20.5.08

Avante Camarada, Avante


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O 25 de Abril trouxe-nos coisas boas, coisas más e coisas assim. Fundaram-se partidos, inteiros e lascados. Começaram as festas dos partidos (o nome foi posto a preceito e a condizer com a realidade), grande parte das vezes em conjunto, rosas com laranjas, vermelhos com semi-vermelhos e até azuis e amarelos, que depois de muita música, muita charanga, muitas “minis”e muito tinto à mistura, acabava em cada zaragata de se lhe tirar o chapéu, regressando a casa muitos filiados com as bandeiras descaídas, já murchas e com eles partidos, alguns mesmo irremediavelmente partidos, (com ligaduras na cornadura) depois de terem passado pelas urgências hospitalares.
Decorridos que eram mais 365 dias, e depois de uma publicidade bem abundante, as festas lá se continuavam a fazer, mas mais individualizadas.
O PCP instalou-se na Cidade de Amora, mais propriamente na Quinta da Atalaia. Anuncia sempre festas de arromba, convida ou contrata artistas e oradores e, para não fugir à regra, são sempre os mesmos a puxar pela garganta e a botar palavra.
Dos mais variados recantos do Portugal Conhecido, partem com destino àquele recinto camionetas cheias de folgazões, outros com muita fé, que esperam passar três bem vividos dias no convívio das gentes da mesma cor e assim a comissão organizadora arrecada mais uns milhares de euros que servirão no futuro para poderem ser gastos em campanhas eleitorais, já que as dádivas de outras origens estão severamente sob controle. De uma dessas terras conhecidas (dos naturais), a comissão local organizou uma excursão de camioneta a preço módico e pago a prestações sem juros para uma deslocação àquele recinto e durante o período da realização do evento.
Maria Imaculada, menina de 18 anos, prendada e com gosto esmerado para fazer renda de bilros, que aprendeu com uma tia solteirona que usava óculos e tinha borbulha escura na parte lateral direita do seu nariz, inscreveu-se e à “titi”, depois de ter o consentimento da progenitora, já que o seu pai, ocupado com os trabalhos no campo, pouco se importava com essas coisas.
Dois dias antes da partida, a Maria Imaculada estava esfuziante, alegre, mexida, ia pela primeira vez a uma festa fora da terra e visitar Lisboa, coisa com que tanto sonhara, recebe a notícia que por indisposição ocasional a sua tia e protectora na viagem não poderia dar o passeio.
A Maria Imaculada roga, pede à mãe que a deixe ir sozinha, porque já não era criança e sabia bem cuidar de si. Contra sua vontade, pois as mães sabem sempre como são as irreverências da juventude, lá acedeu ao pedido e a Maria Imaculada, de cabaz e farnel destinado à viagem, lá partiu rumo ao Sul. Olhando através da janela ainda vê a mãe com uma lagrimazita ao canto do olho, preocupada por alguma desgraça que acontecesse e pela falta que a menina lhe fazia em casa.
Tudo correu bem e pelo caminho os excursionistas trocaram de migalhas numa sã e leal camaradagem, não fossem eles do PCP.
Logo na primeira noite e junto do palco principal, a Maria Imaculada conheceu o Jorge, um rapazito alentejano, bem parecido, uma carinha laroca, que com os seus 21 anos, deitou o coração da Maria Imaculada abaixo, ela que nunca tinha estado apaixonada por ninguém.
Foi um amor à primeira vista e o rapaz, depois de muita conversa, mimos e subterfúgios
(para provar que afinal os alentejanos não são assim tão lentos), saltou-lhe “práspinha”. A principio e com a emoção a coisa nem lhe soube mal nem bem, mas um jovem na flor da idade é imparável e com a continuação passou a sentir-se à vontade, mais desinibida e já não queria outra coisa, porquanto afinal aquilo tinha emoções e sensações que nunca tinha sentido. Foram portanto até àquela altura os melhores três dias da sua vida. Sozinha sem ter que dar contas a ninguém e ninguém da família para conter as arremetidas que o alentejano lhe dava.
Portanto, quando a festa acabou e voltou outra vez à realidade, sentiu uma grande nostalgia por se aperceber que tinha de voltar novamente às origens e que o Jorge nem sequer lhe tinha dito de onde era. Por isto não viria mal ao mundo, porquanto ela, durante três dias, também nem soube de que terra era.
E o nosso Jorge que tinha sido tão amoroso, tão terno; à partida, nem quis aparecer junto à camioneta da excursão, não fosse a moça desmaiar nos seus braços.
Quando chegou a casa de mãos a abanar, pois até o cabaz com que tinha levado o farnel ficou esquecido logo no primeiro dia, a perguntas dos familiares desejosos de saber como foi e como tudo tinha corrido, lá foi dizendo que o Carlos do Carmo cantou todos os dias e a todas as horas (ela não tinha visto outro), fazendo a admiração dos pais, lá se deitou, imaginou e sonhou com o Jorge Alentejano.
Pela manhã, acabou por contar à sua mãe tudo o que tinha acontecido na Quinta da Atalaia e tim por tim. Aí a “Nai”, qual locomotiva a carvão, trata de arranjar a Maria Imaculada, veste o seu melhor fato e a toque de caixa dirige-se ao Centro de Saúde local onde procurou o seu Médico de Família.
Para explicar o que pretendia, não está com meias medidas e dispara logo à primeira pergunta:
Senhor Doutor, a minha filha foi numa excursão a Lisboa e perdeu os 3 na Festa do Avante.
O Médico, que por sinal é um pouco gago, responde-lhe: “En.en.então qé..qué..quer que vá lá à pró-pró-procura? E, se-se-se não achar, o que- que faço? Éla é que-que sabe onde os per-per-perdeu que-que vá lá.”
Mas, Sr. Dr., veja lá que só sabe que se chama Jorge e que é alentejano. Agora o que é que eu faço?
Gaguejando ainda mais, o médico respondeu-lhe... “que.. que vó..volte lá pró-pró ano, porque ele dé-dé deve lá-lá estar, sa-sa-são sem sempre os me-me-mesmos a ir à fé-festa...”

8.5.08

Praga nos Arbustos


A lagartagem era esquisita, mas não era
do Sporting

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Nos meus primeiros anos de casado vivi no Concelho de Oeiras, ali bem perto do Estádio Nacional.
Adquirimos uma moradia geminada, numa pequena urbanização que tinha à sua frente um quintal que ajardinei, colocando uns arbustos e umas trepadeiras a separar os dos outros vizinhos e no corredor de acesso ao portão e porta de entrada, uma cepas em latada da casta alicante.
Os vizinhos pareciam todos boas pessoas, mas por isto ou aquilo o que é certo é que não fizemos grandes amizades. Estivemos por lá cerca de 3 anos e quando nos deslocámos para ir viver para o norte, não sentimos grandes saudades do abandono. Todavia, era uma povoação simpática, às portas de Lisboa e a poucos Km da linha do Estoril.
A casa ao lado era rigorosamente igual à nossa e era habitada por um casal, ele comandante da armada, ela doméstica, que tinham um casalito de filhos de idades mais ou menos 7 – 12 anos, sendo ela, a mais velha e espigadota.
Aos domingos, no Verão, o Comandante, como não podia passar sem uma ondas alterosas do Oceano Atlântico e não as tinha, metia-se no jardim do quintaleco dentro de uma piscina de plástico que deveria ter sido da criança mais nova, quanto tinha aí uns 2 ou 3 anos, pernas de fora e copo de whisky na mão e ali estava de olhos fechados, horas e horas a desfrutar, imaginando umas apetecíveis férias nas Maldivas ou uma abordagem da sua corveta em alto mar a traficantes de droga.
A vida corria monótona, até que os arbustos começaram a ser comidos por uma praga de bicharada e havia de os socorrer depressa. Dei uma passagem pela loja do agricultor, sito na rua Passos Manuel em Lisboa, falei com o agrónomo de serviço e lá vim munido de um frasco que continha o remédio milagroso para acabar com a referida praga, não sem antes receber a recomendação especial de vestir uma roupa velha, encapuchar, usar óculos especiais e fazer a operação de noite, já bem tarde, aí por voltas das 2 da manhã, de forma a não incomodar ninguém em virtude do produto ser extremamente tóxico e ser a hora em que habitualmente a bicharada vai fazer a ceia, e que teria de fazer duas aplicações para obter bons efeitos.
A menina frequentava a escola C+S ali para os lados de Linda a Velha e apaixonou-se por um colega de turma um ano mais velho, que passou com muita regularidade a visitar a casa da “nena”, especialmente em períodos em que o Comandante por força do serviço não ficava em casa.
Claro que a partir de certa altura a vizinhança já comentava estes encontros chamados desusados para quem tem 13 anos e com a conivência da mãe da pequena.
E o lourinho, tal era a cor do seu cabelo, não obstante ser novinho lá se entretinha até altas horas da noite nos dias das visitas, tendo sempre o cuidado de quando saía, furtar-se a qualquer encontro que denunciasse a sua presença.
Uma noite em fim de semana, andando de gatas debaixo dos arbustos a efectuar a segunda e última operação de pulverização, com o sentido de exterminar definitivamente a bicheza, com toda aquela indumentária já enumerada, surge do portal principal da casa da vizinha o lourinho, com uma gabardina vestida não obstante ser primavera e não estar prevista queda de chuva.
Eu, agachado e quieto. O único barulho que se ouvia era o da pulverização que como depreendem é quase imperceptível, qualquer coisa como fe..fe..fe..., não parei, para que se alguém me visse não ficasse com a ideia de que eu estava ali às escondidas a observar o que se passava no quintal do meu vizinho, portanto quieto, mas pulverizando.
O silencio era total e o jovem ouviu aquele fe..fe..fe.., espreitou por entre os arbustos mesmo no sitio exacto onde eu estava a injectar.
Evidentemente apanhou em cheio com uma pulverização nas ventas, abriu o portão, fugindo a sete pés a espirrar, estando cerca de 15 dias sem voltar.
Fiquei preocupado pela sua falta, admitindo que lhe tinha causado alguma crise de rinete ou brotoeja, afinal apareceu para se despedir da sua causa perdida, já que o Comandante, entretanto, tinha descoberto que afinal o rapaz não ia a sua casa com o sentido de namorar a sua filha, mas sim a mãe (jovem e bonita), pelo que resolveu ficar mais vezes em terra, não fosse às vezes por causas desconhecidas sentir-se enjoado e com alguma dor na cabeça…