20.6.12




Tinha emprego numa grande empresa da margem sul do Tejo. Por sorte ou qualidade. tinha um lugar de destaque e trabalhava a miúdo directamente com os 3 sócios da empresa. Era estimado e considerado e estimava e considerava aqueles três empreendedores, que, do nada constituíram uma das melhores e conceituadas empresas do género no País.
Um dos sócios era simpatizante do Benfica, clube que a mim não me dizia nem diz nada, e pelo qual confesso não tenho a mínima simpatia, mas em contrapartida era-mos ambos sócios do clube da terra e ele variadíssimas vezes seu presidente. E foi com ele como presidente que eu enverguei a camisola vermelha e azul às riscas ao alto na categoria de junior. Foi com o seu esforço e entusiasmo que chegou a estar 2 anos na Divisão principal do futebol português. Ainda hoje e após o seu falecimento, seu filho entrega à direcção do Clube,5.000€  como contribuição, pelo muito que o seu progenitor queria àquela colectividade.
Na época de 1961/62 o Benfica jogava a final da Taça Europeia em Amesterdão com o Real Madrid. A euforia em Portugal foi enorme. o Real Madrid era um potentado no futebol mundial, mas os Benfiquistas estavam entusiasmados e com a esperança enorme de voltar a fazer historia. O meu patrão possuía um carro americano "Rabo de Peixe" azul, um luxo para a época e quando no último jogo em que, se o Benfica vencesse, jogaria a final, fez em casa a promessa de que se saísse vencedor naquela noite, iríamos todos à Holanda ver a final. Só que o todos, seriam, ele, a mulher e o casal, visita que estava em casa. Deus fez-lhe a vontade. O Diabo fez-lhe a partida. As visitas eram um casal amigo e seu visinho, que não obstante ser pessoa conceituada, eera chata como as pulgas e portanto não era companhia fixe.
Mas a promessa estava feita e havia que cumprir com o prometido. O carrão era grande e com 6 dias de antecedência os chamados "doidinhos da bola" meteram-se ao caminho com a fé inabalável de virem felizes e contentes com a victória dos "vermelhões".
O patrão de nome Augusto e a visita de nome Óscar, tiveram o primeiro desacordo logo na partida, pela ocupação dos lugares, dado o Óscar querer ir ao lado do condutor, colocando no banco de trás juntamente com as mulheres o dono do carro. As coisas lá se acomodaram e o Óscar teve de aceitar o lugar no banco de trás ou ficava em terra as ver as fragatas que transportavam as ramas destinadas às padarias de Lisboa.
O Augusto tinha catarro crónico e sentia necessidade de cuspir várias vezes. (Seria por isso que o Óscar proferia o lugar da frente?)...  e partiram, ficando-lhes Portugal pelas costas. Guarda, Salamanca, S. Sebastian e a primeira noite em Hotel cujas estrelas o Augusto estava habituado. Dali a França era um pulinho, e este País estava já dotado de belíssimas auto-estradas. O óscar gastou na pernoite umas massas com que não contava, e por isso queria forçar a viagem pelas estradas secundárias, por ser mais bonito dizia ele.  O Augusto argumentou que chegariam à Holanda já depois do desafio realizado e mais uma vez o Óscar deve de se conformar. E, partiram à desfilada por pavimentos por onde nunca tinham navegado.
Naquele tempo as viaturas ainda não tinham ar condicionado e portanto havia  necessidade de abrirem as janelas para ventilar, contribuindo no desalinho das "ganfurinas". Aquele catarro que irritava a garganta do Augusto, várias vezes já tinha sido inconveniente, mas desta vez bateu todos os recordes... Uma cuspidela bem cheia, com mistura de "ostra" sai da boca do mandão da viagem, destinada à berma, mas a deslocação do ar provocada pelo  movimento da viatura, empurra-a e entra pela janela da porta de trás e alojasse nos vidros dos óculos do Óscar e parte corre para o seu cabelo. Que horror, que nojo, diz o pendura,  tendo a mulher do Augusto recomendado o marido para ter cuidado. (Por alguma razão, e a fazer jus ao seu nome "Prudência" ela seguia no banco de trás, mas junto à porta contrária, portanto a salvo daquelas agressões salivares).
Umas largas horas mais tarde, fazem a entrada triunfal em Paris, com o cabelo do Óscar bem fixado ao couro cabeludo, fruto daquele forte "spraytada" de muco nasal.
Em Paris o ar estava fresco e os dinheiros do Óscar também se puseram ao fresco, abandonando aquela pobre alma  a um racionamento forçado, pois os cartões e crédito e os multibanco ainda não tinham chegado ao nosso planeta.
Cada dia mais se agudizaram os problemas e para pouparem tiveram mesmo de fazer já na Holanda pic-nic à beira de estrada sentados em paus dos telefones que estavam deitados no chão. Para levantar os ânimos o Benfica ganhou por 5-3.
Compraram como recordação 3 queijos holandeses, todos da mesma marca, todos do mesmo peso, tendo o Óscar escrito bem visível o seu nome, não fosse haver algum azar e não saber depois qual seria o seu. Tratou mesmo de o colocar a um cantinho da mala do carro para seu maior sossego. Fizeram a viagem mais rápida do que na ida, dormiram uma só noite pelo caminho. Tiraram malas, colocaram malas e quando finalmente chegaram da aventura, tão falada, memoriada e exaltada pela fé clubista, o Óscar procurou o seu queijinho tão cuidadosamente guardado a um canto da mala do "Rabo e Peixe", aquele não cheirava a carapau, mas estava tão amachucado, tão mal tratado, tão espalmado (pudera com todas as malas em cima), que duvidou que fosse o seu. Não havia duvidas o seu "flamengo" embrulhado no papel onde ele tinha posto o seu nome, mais parecia uma boina basca, só lhe faltando a piruleta.
Escusado será  dizer que o condutor desta viagem foi o Zé, a quem o seu patrão só não pagou os dias, porque tinha metido férias.