(Caravela que habitualmente ornamenta a entrada do recinto da feira)
Nas minhas andanças por terras de Espanha, conheci um casal de Huelva, gente simpatiquíssima que vivia juntamente com uns tios já maiores, que tinham uma pequena mercearia de bairro. Os tios eram de Burriana, da Província de Castellon, comunidade Valenciana e desde que partiram à procura de melhor vida, nunca mais visitaram a terra natal.
A D. Carmen, nome da tia, tinha um horror às estradas, aos automóveis, aos comboios, tendo chegado a pensar que ela tinha medo de tudo quanto mexesse. Portanto, pouco saía de casa, a não ser para ajudar o marido na sua loja. Os sobrinhos, ele, Juan e ela, Maruga, esperavam ansiosos a visita da cegonha.
Certa ocasião, visitei-os aquando da realização das festas Columbinas, que se realizam na primeira semana de Agosto em honra de Cristovão Colombo, pois foi daquela Cidade espanhola, que partiu, à descoberta do novo mundo.
O Juan, Maruga, eu e a minha companheira Lurdocas que já foi interveniente no meu conto da atribulada “Viagem a Sevilha”, fomos ao teatro ver uma peça cómica, num desmontável sito no recinto das festas. Havia um artista que, por tudo e por nada, dizia esta frase: “Ai no me lo diga!”. Frase que pegou no nosso vocabulário e passamos também por tudo e por nada a dizer : “Ai no me lo diga!”.
Falando, em sua casa, das grutas de Aracena, que tínhamos visitado aquando da deslocação a Sevilha de tão boa ou má memória, a D. Carmen disse que nunca tinha visitado umas grutas e eu propus-me imediatamente a levá-la para ver aquelas, satisfazendo assim o seu desejo.
Que não, que tinha muito medo da estrada, mas, com paciência, lá a convencemos e, no outro dia, munidos de um piquenique, lá partimos no Fiat 500, subindo a serra de Rio Tinto a caminho das grutas, ficando o marido em casa entregue ao pequeno comércio.
Dado que a D. Carmen era dos “pesos pesados”, ia ao meu lado, sendo notório o “stress” que a senhora passava pelo medo que tinha. As conversas desenrolavam-se e, de quando em quando, lá ia “Ai no me lo diga!”. Parámos para petiscar e não levávamos nada fresco. “Ai no me lo diga!”. Nas curvas, nas grutas “Ai no me lo diga!”, que medo a senhora tinha e por que pressão estava aquele anjo sénior a passar.
Quando saímos das grutas já era noite, sentámo-nos numa esplanada, comemos qualquer coisa e começámos a viagem de regresso. Aí, a senhora confessa que estava com um medo de morrer, ao fazer a viagem de noite em plena serra. Claro que… “Ai no me lo diga!”.
Ocupámos os mesmos lugares na viatura e, quando estávamos a meio caminho, a D. Cármen, que ainda não tinha aberto a boca, demonstrou que estava atrapalhada e queria vomitar. A Lurdocas, para animar a malta, diz assim: “Ai no me lo diga!”. Eu paro o carro e, quando me debruço para tentar abrir a porta do seu lado, saiu pela boca da D. Carmen uma descarga que bateu no vidro e fez ricochete, ficando o raio da velha e eu em mísero estado. “Ai no me lo diga!”, diz o Juan. Entretanto, já tinha sido aberta a porta e ela, coitada, envergonhada, limpava-se com um pano, quando lhe dá vontade para segunda convulsão, debruçando-se ainda mais, para fazer directamente para o chão, ficando com o traseiro espetado e virado para mim e enquanto descarregava pela boca, dá um pum...mas um pum tão grande, tão grande, que se eu não tivesse a porta do meu lado fechada, saía disparado para a arcem (valeta) do outro lado da carretera e a protecção civil chamada para me socorrer, teria de me apanhar aos bocados.
A sua sobrinha diz assim: “Ai no me lo diga!”. Toda a gente queria rir, toda a gente se conteve, e à minha pergunta de se encontrar mais aliviada, respondeu. “Que vergoenza, que vergoenza”.
A partir daí, aquela viagem de regresso mais parecia um velório do que um passeio.
Com os meus botões, pensava: se ela se caga outra vez, temos caldo entornado.
Quando chegámos a Huelva, já noite dentro, ainda apalpei o meu braço direito, para ver se não estaria deslocado, porque um torpedo daquela envergadura tem efeitos devastadores, que o digam os militares americanos em missão no Iraque.
No outro dia, quando partimos rumo à capital portuguesa, toda a gente veio despedir-se de nós, excepto a D. Carmen que, por se ter esvaziado como uma boneca insuflada, não se aguentava de pé.
Para desanuviar o ambiente, quando os visitei novamente fiz a entrega de um macaco de cerâmica a subir uma corda, que me disseram nas Caldas de Rainha (vejam lá onde fui arranjar aquela obra) ser o macaco do azar, esclarecendo eu aos amigos de Huelva que se tratava do macaco da sorte.
O “mono” foi imediatamente pendurado na loja, para dar sorte, e, quando mais tarde voltei, vi aquela encerrada, as ervas já altas à entrada da porta e fiquei preocupado, julgando ter contribuído para a falência do comércio de ultramarinos que era a sua subsistência. Eis que veio ao meu encontro o amigo tendeiro e a sua amada Carmen dar-me um abraço bem forte, pois o macaco lhes tinha dado tanta sorte que se viram obrigado a mudar de local, para aumentar o negócio.
Confirmei que afinal estas coisas de macacos de sorte ou azar não passam de mito. A sorrir e ao ouvido dele e sem que a Carmen ouvisse, disse baixinho: “Ai não me lo diga!”