20.2.11

Tempos que não voltam



Os tempos mudam, umas vezes para pior e outras não são para melhor. Nem tudo é assim tão mau, dizem alguns, outros em que me sinto incluído temos saudades da pasmaceira e da tranquilidade dos tempos de antigamente.
A mão Júlia que tinha nascido em 1904, quando tinha sete anitos, percorria vários kms de madrugada com um cabazito na mão a transportar queijinhos frescos numa venda de porta a porta.
Que lhe aconteceu? Absolutamente nada. Nada de nada, tal era a tranquilidade de poder circular livremente, em que havendo grandes distancias entre as povoações, toda a gente se conhecia.
Em mil novecentos e cinquenta e três, cá o rapaz, bem situado numa empresa e onde ocorreram alguns dos meus contos deste blogue, consegue o primeiro emprego para o seu grande amigo Albano, que tinha dezasseis anos e já conhecido do meu conto “O Celular de 23/11/07), como apontador nas obras que deram origem ao Bairro de Alvalade na capital portuguesa.
A sede da empresa situava-se na margem sul, em plena Baia do Seixal e por necessidade da profissão era obrigado a deslocar-se duas vezes por semana aos seus escritórios. Uma para levar as folhas de ponto que dariam origem à folha de salários e outro para levar o dinheiro para pagamento os trabalhadores, pagos à semana; “cartos” metidos em envelopes devidamente identificados com números e nomes dos trabalhadores, fechados a cadeado numa mala de cartão azul, modelo «Linda de Susy», feita pelo amigo Cabral (do meu conto Amigos destes já não há de 17/02 /10) que nós enchemos de rótulos de Hotéis (recordo que até tínhamos rótulos de Hotéis de Casa Blanca), para dar mais brilho e importância à figura de quem a transportava.
Como o ultimo horário de transportes públicos, que poderia levar o Albano de regresso a casa, era às 21 horas e na maior parte das vezes todas aquelas operações demoravam até noite bem dentro, aquele tinha de fazer o percurso a pé, levando dentro da mala os salários de uma semana de centenas de trabalhadores.
Que aconteceu ao Albano,? Nada, absolutamente nada, percorria a pé de noite cerca de 10 Km com uma mala na mão cheia de dinheiro, pela manhã apanhava a camioneta (era assim que era chamada) para Cacilhas, barco, e autocarro da carris até ao Pote de Água.
Certa vez, quando à sexta-feira apareceu para levantar a mala, alertei-o para o peso da mesma, dado que não havendo notas, a maioria dos envelopes estavam carregados com moedas de dez escudos.
Sempre a brincar comigo, lá partiu com aquele exagerado peso, fazendo o percurso de todas as semanas. Quando finalmente chegou à obra no outro dia ao abrir a mala, deparou-se-lhe três pedregulhos enormes que serviam na empresa para calçar os “camions”, que ficavam estacionados numa descida íngreme.
Acabávamos sempre por ficar bem dispostos , tratando de preparar uma nova partida como vingança da maroteira em que um tinha acabado de cair.
Todas as quartas-feiras, eu fazia-lhe uma visita para acompanhar o facturado dos fornecedores, era uma das minhas funções e aí inventávamos partidas para fazer a outros, mesmo que fossem desconhecidos.
Havia uma estação de rádio em Lisboa, que tinha um concurso publicitário e quando telefonavam para um número ao acaso, se a pessoa que atendesse o telefone dissesse primeiro uma determinada frase publicitária, ganhava prémios.
Entretinha-mo-nos a ligar ao acaso, e a lamentar a perda dos prémios, pois não tinham dito a frase. Perguntavam-nos quando era transmitida aquela conversa, ficam no ar, convidavam amigas e na hora aprazada voltávamos a ligar para rir e gozar à sua custa. Chegamos mesmo a marcar um encontro junto à Tendinha (taberna famosa) no Rossio para um programa em directo daquele local, obrigando por isso uma “Nena” a deslocar-se à porta da Casa da Sorte. Coitada… ia ver se lhe saía a Sorte Grande.

Que nos aconteceu a nós, além de umas dores de barriga ocasionada pelo riso? Nada, absolutamente nada.
E agora em 2010. Era possível fazer isto? Só um doido o faria e quem seriam os pais que deixavam andar a sua menina tão pequena de madrugada sozinho na rua.
Que tempos, amigos que tempos

6.2.11

O Falecido/Morto/Defunto


Apreso-me a contar mais esta história da vida real que me aconteceu vai para um mês .
Já por aqui disse que tenho um grupo de 12/15 amigos do coração, daqueles dos tempos dos 17 anos e que vida fora jamais nos separou, jamais nos esquecemos uns dos outros e a que baptizamos com o nome de “Os Lacinhos”. Com a idade que tenho e posicionar-me naquela época, encontro azinhagas que hoje são estradas, ruas de areia solta onde passavam burros e carroças e hoje ruas alcatroadas com movimento automóvel, não havia televisão e até os simples rádios existiam somente nas tabernas a que se ia dando o nome pomposo de café.
Essas amizades estão de tal forma enraizadas que pelo menos duas vezes ano nos encontramos para umas almoçaradas e fazer lembrança das partidas e dos momentos extraordinários que passamos.
Mas há coisas que a grande amizade não pode parar e o tempo nunca volta para trás. Estamos cada vez mais velhos e alguns já partiram para todo o sempre. O Grupo vai ficando cada vez mais reduzido e compreendo bem a preocupação quando oiço entre nós, alguém dizer; quem vai ser o próximo.
Estava no meu refúgio algarvio a fazer uma feriazitas bem tranquilas (dado que felizmente também tenho visitantes, nossos irmãos, no outro lado do Atlântico, sou obrigado a esclarecer que o Algarve é uma província do sul de Portugal, distanciada da capital portuguesa 300 km, e que “Fuzeta” é uma povoação Algarvia ) , quando numa sexta-feira, por telefone, um desses amigos que reside na «Fuzeta» (vejam lá para onde foi o “Marafado”), me dá a notícia de que tinha falecido o Gabriel. Senti aquele falecimento como que atingido por uma pedrada na cabeça. Comentamos o facto, fiquei ao corrente de que todos os amigos já tinham sido avisados e combinei regressar a Lisboa no dia imediato, já que, segundo ele o funeral realizava-se pelas 16 horas daquele dia. Quis vir comigo, compramos um lindíssimo ramo de flores com fita gravada, que seria pago por todos os do Grupo e saltamos ao caminho a «mata cavalos» até Seixal, que fica frente à Capital portuguesa na margem esquerda do Tejo e onde residia o falecido. Durante o percurso quase não falamos dado a tristeza que nos invadia.
Chegamos e chorávamos que nem umas "Madalenas", ficando atrapalhados a pensar que o funeral já se tinha realizado, pois não vimos ninguém para o efeito. Olhamos para a janela do primeiro andar onde tinha vivido o Gabriel e vimos o "defunto/morto/falecido" debruçado muito espantado a olhar para nós, com caro de caso, já que nos via a chorar e com cara de gatos- pingados. Até as flores começaram a murchar com o sal das lágrimas que deitávamos. O "falecido/morto/defunto", veio com o seu próprio pé perguntar o que é que se passava e ficamos os três a olhar uns para outros, tendo o Manuel Mário, o chorão que veio comigo, olhado para mim, dizendo assim. É pá, nós tivemos algum acidente de automóvel quando vínhamos agora do Algarve? É que, se calhar nós também estamos mortos, isto aqui é o céu e estamos a fazer figura de parvos mesmo antes de ser recebidos pelo S. Pedro. O Gabriel pergunta? Mas afinal que é que já não calça mais, botas novas? Eu nem queria acreditar. Pois não é que ali bem perto, mas noutra rua, morreu um fulano de nome Gabriel e quando telefonaram ao M. Mário ele fez confusão e pensou que era o nosso amigo. Eu, por minha vez, também fiz um telefonema a um outro do grupo que me informou pesaroso que não podia estar presente porque ia a um outro funeral. O filho de um seu amigo ia casar…