26.7.12

Acidente de Trabalho

Já publicado em 25-08-08



Meus caros Amigos:
Nas andanças pelo mundo, o Zé foi aventureiro, namoradeiro, "cafageste" como dizem os brasileiros, sei lá que mais coisas poderia acrescentar.
Fui um assíduo frequentador do Parque Mayer. Tinha pelas revistas à portuguesa um carinho muito especial. Não faltava uma noite de estreia e houve algumas que vi tantas, tantas vezes, que tenho a certeza que era capaz de substituir algum actor que faltasse. Havia um motivo para não deixar aquele recinto. É que a cantiga da Anita Guerreiro diz que os rapazes cheiram-lhes a raparigas e era esse cheiro que eu sentia quando lhe passava por perto. O cheiro às coristas das revistas. Tinha um amigo (julgo que já faleceu) que possuia uma casa com muitos quartos na rua Fernão Lopes, ali mesmo ao Saldanha, prédio já demolido, como todos os outros do mesmo lado dessa rua, que alugava quartos às coristas do parque Mayer.
Portanto já estão a ver! Cheiro a raparigas, coristas, e contacto fácil na casa do amigo que me as apresentava, deixando depois por minha conta os "I love you".
No prédio do amigo, no tempo do agarra/agarra (pós o 25 de Abril) chegou a estar lá instado o MRPP nos dois rés-do-chão, esquerdo e direito, tendo se calhar na altura sido ponto de encontro para o Durão Barroso, actual Presidente da Comunidade Europeia, quando seu militante. De quando em quando havia visitas de outros partidos e a "bordoada" estalava por todo o lado, chegando alguns apaniguados do MRPP a refugiarem-se, vindo pelas escadas de ferro das traseiras, em casa do meu amigo Sousa que residia no 3º andar esquerdo.
Os esgotos dos prédios antigos eram exteriores, de manilhas de grés, feitas na cerâmica do Carvalhal, povoação situada perto de Torres Vedras. Era inestético, é verdade, mas em contrapartida quando por qualquer razão era necessário mexer-lhe, seria fácil a sua reparação.
Estavam sempre situados nas traseiras e portanto não se viam, sendo as ligações das referidas manilhas feitas com cimento.
Um dia, nesse prédio houve uma rotura num desses canos ao nível superior do rés-do-chão, sendo necessário proceder à sua reparação. O artista (pedreiro), no dia combinado com o proprietário do prédio, chegou cedo, montou escada que encostou à parede, subiu para confirmar bem o local da fissura, estudou a maneira mais conveniente de fazer um trabalho perfeito, preparou as ferramentas e atirou-se ao osso.
Antes porém, e não poderia ser de outra maneira, foi a todas as casas do lado esquerdo do prédio e recomendou que não fossem usados os sanitários, naquela manhã, porque ele ia proceder à sua reparação.
Todos os inquilinos tomaram conhecimento do facto e prometeram respeitar aquele pedido.
O homem iniciou o seu trabalho em cima das escadas, batendo com escopo e martelo ao nivel da sua cabeça, partindo o grés da manilha, para poder fazer um remendo eficiente e definitivo para acabar com  a anomalia.
Aí pela voltas das 10,30, o Zé sobe as escadas do amigo para lhe fazer a costumeira visita, ouve a batucada do pedreiro, mas como é evidente não ligou ao assunto, até porque o desconhecia.
Chegado ao 3º andar, bate à porta, cumprimenta o amigo, que aproveitando a oportunidade da sua presença, pede para ficar ali em casa 20 ou 30 minutos, dando-lhe assim a possibilidade de dar um pulinho ao Mercado do Matadouro, ali ao fim da rua, comprar abastecimentos para a comida do dia.
Claro que sim, e fico guardião do casebre pelo tempo que o Sousa se deslocava ao mercado. Judiei um pouco com o papagaio que tinha na gaiola preso por um pé e deu-me vontade de ir à casa de banho. Na parede  ao lado da sanita, existia uma janela que estava aberta e que dava para o "saguão", ouvindo-se perfeitamente a labuta do pedreiro a arranjar a deficiência com esmero e perfeição, coisa,  que como já disse estava completamente alheio.
O Zé assenta-se e não é necessário dar mais explicações, porque todos nós sabemos o que o Zé fez. Acabado que foi o serviço, puxa a corrente do autoclismo e não tarda, que sente alarido, espreita pela janela e vê o pedreiro a ficar engasgado com a enxurrada que veio pela cano abaixo.
Nesse preciso momento entra o Sousa, que ao ter conhecimento do uso inadequado da sanita ficou preocupado e tem este desabafo. "Coitado do Senhor, a fumar de charuto, quando nem toca em cigarros".
Aí não resisto e dou uma valente gargalhada, imediatamente abafada pelo barulho que ouvimos nas  escadas.
O sinistrado com a maceta na mão (coisa aí de 1 Kg de ferro) sobe-as e vai batendo em todos os andares do lado esquerdo a perguntar quem tinha feito um trabalho daqueles, e que dava com a maceta nos ".ornos" que o lixava.
Com os acontecimentos em desenvolvimento acelerado, optei por fazer figura de cobarde, não fosse acabar nas urgências do hospital de Santa Maria, ou estendido dentro de uma gaveta no piso -2.
O Sousa (era especialista em simulações) responde que dali não foi, porque ele nem estava em casa, tinha acabado de chegar naquele momento.
O certo é que o pedreiro desalvorou (sem ter feito o gosto ao dedo). Nunca mais lá apareceu e o dono do prédio teve que contratar outro para acabar o trabalho.
Todo o cuidado é pouco, até em casa e sentado na sanita um homem não está descansado , até naquele lugar pode originar um acidente de trabalho.
.A seguradora deveria ter tido alguma dificuldade em atribuir para estatística, o acidente na secção de Domésticos ou de Construção Civil.





15.7.12

Os Prazeres da Macrobiótica



Fui sócio de uma empresa que tinha a sua sede e escritórios na Praça da Alegria, em Lisboa., mesmo por cima do Maxime.
Predominava empregadas todas dedicadas e a merecerem notas altas, quando se tratavam de ser apreciadas na execução ou desempenho do seu trabalho.
Faziam parte do povo trabalhador que lutava no dia-a-dia para o sustento da família.
Uma delas, parece que a vejo, com o cabelo louro natural e canudos caídos, alta, almoçava em restaurante macrobiótica, ali para os lados da Duque de Palmela.  Mostrei interesse em conhecer o restaurante e a moça não se fez rogada, convidando-me para  almoçar com ela. Perguntei como era o  restaurante,  o tipo de gente que o frequantava, a comida, e estava a chegar à conclusão de que não ia gostar. Mas com aquela companhia, simpática e atraente, ia fazer como S. Tomé "ver para crer".
Mas o  "Demo" que tantas vezes me tem saído ao caminho, desfez tudo num minuto daquela manhã de  quinta-feira, fria e ventosa do mês de Abril de ano que não recordo (finais da década de 70, talvez ano 79).
Um dos meus sócios, pede-me para o acompanhar na busca de um cliente caloteiro e "vigaro", lá para os lados da Cidadela em Cascais.  Pelo caminho contei-lhe que tinha combinado um almoço em macrobiótica com a Laura nossa empregada e agudizei-lhe o gosto, tendo-me convidado para jantar nesse mesmo dia num restaurante desses, mas fazendo-me lembrar que não se estava a substituir à elegante Laura. Rimos, e ficamos combinados que ao jantar iria-mos dar estreia e iniciação naquela comida.
O "aldrabófio" do caloteiro, como uma enguia, escorregava-nos pelas mãos e já eram 21 horas, ainda não tínhamos conseguido falar com ele. Esteve sempre perto, nas quando chegávamos a um sítio, já tinha saído para outro e tal Tom e Jerry, dos desenhos da Disney, de toca em toca, escapou sempre ao nosso encontro.
O frio apertava e o vento atirava rua fora os caixotes do lixo. Voltamos para Lisboa de mãos a abanar, mas como o estômago  não se compadece com desaires, por isto e aquilo, mais ou menos transito, estacionamos pelas imediações da rua da Boavista, omde se situava o restaurante que tínhamos escolhido. Corremos apressadamente, o vento batia-nos nas costas como se tentasse ajudar-nos a chegar à casa de Pasto. O prédio era velhíssimo, não tinha luz nas escadas ou nós não sabíamos onde estavam os interruptores.  Aos apalpões subimos até ao primeiro andar e demos com a porta fechada. Batemos, demoraram a abrir, e foi a cozinheira que a fez. Não tinha apreciado ainda bem o nosso aspecto, mas o que estava vendo
não me deixou aterrorizado, mas uma vontade de rir apoderou-se de mim. É que, a figura que nos abriu a porta tinha na cabeça uma touca de cozinheira, uma bata vestida, que 8 dias antes talvez fosse branca e  o seu olho  direito era vesgo.  Não nos deixando entrar, esclareceu-nos que a casa fechava às 22 horas e já passavam 10 minutos. Estava eu a tentar dar-lhe a volta para que nos servissem, eis que,  por detrás da cozinheira aparece o cozinheiro, de barrete alto, mas já um bocado a cair para o lado, de casaco e calça, muito mais sujo de "bedun" do que a bata da sua companheira e era vesgo do olho esquerdo. Oiço rir, olho para trás e vejo o meu sócio com os cabelos em pé, erguidos pela forte ventania que apanhamos na rua, olhando para mim, o cozinheiro e a cozinheira e eu próprio no mesmo estado com o cabelo esfarrapado e despontado de muitos brancos, em pé, os vesgos, as batas, toda aquele ambiente  surreal  que só os filmes dos "três estarolas" apresentavam.

Foi impossível aguentar as gargalhadas, a porta do restaurante fechou-se, apagaram-nos as luzes das escadas e descemos estas pelo mesmo processo da subida, sem ter provado a comida macrobiótica.
Durante uns dias, bastava olharmos um para o outro para as gargalhadas soltarem imediatamente. Pelo menos até aparecer outra aventura em sua substituição.
E não é, que até hoje, ainda não frequentei um restaurante daquela especialidade.