Talvez aí por volta de 1960/61, conheci, na empresa onde trabalhava, um agente de uma empresa de recauchutagem de pneus da Marinha Grande.
Orlando de seu nome, homem trabalhador, muito activo, que tinha gosto pelo trabalho que fazia.
Pessoa de trato fácil, simpática e, portanto, não lhe era difícil granjear amigos.
Não demorou muito tempo que, na minha empresa, os amigos se tivessem multiplicado e daí, certo dia, fez um convite a seis (entre eles, eu) para ir à sua terra, à matança de um porco.
Claro que não é coisa que se veja todos os dias e eu fiquei entusiasmado pelo passeio, pela camaradagem e pela visita a um lugar que não conhecia e que nem sequer alguma vez tinha ouvido falar, assim como a matança, coisa a que nunca tinha assistido.
Um sábado foi o dia escolhido e aos seis, mais o Orlando, juntou-se um seu amigo, que não conhecíamos.
Antes do início da viagem houve a apresentação da nova cara e, quando nos preparávamos para entrar na carrinha, constatámos que no seu interior não existiam bancos para nos sentarmos.
Foi uma surpresa grande, mas a juventude tudo supera e cinco de nós, com o convidado especial incluído, lá entrámos e sentamo-nos no chão do furgão, tendo o Orlando como motorista e o Óscar como seu acompanhante.
Metemo-nos ao caminho, não havia auto-estradas e as nacionais e municipais tinham mais buracos do que uma rede de pesca.
Já estão a ver uma viagem cómoda, confortável, rápida e ainda com agravante da viatura não ter janelas, portanto, tudo às escuras.
O Jonas, mais velho do que eu e que já é vosso conhecido do conto “El Rocio”, fazia parte do grupo e sentou-se ao meu lado, no início da viagem.
Com o andamento, curvas e contracurvas, rolávamos contra as paredes do furgão, sendo um desassossego permanente e sem saber por onde passávamos.
Lá chegámos, inteiros mas bem machucados e sem vontade de fazer retorno em tão incómodo transporte.
Depois, seguiram-se as apresentações à família do Orlando, umas festinhas no lombo do porco e assistir ao ritual da matança.
Recordo que até os animais de capoeira estavam em alvoroço com o barulho e a azáfama de todos a querem fazer parte daquele acto que, na altura, considerei bárbaro e que só tinha visto nos livros do Asterix, quando este apanhava um javali.
Os guinchos do animal tiraram-me a vontade de, mais tarde e aquando a refeição, trincar a sua carne, que estava estupenda, segundo a versão de todos os presentes.
Visitámos a nascente do Alviela, um dos rios que abastece Lisboa, e entretivemo-nos fazendo maroteiras uns aos outros.
Antes de regressarmos, fomos a uma pastelaria onde comprámos uns bolos especialidade da terra, já não recordo se pastéis de feijão, mas pelo menos eram muito parecidos.
O amigo do Orlando comprou quatro dúzias em embrulhos separados de duas cada e disse-nos que um era para a namorada e outro para levar para casa.
Pela noite, alguns, já com o grão na asa, iniciámos o regresso que, para não variar, foi igual à ida, exceptuando que, em dada altura, o Jonas encontrou duas almofadas que andavam, tal como nós, ora para cá ora para lá aos trambolhões e não esteve com meias medidas. Pega numa delas, mete-a debaixo do assento e dá-me a outra para fazer o mesmo. Do mal, o menos, sempre aliviava o rabo daquele pavimento de ferro, às ondas, de que todos se queixavam.
E lá viemos até Lisboa, rindo, contando anedotas, às escuras.
Todos vinham para a outra banda, ou seja para a margem esquerda do Tejo, exceptuando o amigo do Orlando, cujo nome já se me foi há muito, tendo-se apeado ali para os lados do Areeiro.
O carro parou. O Óscar, felizardo, que acompanhava o condutor, veio abrir a porta atrás, coisa que nós não podíamos fazer por dentro, e o dono dos dois embrulhos com os bolos tratou de os procurar.
Como não os encontrou, perguntou onde estavam, sendo entregues pelo Jonas e por mim, as almofadas que nos tinham feito um jeitão, toda a viagem.
Evidentemente que o que tinha sido bolos há umas horas, estavam transformados numa massa informe, com o feitio de umas badanas de cu, e a sair de um deles, pelos cantos, bocados de bolo que se me pegaram às calças.
O moço não podia pegar pelos cordéis que atavam os embrulhos, porque aquilo se desfazia e caía tudo no chão. Olha para dentro da carrinha e diz assim. “Isto é que está um trabalho bonito! O que é que eu faço agora a isto?” Realmente, aquilo parecia mais duas boinas bascas do que um pacote com bolos; só lhe faltavam as piroletas em cima.
O Jonas, com a maior descontracção do mundo responde assim. “Na hora de repartir os bolos, sempre chega mais um para comer. Assim, este inconveniente até te traz vantagens. Cortas à faca, dá para todos e fazes do tamanho que desejares. Como vês, aqui há solução para tudo”.
Sem dizer mais nenhuma palavra, o rapaz aproxima-se da cabina do condutor e dá este recado:
“Orlando, tu nunca mais me convides para dar passeios com cabrões e filhos da puta iguais a estes”!
Os embrulhos teriam andado num reboliço para cá e para lá e às escuras ainda alguém era capaz de os comer. Sentando-nos em cima, seria a maneira de escaparem a uma “degustacion” forçada. Mantivemos toda a viagem os embrulhos com os bolos debaixo d’olho defendendo-os sem unhas e sem dentes e afinal foi mal agradecido. Deus ensinou-nos a saber perdoar a quem nos ofende e foi isso que fizemos. Regressamos com a consciência tranquila, por ter prestado um acto de louvar…
Orlando de seu nome, homem trabalhador, muito activo, que tinha gosto pelo trabalho que fazia.
Pessoa de trato fácil, simpática e, portanto, não lhe era difícil granjear amigos.
Não demorou muito tempo que, na minha empresa, os amigos se tivessem multiplicado e daí, certo dia, fez um convite a seis (entre eles, eu) para ir à sua terra, à matança de um porco.
Claro que não é coisa que se veja todos os dias e eu fiquei entusiasmado pelo passeio, pela camaradagem e pela visita a um lugar que não conhecia e que nem sequer alguma vez tinha ouvido falar, assim como a matança, coisa a que nunca tinha assistido.
Um sábado foi o dia escolhido e aos seis, mais o Orlando, juntou-se um seu amigo, que não conhecíamos.
Antes do início da viagem houve a apresentação da nova cara e, quando nos preparávamos para entrar na carrinha, constatámos que no seu interior não existiam bancos para nos sentarmos.
Foi uma surpresa grande, mas a juventude tudo supera e cinco de nós, com o convidado especial incluído, lá entrámos e sentamo-nos no chão do furgão, tendo o Orlando como motorista e o Óscar como seu acompanhante.
Metemo-nos ao caminho, não havia auto-estradas e as nacionais e municipais tinham mais buracos do que uma rede de pesca.
Já estão a ver uma viagem cómoda, confortável, rápida e ainda com agravante da viatura não ter janelas, portanto, tudo às escuras.
O Jonas, mais velho do que eu e que já é vosso conhecido do conto “El Rocio”, fazia parte do grupo e sentou-se ao meu lado, no início da viagem.
Com o andamento, curvas e contracurvas, rolávamos contra as paredes do furgão, sendo um desassossego permanente e sem saber por onde passávamos.
Lá chegámos, inteiros mas bem machucados e sem vontade de fazer retorno em tão incómodo transporte.
Depois, seguiram-se as apresentações à família do Orlando, umas festinhas no lombo do porco e assistir ao ritual da matança.
Recordo que até os animais de capoeira estavam em alvoroço com o barulho e a azáfama de todos a querem fazer parte daquele acto que, na altura, considerei bárbaro e que só tinha visto nos livros do Asterix, quando este apanhava um javali.
Os guinchos do animal tiraram-me a vontade de, mais tarde e aquando a refeição, trincar a sua carne, que estava estupenda, segundo a versão de todos os presentes.
Visitámos a nascente do Alviela, um dos rios que abastece Lisboa, e entretivemo-nos fazendo maroteiras uns aos outros.
Antes de regressarmos, fomos a uma pastelaria onde comprámos uns bolos especialidade da terra, já não recordo se pastéis de feijão, mas pelo menos eram muito parecidos.
O amigo do Orlando comprou quatro dúzias em embrulhos separados de duas cada e disse-nos que um era para a namorada e outro para levar para casa.
Pela noite, alguns, já com o grão na asa, iniciámos o regresso que, para não variar, foi igual à ida, exceptuando que, em dada altura, o Jonas encontrou duas almofadas que andavam, tal como nós, ora para cá ora para lá aos trambolhões e não esteve com meias medidas. Pega numa delas, mete-a debaixo do assento e dá-me a outra para fazer o mesmo. Do mal, o menos, sempre aliviava o rabo daquele pavimento de ferro, às ondas, de que todos se queixavam.
E lá viemos até Lisboa, rindo, contando anedotas, às escuras.
Todos vinham para a outra banda, ou seja para a margem esquerda do Tejo, exceptuando o amigo do Orlando, cujo nome já se me foi há muito, tendo-se apeado ali para os lados do Areeiro.
O carro parou. O Óscar, felizardo, que acompanhava o condutor, veio abrir a porta atrás, coisa que nós não podíamos fazer por dentro, e o dono dos dois embrulhos com os bolos tratou de os procurar.
Como não os encontrou, perguntou onde estavam, sendo entregues pelo Jonas e por mim, as almofadas que nos tinham feito um jeitão, toda a viagem.
Evidentemente que o que tinha sido bolos há umas horas, estavam transformados numa massa informe, com o feitio de umas badanas de cu, e a sair de um deles, pelos cantos, bocados de bolo que se me pegaram às calças.
O moço não podia pegar pelos cordéis que atavam os embrulhos, porque aquilo se desfazia e caía tudo no chão. Olha para dentro da carrinha e diz assim. “Isto é que está um trabalho bonito! O que é que eu faço agora a isto?” Realmente, aquilo parecia mais duas boinas bascas do que um pacote com bolos; só lhe faltavam as piroletas em cima.
O Jonas, com a maior descontracção do mundo responde assim. “Na hora de repartir os bolos, sempre chega mais um para comer. Assim, este inconveniente até te traz vantagens. Cortas à faca, dá para todos e fazes do tamanho que desejares. Como vês, aqui há solução para tudo”.
Sem dizer mais nenhuma palavra, o rapaz aproxima-se da cabina do condutor e dá este recado:
“Orlando, tu nunca mais me convides para dar passeios com cabrões e filhos da puta iguais a estes”!
Os embrulhos teriam andado num reboliço para cá e para lá e às escuras ainda alguém era capaz de os comer. Sentando-nos em cima, seria a maneira de escaparem a uma “degustacion” forçada. Mantivemos toda a viagem os embrulhos com os bolos debaixo d’olho defendendo-os sem unhas e sem dentes e afinal foi mal agradecido. Deus ensinou-nos a saber perdoar a quem nos ofende e foi isso que fizemos. Regressamos com a consciência tranquila, por ter prestado um acto de louvar…