontecimento, fez com que o abandonasse , com receio de apanhar algum tabefe disparado da sua mão com rugas.
Faltavam ainda algumas paragens para chegar à Igreja de S. Vicente de Fora, mas desisti de continuar, pois a partir daí fiquei atrapalhado a pensar no regresso e a maneira de atravessar o Tejo com destino à terra dos burros (Cacilhas). Lá recebi as graças de um marinheiro do Tejo, que me facilitou o transbordo.
Ao menino e ao borracho, Deus põe a mão por baixo