29.12.08

A Cinza da Lareira


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Quem tem lareira, sabe quanto custa limpá-la e quanto custa limpar os móveis à sua volta.
O Zé era felizardo, possuía lareira encastrada (a chamada cassete) e tinha um depósito próprio para através do aspirador fazer uma limpeza eficaz, eficiente e sem dificuldades para evitar o pó a que atrás me referi.
Esta cena trágica/cómica passou-se no inverno de 2006, quando vivia numa pequena povoação do Concelho de Palmela. Peço a Deus que os olhos do outro protagonista não leiam estas linhas.
Ainda hoje, noutra casa, mas com o mesmo tipo de lareira, faço a sua limpeza somente uma vez por semana.
Quando o tal deposito está cheio, e isso só acontece ao fim de 3 ou 4 semanas, a cinza, coisa finíssima, é metida num saco de plástico enorme, repetindo a mesma operação por mais 2 ou 3 vezes. Quero dizer que o saco de plástico acaba por ter cinza acumulada de 3 meses, que diga-se já é bem pesado e de quantidade considerável.
Portanto é necessário desfazer-me dela.
Vez a vez a quantidade é pequena e vai para o contentor do lixo doméstico. Agora com um exagero destes já é mais complicado desfazer-nos daquele incómodo.
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Frente à minha casa havia a falta de um prédio, vendo-se por isso na rua do outro lado dois contentores de lixo doméstico que a serviam.
Não obstante a minha rua possuir seis daqueles contentores, achei, por questão de comodidade e a fugir a olhos indiscretos na distância ir despejá-lo, num dos outros que me referi e estavam na rua do outro lado. Com dificuldade fiz o trajecto e quando cheguei ao dito, reuni todas as forças que tinha, levantei o saco e ao tentar deitá-lo lá para dentro, este rompe-se e vaza de uma só vez a cinza de quatro meses.
Fiquei aliviado e prometi a mim mesmo nunca mais deixar atrasar tanto tempo.
O camião que fazia a recolha do lixo passava normalmente por volta das 10 horas da manhã. Nesse dia já tinha passado e portanto a recolha ficaria para o dia seguinte.
Fiz a minha previsão do pó que se levantaria aquando daquela operação e nisso, caros amigos, não falhei. No outro dia e à hora aprazada, quando senti que o momento se aproximava, vim para o jardim fazer de conta que apanhava hortelã ou um raminho de salsa.
O trabalhador/cantoneiro engata o contentor na parte mecânica da camioneta, aquele faz o pino e fica vazio, mas a poeira era tanta, tanta, que o desgraçado ficou completamente coberto daquele pó. O homem protestou, chamou nomes ao diabo e à sua sorte, mas como sabemos a vida continua e o trabalho tinha de prosseguir.
Ao passar pela minha porta e enquanto procedia a outra manobra de esvaziamento, disse-lhe assim:
Meu amigo, você está bem caçado, até as suas sobrancelhas e pestanas têm pó. Como arranjou isso?
Levei de rajada esta enorme quantidade de impropérios. “Estes filhos da puta, cabrões, paneleiros, fascistas, não têm mais nada que fazer do que atirar para os contentores do lixo, as cinzas das suas lareiras”.
Estava perdido de riso e ainda tive coragem para comentar. “Realmente isto não se faz, se fosse comigo nem sei o que faria”…
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Entrem com o pé direito, em 2009 que a coisa está preta…

15.12.08

PERU NO NATAL


No primeiro Natal que passei no Norte, tinham os meus dois filhos três e quatro anos.
Idade maravilhosa e as suas gracinhas fazem parte das nossas alegrias.
Os meus sogros, cheios de saudades dos netos, arrancaram à papo-seco por aí acima no comboio rápido e fizeram-nos a companhia.
A casa passou a estar mais cheia e o movimento passou a ser outro.
A “Dona” chegou do trabalho, trazendo como oferta um peru enorme. Aquilo não eram patas, eram uma garras afiadas, que se dessem no peito de um indígena rasgava-o até ao coração.
Foi um alvoroço. Quem mata, quem não mata, todos se faziam fortes, mas com um receio enorme de pegar no animal de tão grande porte. Até que surge a conversa. É preciso primeiramente embebedar o peru. Embebedar, pergunto eu. Mas com quê? Vinho tinto, champanhe ou verde? Não, diz o meu sogro. Os perus embebedam-se com aguardente.
Mas o único álcool que cá temos é uma garrafa de whisky! “Pois bem: vai com Whisky”.
Primeiro foram-lhe amarradas as patas, meu sogro abriu-lhe o bico meteu-lhe um funil goela abaixo e eu tratei de vazar a garrafa. Vazei, vazei, ficando somente um restinho para amostra.
Desamarramos o peru, deixámo-lo à vontade, o animal levanta-se e foge de nós, pára, mira-nos e começa a cambalear. Pata para a direita, pata para a esquerda, o seu corpo bambeia para todos os lados e cai no chão espumando da boca.
Entrou em coma, fiquei atrapalhado, pois nunca me tinha visto em assados daquele quilate.
Minha mulher com um facalhão enorme aproxima-se, corta-lhe a cabeça, seguindo-se depois a água quente para tirar as penas e a autópsia, até ficar só em cotos.
Todos adivinhávamos um opíparo almoço no dia de Natal.
Quando da cozedura, vinha da panela um cheiro esquisito, que se acentuou quando na mesa o queríamos comer. O Whisky fez os seus efeitos para embebedar o bicho, mas em contrapartida possivelmente pelo exagero ou abuso na quantidade, estava a sua carne intragável.
Pois mesmo com este azar, fruto da falta de conhecimento para executar uma tarefa que outros com a maior simplicidade o fazem, não foi perdido o espirito natalício, sendo a tradição quebrada com uns bifes e batatas fritas de pacote.
Uns anos antes, numa festa de fim de ano, onde várias famílias se reuniram para festejar aquela data, os perus servidos tinham sido alimentados a farinha de peixe e a canja de peru sabia a chicharro, carapaus., sardinhas e atum. Admira-me não ter sido aproveitado para constar em qualquer livro de culinária.
Foi um Natal e fim de ano inolvidável, coisa para nunca mais esquecer.
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Do mal o menos, desejo a todos as amigas/os um Natal feliz, com muitos “carcanhóis” e um fim de ano a entrar com o pé direito, neste mundo torto em que vivemos.
Pela minha parte, com a crise que está estou a sentir-me empenado.

2.12.08

LUA-DE-MEL NA MADEIRA


1978, Avenida 5 de Outubro – Lisboa. O Zé encontrava-se no escritório de advogado seu amigo. Este esperava a visita de uma filha de um seu conhecido, que lhe tinha telefonado informando que pretendia falar-lhe e que tinha casado há 15/20 dias.
A moça, assim que entra e depois de me cumprimentar e ao advogado, inicia a conversa com o causídico, tendo eu feito menção de me retirar, ao que ela se opôs.
Talvez pensasse que eu também era advogado, não percebi, mas, sinceramente, adorei a história.
Senta-se e começa a falar do namoro com o Miguel, rapaz que o advogado também conhecia, não sei se por namorar a filha do amigo, se de outra maneira qualquer.
Quatro anos de namoro, rapaz sossegado, até de mais, dizia ela, católico confesso e frequentador da igreja. Foi sempre, segundo disse a recente casada, muito respeitador, merecendo por isso a confiança dos seus pais, que se sentiam felizes por a filha ter arranjado tal peça, aliada a bom partido, dado que a sua família tinha bens ao luar.
Até ao dia do casamento, que se realizou na Igreja de S. João de Deus, ali na Praça de Londres, com o copo-de-água servido na Pastelaria S. João, na Avenida Paris, que na época, era a flor desta Lisboa que adoro.
A noiva desenrolava toda esta conversação com notório nervosismo e eu cada vez percebia menos. Por quê contar, com todos os pormenores, o casório? Tinha convidado o advogado para assistir e evitava toda esta “fanfarronice”.
A lua-de-mel, oferta dos pais do noivo, seria na ilha da Madeira, com viagem no barco “Funchal”, aproveitando um cruzeiro que aquele navio fazia às Canárias e à Pérola do Atlântico. Aqui, pedi licença e perguntei por que não faziam o cruzeiro completo, visto ser muito mais barato do que ficar na Madeira, em hotel.
Explicou a noiva que oferta dos pais do noivo não se discutia e que o regresso seria em avião, também à sua conta.
Pela manhã do dia imediato, praticamente toda a comitiva que tinha estado no casamento foi ao cais da Rocha Conde de Óbidos despedir-se dos noivos, acenando com lenços, a fazer lembrar os tempos próximos passados quando partiam para as colónias os soldados portugueses em defesa de não sei o quê.
Na noite do casamento o noivo sentiu-se mal-disposto, razão por que não fez a investida à sua amada e, durante a viagem, ou porque viu alforrecas ou enjoasse, a mulher chegou à Madeira virgem como tinha partido.
O barco chegou pela manhã, disseram adeus ao cruzeiro e partiram para o hotel, iniciando logo visita a Câmara de Lobos, Machico e Curral das Freiras para aproveitarem ao máximo a estadia, visto que nem um nem outro alguma vez lá tinham posto os pés.
O advogado olhava para mim, como a querer dizer-me “mas que seca, o que é que eu tenho a ver com isto?”, e eu, sinceramente, estava cada vez mais interessado em saber como acabaria a história e em que altura ela acabava por ser desflorada. Fazia-me confusão toda aquela conversa e estava desejoso de ver o fundo da panela.
Então, chama ela a atenção, “agora é que vai ser o melhor”.
Quem já assistiu ao “Amor de Perdição”, do Manoel de Oliveira, está disposto a tudo e portanto, qual raposa em pleno mato, arrebitei os orelhinhas de forma a não perder pitada do que se seguia.
Desejava não ver goradas as minhas expectativas.
Alegando cansaço (continuava ela), foi-se mais uma noite em branco e, pela manhã, alvitrou, ir eu ao salão tomar o pequeno-almoço, pedindo o seu servido no quarto.
Que tola ingenuidade a minha, como aceitei uma coisa daquelas! Comi tranquilamente, olhei o mar imenso e, quando acabei, estava disposta a quando chegasse ao quarto ter uma conversa muito séria com o meu querido. Juro que gostava muito dele.
Meto a chave na porta, abro e os meus olhos que a terra há-de comer, dão de caras com esta cena incrível. O Miguel estava todo nu, em posição de apanha-cavacas como se estivesse procurando qualquer coisa no chão. O empregado que lhe levou o pequeno-almoço, de colete às riscas com duas fivelas atrás, tinha as calças caídas sobre os sapatos, encostando as suas partes intimas, ao rabinho do Miguel, que estava a dar a dar. Aí o Zé não resiste e dá continuidade à cantiga “pio, pio, pio passarinhos a cantar”. O advogado dá uma valente gargalhada. Ela, com lágrimas nos olhos, não tinha vontade de rir.
Deixou as malas e arrancou para Lisboa, procurando o doutor, não para lhe tratar do divórcio, mas para o anular, dado não querer ser divorciada, mas solteira.
Foi um acto demorado, porque o rapaz aceitava divorciar-se, mas não queria a anulação. Correu muita tinta, variadas sessões à porta fechada, até que, finalmente, houve uma autorização da Santa Sé.
Para o que estava guardada aquela moça, coitada. Sonhava, como a maioria das demais, ter filhos e criar netos…
Se fosse agora, com a presumível legalização dos casamentos entre o mesmo sexo, ele também quereria ficar solteiro, sendo a diferença entre ambos é que ele já não era virgem, portanto já não lhe ficava bem ir com véu, grinalda e flor de laranjeira.