30.10.10

SORTE AO JOGO


Sorte nos amores, pouca sorte no jogo. Este é um provérbio que nem sempre bate certo.
Cá o Zé, na sua juventude, apanhou resmas de "tampas" e muitos "borrachos", não daqueles que nos amachucam o "toutiço", mas daqueles de lindas pernas e corpos tentadores, aliados a carinhas "larocas" que arrebatavam corações e me faziam gastar muitas solas de sapatos.
Jogo nunca foi o meu forte, passo ao lado dele, não sou frequentador habitual de casinos, tenho horror às máquinas de moedas e até nos parqueamentos para automóveis sinto repulsa quando sou obrigado a meter uma moeda que raramente tenho. Todavia, afirmar que nunca joguei, mentia a todos vós, pois à vezes passando-me a "negra" pela "tola" sempre arrisco alguma coisa, e...
Certa vez, comprei uma rifa para ajudar os festejos na minha aldeia. O prémio era um cabrito assado no forno de padeiro, metido num enorme recipiente de barro. Não cheguei a saber qual foi o processo do sorteio. Sei, sim, que estava ausente e que a sorte me bateu à porta para me entregarem o almejado prémio. Como não estava, os fulanos da comissão de festas, todos meus amigos, chamaram-lhe um "figo" e nem sequer me disseram de quem era o canito que roeu os ossos. Entregaram-me valha-nos isso, a assadeira de barro devidamente lavada.
Outra vez na rua da Prata, à porta do oculista "Rodrigues" acompanhado de um amigo e sofrendo a sua influência comprei uma cautela, cujo numero era igual ao que ele adquiriu. Duas ou três semanas depois, o amigo diz-me que nos tinha batido a sorte à porta, cabendo a cada cautela 20.000$00 (vinte mil escudos). Com cautela, perguntei à «Dona» se tinha vista a dita no bolso da camisa. Respondeu-me que não é seu hábito retirar dos bolsos o que lá está. Como a camisa tinha sido lavada, lá estavam aqueles restos de papel, que me dariam a felicidade de sem trabalho ter ganho aquela pequena fortuna.
Mais tarde quando apareceram as raspadinhas, entrei numa loja de um pequeno Centro comercial na Cidade dos Arcebispos, e vi dois senhores que com ganância raspavam sem cessar um montão daquelas, no intuito de ganhar algum prémio chorudo. Fui tentado e adquiri duas. A primeira não bateu certo, mas na segunda rejubilei, tinha acabado de ganhar 10.000$00. Quis logo ali receber, mas informaram-me que só o podia fazer com identificação e na Caixa Geral de Depósitos. Arrumei as minhas coisas e quando saía a empregada perguntou-me. Não quer jogar mais? Ao que respondi. O prémio saiu-me a mim. Poucos dias depois num outro estabelecimento repetiu-se a cena. Afinal, sempre era um homem com alguma sorte.
----
Até que um dia, levantei-me, preparei-me e dei um salto à Capital. Preenchi um boletim, com cruzinhas e estrelas, quanto foi não recordo, não poderia ser muito, dado ter pouco dinheiro. Vinte e quatro horas depois, encontrava-me na rua do Amparo, entre o Rossio e a Praça da Figueira, na casa Campeão a encher uma mala "tipo James Bond", com largos milhares de Euros.
Além da mala, enchi os bolsos e corri a apanhar transporte para casa. Antes porém, dobrei uma nota de 20 euros, fazendo um biquinho e ornamentei o bolso pequenito do meu casaco, sobre o coração.
Em casa guardei o meu segredo, não contando nada a ninguém, meti a mala no armário do costume e deitei-me mesmo sem ter jantado.
Pela manhã, acordei, esfreguei os olhos, levantei-me e corri para a mala. Lá estava ela, bem arrumadinha pelas minhas mãos, peguei-a e achei-a leve de mais, abria-a e todo o dinheiro que lá tinha metido tinha desaparecido como por encanto.
Mas também naquele momento o meu encanto dissipou-se, tudo não tinha passado de um sonho, que só me deu felicidade enquanto estive deitado de olhos fechados.
Com o voltar à terra a CRISE TINHA VOLTADO.

17.10.10

Farturas ( em outros tempos)


A segunda guerra Mundial tinha acabado, e estávamos em plena época de Festas Populares. Em qualquer aldeia aos fins de semana era normal uma Banda Filarmónica tocar no coreto. As comissões das festas contratavam aquelas para abrilhantar as solenidades, já que na maior parte dos casos o profano estavam de mãos dadas com a religião.
A minha aldeia naquela época, tinha somente duas ruas e três travessas, a luz eléctrica tinha acabado de chegar, a água canalizada resumia-se a dois ou três poços, tirada com um balde de zinco pendurado numa corda e roldana, e os esgotos... eram os campos, que tinham a sorte de serem fertilizados pelo método biológico.
E como na terra não se constrói, mas tudo se transforma, comia-se hortaliça de primeira, a fruta da época era da região, recordando entre elas, com saudade, a suculenta maça "roscadinha".
Os festejos duravam cinco dias, começando na sexta-feira ao fim do dia e terminando às vinte e quatro horas de terça-feira.
A miudagem rejubilava com todo o movimento que antecedia os festejos, os pais preparavam os trajes que a família ia estrear naquelas datas. Fatinho novo, estreava-se pelo Natal, Páscoa ou em dias dos festejos locais.
Acabo de dar a imagem da minha aldeia, que não era diferente de todas as outras limítrofes, e isto frente à capital do império, separada apenas pelo mar da palha. Não vou deixar passar a oportunidade de fazer referência, que tinha escola primária, onde toda a "maltinha" de bibe branco se apresentava para aprender as primeiras letras, e a professora não necessitava de mandar recados aos pais fazendo queixa dos filhos, porque tinha sobre a sua secretária uma régua castanha com 5 buracos, a quem todos tinham imenso respeito.
Os feirantes escolhiam os lugares mais estratégicos para explorarem os seus negócios, ficando sempre no mesmo sítio a grande barraca das farturas, por debaixo de uma enorme espinhosa que existia na rua principal da aldeia.
O Alexandre... com dez anos, mas já calmeirão, residente numa a quinta das proximidades, «teso que nem em barrote» passou alguns anos de festas sem conseguir provar o gosto de uma fartura
polvilhada de açúcar e canela. Naquele ano tratou de arranjar uma estratégia, onde, mesmo não comendo, pelo menos o nariz apreciava refinadamente o cheiro da fritura daquele doce. Com tempo, tratou de retirar os espinhos de uma pernada da árvore e durante o período em que o pasteleiro orgulhoso e cheio de vaidade as fritava, naquela frigideira enorme e com dois pauzinhos as mexia e as virava, deitava-se em cima da pernada da árvore e passava horas naquela posição, com a água a escorrer da boca. Metia dó, ver aquela cena. Até que um dia a cabeça do Alexandre pensou "Cabecinha pensadou...ra", pensou e resolveu roubar uma fartura para ao menos satisfazer o seu grande desejo.
Enrola no seu braço direito um montão de jornais, atados com um cordel e quando o pasteleiro levanta as farturas com os dois pauzinhos para as escorrer do azeite, vem de corrida, enfia o braço na argola e foge a quatro pés. Evidentemente que o roubado desata a gritar, mas o Alexandre levava asas nos pés. (e ainda não estava inventado o Red Bull). Coitado, não consegui satisfazer os seus intentos, é que a massa partia-se e vai caindo pelo chão, não obstante ele na corrida ir a rodar com o braço, para não se queimar e tentar aproveitar alguma coisa.
Durante o resto dos festejos, o Alex não pode aparecer na aldeia, até ao dia em que a barraca foi levantada e partiu para outra festa em outra localidade.

3.10.10

O Encontro

desenho de Vilhena

Quem leu o meu texto "A Gravata" de seis de Setembro do mês findo, passou a conhecer o A. Jorge e a sua preocupação em estar no "'sconforme" para ser recebido pelo Senhor Presidente da República. Vai agora conhecer uma partida que lhe preguei e que ele nem sonha que tudo não se passou de uma brincadeira.
O jornal diário que saía todas em tardes e se denominava A CAPITAL, tinha iniciado a publicação de anúncios de massagens, levantando por isso grande polémica.
O Zé passava-lhe os olhos todos os dias e cheguei mesmo a telefonar a algumas massagistas(?) «ainda não existiam os telemóveis, nem telefones que indicassem de onde vinha a chamada», a marcar massagem para o dia seguinte e informava a menina de que tendo muitas ocupações, deveria telefonar para o numero tal, uma hora antes, a fim de me lembrar daquela marcação. Evidentemente que não dava o numero do meu telefone, mas sim o de um amigo, de quem estivesse próximo naquela hora. Depois ansioso aguardava o resultado, que acabava sempre num "chorrilho" de impropérios que faziam as minhas delicias.
O A. Jorge confidenciou-me que um dia iria marcar uma "massagem" para ver como era e assim contribuiu para estarem reunidas todas as condições para uma boa partida.
Entrei em contacto com o amigo, dono do apartamento onde ocorreu o "ACIDENTE DE TRABALHO" contado aqui em vinte e cinco de Agosto de dois mil e oito e que como eu tem prazer de fazer a sua partidinha. É exímio a imitar vozes de mulher e com a particularidade de o fazer com sotaque à sua escolha. Contei-lhe o sucedido, ficou nas nuvens e combinamos a estratégia. Disse ao A. Jorge que a maioria daqueles anúncios, não eram mais do que encontros com outros fins e que nada tinham a ver com massagens. Mesmo assim ou talvez por isso desejou fazer um encontro. Publiquei um anúncio no referido jornal e mostrei-lho.
"Menina Massagista, 22 anos de idade, muito bonita e atraente, deseja encontro com executivo, sem interesses monetários. Reposta ao numero tal do jornal tal. Nem um pato cairia tão depressa, com tiro certeiro de caçador. Na minha presença o A. Jorge faz uma carta imediatamente a candidatar-se a ser o escolhido, indicando o numero de telefone da nossa empresa. Na segunda-feira seguinte, recebe um telefonema da «Menina», fazendo a sua apresentação e informando-o que tinha sido o escolhido, e que se quisesse poderia ter o encontro com ela, propondo-lhe um almoço em Sesimbra no restaurante do Hotel do Mar, dois dias depois, já que o dito Hotel reunia condições óptimas para momentos idílicos.
O Zé acompanhava na hora todo aquele reboliço que ia na cabeça do A. Jorge e com o meu amigo já ia lamentando pela porta baixa, que não era justo fazer tal partida. Ele, muito pior do que eu, dizia-me. Deixa lá, ele vai até Sesimbra, espera, espera,
e ainda, em substituição arranja algum tubarão das que andam por lá abandonadas. Ou fica todo contente e ainda se ri de nós, ou nunca mais se mete noutra.
No dia aprazado, o A. Jorge, apareceu no escritório de fato novo, sapatos engraxados, gravata e condizer com a camisa e em vez do carrito «ford», trazia o «boca de sapo» Citroen, que seis meses antes tinha oferecido à sua esposa. Eu afastei-me com medo de não me aguentar. às onze horas, o nosso amigo, diz-me adeus e parte à aventura da "Facada no Matrimónio".
Esperou, esperou, esperou e tudo falhou. Viu o mar, viu as banhistas, viu os empregados a servirem os pratos com comida aos clientes do restaurante, (da sua boca só corria água), mas da menina de 22 anos, nem rasto. Desanimado e fulo, volta a Lisboa com a cabeça em desalinho e as ideias em turbilhão. E é que, na auto-estrada que liga o Fogueteiro à ponte sobre o Tejo, bateu com o carro na traseira de uma camioneta que circulava à sua frente, ficando com o «capot» amachucado.
Quando chegou ao escritório, vinha fora de si,e desabafou comigo. Zé, a filha da p... da gaja não apareceu, fartei-me de esperar, na auto estrada bati com o carro da minha mulher, o que é que eu lhe vou dizer agora, se é ela que tem de assinar a participação do seguro?. O que é que eu fazia na auto-estrada da outra margem, estou bem lixado... Ai, se ela vem a saber disto.
Tive pena dele, que amigo tinha sido eu... Não lhe falei mais no assunto, nem nunca soube como resolveu o problema com carro.
Um dia, anos mais tarde atrevi-me a fazer conversa sobre anúncios, respondendo-me assim... Zé eu nem leio jornais, quanto mais anúncios.