29.2.08

DESAFIO

O professor, Doutor Manuel Damas, do Blog “Sexualidades, Afectos e Máscaras” lançou-me um desafio a que vou dar seguimento.
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Gostar


1 - Gosto dos meus filhos, ambos com a enxada de cabo novo para o inicio de vida. E Gosto de lhes dar conselhos, que não aceitam.

2 - Gosto da mulher com quem casei, pois é terna, amorosa e compreensiva.

3 - Gosto de um bom fogo de campo, bem animado quando faço campismo.

4 - Gosto de ter amigos, leais e sinceros. E tenho-os.

5 - Gosto do teatro de revista, da música de Glen Miller. Ambas me animam, divertem-me e dão-me conforto espiritual.

6 - Gosto de viajar e conduzir automóvel, fazendo 1000 Km sem cansaço, parando somente para abastecer. A comida resume-se a um frasco de 1/2 l de iogurte líquido e 2 ou 3 bananas e Gosto do conforto do lar, ver chover e ter a lareira acesa com muita lenha.

Enfim, pertenço à espécie “Vulgar de Lineu”.

Cumprido o desafio, resta-me nomear 6 blogs para lhe dar continuidade.


Moutal
Cassamia
Templo do Giraldo
Medusasss
Lisa’s mau feitio
Caditonuno
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25.2.08

LAVAGEM DE ALCATIFA

O Sebastião Coelho era minhoto. Tinha sido desde pequeno trabalhador na industrial corticeira ali para os lados de Santa Maria da Feira, numa das secções de preparação de colas, onde é usado metil, um diluente altamente tóxico, que causa males irreversíveis à sexualidade, à vista e até ao cérebro. Portanto, quando chegou aos 55 anos aparentava idade mais avançada, sexualidade extinguida e já tinha mudado de lentes uma quantidade de vezes. Os seus óculos eram extremamente pesados, dada a espessura das suas lentes e a sentir necessidade de as substituir com frequência. Foi portanto reformado ainda antes de completar a idade estabelecida por lei para a reforma daqueles que não sofrem de coisa nenhuma, tendo regressado por isso às suas origens.
Como não era ex-director bancário, ex-ministro, ex-secretário de estado, nem ex-de qualquer coisa e a quem dão umas reformas chorudas e indemnizações de vulto, sentiu necessidade de arranjar um qualquer emprego compatível com as suas competências e possibilidades, para angariar mais alguma coisa para o sustento da sua casa.
Procurou e lá conseguiu arranjar um “ganchito” numa empresa de limpezas, como ajudante de lavador de alcatifas.
A coisa não corria mal, o Coelho mais o seu chefe faziam uma boa equipa, executavam os trabalhos com perfeição e a entidade patronal estava contente por contribuir para a resolução de um problema humano, ocasionado pelas reformas de miséria que os portugueses têm, quando extenuados ou incapacitados já nada mais podem dar à sociedade.
Na estrada que liga Braga a Vieira de Minho, um empresário da noite montou um bar na garagem de uma sua vivenda, tendo efectuado alterações no piso superior, enchendo-o de quartos, todos com lavatório e bidé dentro dos roupeiros, de forma a que cada um deles tivesse a sua independência dos wc comuns. Mandou vir do Brasil, por atacado, uma boa dúzia de moças já com a rodagem efectuada, algumas delas já com vários Km em cima da pele, outras com revisões atrasadas e algumas nem sequer tinham efectuado a última inspecção no Centro obrigatório. Chamou-as de alternadeiras e na realidade elas alternavam com os clientes no consumo de bebidas e nas visitas que faziam aos quartos, na prática de prostituição.
Os clientes eram na maioria dos casos gente do campo que usava botas grossas por causa da sua profissão na agricultura. Homens que passavam o dia a trabalhar no duro, cujo suor corre do rosto e que ao fim do dia, sem sequer lavarem a cara, os sovacos e mais alguma coisa, se encobriam dos amigos para não serem conhecidos, escudando-se na luz vermelha da garagem, tornada sala de convívio e bar.
As alternadeiras, com roupa que na maior parte das vezes somente tapava desde a cintura para cima e até um pouco mais abaixo das mamas, lá se entrelaçavam no “gentio” no sentido de o “esmifrar” com o consumo de umas bebidas e umas visitas ao piso superior, para que satisfizessem as suas necessidades sexuais, pagas a peso de ouro. O fumo era mais do que muito, pois toda a gente fumava, aliado ao cheiro das perfumes baratos que elas usavam e daqueles que eles não usam, mais uma vez ou outra com bosta de vaca agarrada ao salto das bota cardadas, já gastas na calçada do sobe e desce de Vieira do Minho, Póvoa de Lanhoso, etc., tornava irrespirável o ar na garagem com porta basculante de ferro e sem janela.
A empresa de limpezas onde o Sebastião Coelho prestava o seu novo trabalho foi contratada para fazer uma lavagem de alcatifas aos quartos do piso superior, tendo havido o cuidado de chamar a atenção do orçamentista para não ser aquele serviço executado por mulheres e que o seu inicio seria a partir das 8,30 até à 16 horas, altura em que o bar abria ao público.
Tudo assente, dia combinado e a empresa no sentido de ter um melhor rendimento em tempo horário, manda l homem que trabalharia com a máquina de lavagem, outro para o aspirador e o Coelho para ajudar a mudar móveis e acarretar água para a máquina rotativa.
Àquela hora da manhã, ver as brasileiras a saírem do quarto, mulheres que se teriam deitado, aí por volta das 4:30, 5 horas, era desolador. Desgrenhadas, ramela ao canto dos olhos, pijamas a faltar botões e barrela, sem terem sítio para se acolher, bocejando pelos cantos, resolviam meter-se na casa de banho, 3/4/5 e assim que os quartos ficavam prontos, voltavam para os seus aposentos de forma a dormirem mais umas horitas.
O trabalho corria sobre rodas e o Coelho ia numa azáfama à casa de banho buscar água com o regador para dar vencimento ao homem da máquina. O que parecia correr bem, também tinha os seus escolhos. A casa de banho estava ocupada, ouvia-se o barulho do duche, obrigando o pobre coitado com os nós dos dedos a bater à porta. Compasso de espera, porta escancarada e pedido de desculpas para encher o regador. As “donas”, enchiam-no entregavam-no e o homem da maquina esvaziava-o imediatamente e pedia mais, mais e mais. Igual a tanta correria a caminho da casa de banho, só o coelho da “duracell”, mas esse como sabem trabalha a pilhas, que este Coelho não tinha.
Era uma cena irreal só apresentada em filmes italianos: as brasileiras abriam a porta completamente nuas, recebiam e enchiam o recipiente, o homem do aspirador e o da maquina, consolavam a vista a ver o espectáculo e o Coelho numa roda viva a levar e a trazer o regador.
Até que, numa pausa momentânea, o colega trabalhador do aspirador, pergunta assim:
Então senhor Coelho, que tal a paisagem? Qual paisagem, se nós estamos aqui e não vimos nada lá para fora? Homem, o material aí nu na casa de banho! Qual material nu? Risada forte e feio. É que o Coelho, coitado, sempre que a porta se abria ficava com os óculos completamente embaciados e não via nada, fazendo maquinalmente todas aquelas operações; todavia, pelo sim pelo não, tirou-os e o resultado foi o mesmo, o “metil” tinha feito os seus estragos.
Desgraçado de quem não vê, mas também tem uma vantagem: coração que não sente.
Era e ainda é um homem puro, por quem tenho admiração e amizade e sempre que o vejo não perco a oportunidade de dar uma boa risada à custa daquela cena.

11.2.08

Préstimos à disposição


Numa das empresas onde trabalhei, e que por sinal até já deu origem a um outro conto já descrito neste blog, passou-se esta cena que poderemos considerar comédia/trágica.
Os Sócios-Gerentes da empresa, casados e com filhos mais ou menos da mesma idade, eram bastante comunicativos com os trabalhadores, ao contrário dos actuais que têm o rei na barriga e não chegam aos calcanhares daqueles.
Os filhos dos Gerentes visitavam as instalações fabris, chegando mesmo a brincar em correrias próprias da sua idade num grande armazém onde estavam guardadas todas as matérias-primas.
O Fiel de Armazém, Maneças de seu nome, rapaz solteiro, senhor do seu nariz, tinha sempre aquelas instalações impecavelmente limpas e as escritas sempre em dia, de forma a não merecer qualquer reparo que consideraria depreciativo na execução das s/ funções, tinha como ajudante um ex-servente da construção, pessoa muito versátil, mas que devia ter qualquer bolha de água na “tola”, de nome Manuel Bolota.
A empresa representava variadas marcas e entre ela a da Sonap (sucessora da Sacor), chegando mesmo a ter para o abastecimento das viaturas uma daquelas bombas manuais, tipo garrafão de vidro de 2x5 litros, que já não se usam e de que já poucos se lembram.
No referido armazém existia daquela marca, bidons de 200 litros com Gasóleo e massas consistentes para a lubrificação das várias máquinas existentes na fábrica.
Um dia, ao passar por lá, deu-me a “pancada” e acrescentei à palavra Sonap que estava escrito num dos bidons, “eida”. Uma das meninas filhas de um dos patrões, aí na casa dos 15/16 anos fez queixa ao papá, que levou por sua vez o caso a reunião de Gerência. Nunca ninguém soube quem tinha sido a inteligência que escreveu aquele horror, mas lá que o Maneças apanhou uma rabecada tremenda, isso apanhou.
O Bolota, para ganhar mais uns tostões, arranjou um “part time” como coveiro no cemitério municipal lá da terra e, como era jeitoso para a execução daquele serviço, foi convidado para ficar definitivamente.
Era conhecido na terra por ter trabalhado na tal empresa como ajudante de fiel de armazém e depois passou a ser conhecidíssimo, porque abria as covas, segurava nas cordas, dava as ordens para as descidas das caixas, as primeiras pazadas, arranjava e limpava as campas e finalmente colocava os arranjos florais. Com tanta dedicação acabava por fazer um ordenadão, tal era a quantidade de “gorjas” que recebia.
E aliado a tudo isto, quando alguém se despedia desta para melhor (?) e que era necessário fazer autópsia, o médico chamava-o, quando preciso, e ordenava “corta aqui e corta ali”.
Ninguém sabe o que teria passado pela “mona” do Bolota, mas estando eu numa tipografia a mandar fazer uns trabalhos daquela especialidade, o dono da mesma mostrou-me um papel onde o Bolota requisitava cartões de visita, indicado-o como Médico–Autopsiador, Coveiro, Representante da Agencia Funerária “O Sono Eterno” e Artista em arranjos de flores para campas (ia ser um cartão digno duma moldura digital). Como o tipografo lhe chamou a atenção, dizendo que não podia fazer os cartões porque ele não era Médico, o homem resolveu imediatamente a questão, substituindo a palavra Médico por Ajudante de Autopsiador.
Por estas explicações podem confirmar quanto o homem era versátil e como se adumava a qualquer situação.
Certo dia, o filho de um dos Gerentes da empresa de onde o Bolota tinha sido transferido, ao tomar banho, ficou intoxicado por ter inalado os gases queimados do esquentador que estava instalado na casa de banho, tendo ido de “charola” com toda a urgência para o hospital.
O Alvoroço foi enorme, a notícia correu célere pela povoação e a preocupação por um desenlace fatal atormentou toda a gente da região.
Pela noitinha e ainda antes da mãe do moço saber qualquer notícia do que se estava a passar no hospital, e portanto com o coração apertado e a sofrer de uma angustia asfixiante, batem à porta, a senhora abre esta e vê o Bolota vestido com a farda do trabalho e com o boné da Câmara Municipal enfiado na cabeça; aflita pergunta-lhe:
Queria alguma coisa?”, obtendo esta resposta: “Minha senhora, venho apresentar os meus préstimos; se necessário estarei às vossas ordens para o que for preciso e a qualquer hora”.
Muito obrigado pela sua atenção. Já agora diga-me quem é o senhor, para eu dizer ao meu marido”. “Sou o coveiro; aqui do cemitério”.
Resultado: a mãe do moço foi com “chelique” para o Centro de Saúde local. O rapaz salvou-se e o Bolota, como o ex-patrão e pai do intoxicado era também vereador na Câmara, recebeu um bilhete de comboio para ir à sua terra apanhar bolota, mas sem direito a retorno.
Nesta terra, não se pode ser prestável, nem naquele tempo havia processos disciplinares.