30.1.12

O Circo


A caravana de Camionetas, automoveis e toda aquela enormidade de gente apareciam de rompante na minha aldeia. A "maltinha", largava a bola de trapo com que se entretinha, o ranho largava a ponta do nariz e colava-se nas bochechas secando com a corrida desenfreada, cujo destino era o local onde o Circo iria montar a grande tenda, cujo tecto era em cone e as chapas de zinco onduladas a fazer uma grande circunferência, marcavam o seu espaço. A ansiedade era enorme e todos queriam saber quando era a inauguração, se tinha tigres, leões, ursos e a desilusão era enorme quando ficávamos a saber que aquele só tinha como astro principal um simples asno.
Ainda não se tinha iniciado a sua montagem e já os cartazes eram distribuídos pelos locais do costume anunciando a boa nova. O Circo estava de volta...
Residindo o Zé a 11 escassos km de Lisboa, era quase uma aventura, uma simples deslocação à Capital do Império, que como sabem começava em Lisboa, corria veloz sobre o Atlântico em visita ao Brasil, regressava, corria toda a costa de África, contornava o cabo das Tormentas, entrava no Indico, dava um pulo a Índia e a Malaca, assentava uma pata em Macau e finalmente mergulhava nos Mares de Timor.
Meu avô usando carroça e burro, transportava os produtos das suas propriedades até Cacilhas, usava o barco para a travessia do Tejo e tinha local no mercado da Ribeira. Não o mercado da Avenida 24 de Julho, a que todos agora chamam de Mercado da Ribeiro, mas sim aquele instalado na cais da autentica ribeira do Tejo. ali paredes meias com o Cais do Sodré. Ali sim, inventaram e serviam o Cacau da Ribeira. Esse mercado começava a trabalhar pelas 24 horas e era aí que os aldeões comercializavam os seus produtos das hortas e pomares, e que depois eram distribuídos por todos os mercados da capital onde a população se abastecia. O Capital, nesta altura, virou tudo de pantanas, liquidou os mercados típicos da nossa Cidade sendo substituídos pelo Continente, Pingo Doce, Modelo, Lidl etc. Ai... quem me dera ver outra vez o Mercado da Praça da Figueira, o seu movimento, os bailes de Santo António que se faziam lá dentro. Já imaginaram o que era Cacilhas, nesse tempo? A quantidade de estábulos que era necessário para guardar os burros que todos os dias transportavam as mercadorias para abastecer Lisboa? Daí meus amigos, o baptismo popular atribuído. "CACILHAS TERRA DOS BURROS". Mais tarde esses estábulos serviram para guardar bicicletas, dado trabalhadores dos docas, da Carris e outras grandes industrias instaladas em Lisboa, usarem aquele transporte na deslocação para a labuta do pão de cada dia.
Chegada a noite de estreia, algumas das vezes o Zé não conseguia ter as boas graças da mãe Júlia e não conseguia as moedas suficientes para um lugar na geral. Restava-lhe andar já com o espectáculo a correr, espreitar pelos buracos das chapas de zinco, para segundo a sua óptica, ter o legitimo direito de assistir ao trabalho dos palhaços e dar uma saudáveis gargalhadas que lhe proporcionariam uma dormida descansado e um sonho feliz.
Raramente conseguíamos ver alguma coisa, a não ser a curva das pernas de algumas mulheres sentadas nas estruturas das bancadas de madeira. Perna vista, e era certo e sabido que pelo buraco da chapa de zinco, metia-se o pipo de uma bisnaga grande de borracha, comprada na farmácia para lavar ouvidos que cheia de água era despejada e cujo destino eram as pernas que acabávamos de ver. O espectáculo parava, e as "raposas" (serventes do circo) acompanhados da GNR davam voltas e reviravoltas para ver se apanhavam os energúmenos, que se atreviam a perturbar o espectáculo circense. Claro, tínhamos dado à sola e nunca ninguém foi apanhado. Frente ás bilheteiras era colocada uma vara e lá em cima colocavam uma lâmpada de grande potencia para iluminar toda aquela zona, mas uma esguichadela dada pela bisnaga, contribuía para tudo ficar ás escuras, pois a água fria em contacto com o vidro quentíssimo, rebentava a lâmpada.
Então o "manager", nos dias imediatos deixava a pequenada entrar gratuitamente com a recomendação de não fazerem tropelias e não inventarem coisas piores que poderiam fazer largos estragos.
Tudo está mudado,desapareceram os saltimbancos, a "maltinha" já tem o nariz limpo, as brincadeiras bem como o circo já não são o que eram...

35 comentários:

Anónimo disse...

olá, desculpe invadir seu espaço assim sem avisar. Meu nome é Fabrício e cheguei até vc através do Blog Os & Degraus. Bom, tanta ousadia minha é para convidar vc pra seguir meu blog Narroterapia. Sabe como é, né? Quem escreve precisa de outro alguém do outro lado. Além disso, sinceramente gostei do seu comentário e do comentário de outras pessoas. Estou me aprimorando, e com os comentários sinceros posso me nortear melhor. Divulgar não é tb nenhuma heresia, haja vista que no meio literário isso faz diferença na distribuição de um livro. Muitos autores divulgam seu trabalho até na televisão. Escrever é possível, divulgar é preciso! (rs) Dei uma linda no seu texto, vou continuar passando por aqui...rs

Narroterapia:

Uma terapia pra quem gosta de escrever. Assim é a narroterapia. São narrativas de fatos e sentimentos. Palavras sem nome, tímidas, nunca saíram de dentro, sempre morreram na garganta. Palavras com almas de puta que pelo menos enrubescem como as prostitutas de Doistoéviski, certamente um alívio para o pensamento, o mais arisco dos animais.

Espero que vc aceite meu convite e siga meu blog, será um prazer ver seu rosto ali.

Abraços

http://narroterapia.blogspot.com/

Zé do Cão disse...

a minha porta está sem aberto para quem vier por bem.

abraço

Maria disse...

Zé, meu amigo Zé:
Hoje, conseguiste falar de Circo, dos burros de Cacilhas, do velho mercado da Ribeira, do Cacau, das partidas marotas dos garotos, tudo com a graça que te é peculiar. Despertaste-me saudades.
Em Tomar, na Santa Iria, vinham os circos, com apresentação pelas ruas, começando com o homem das andas, de calças de fantasia e chapéu alto, os palhaços, acabando num belo carro de cavalos ornamentado, onde vinham os trapezistas vestidos a rigor, com as meninas quase nuas. Nós corríamos atrás, na esperança de um prospecto ou de uma foto das meninas para os rapazes. A ida ao circo era uma festa! esta foi a saudade 1 que despertaste.
Depois, o Cacau da Ribeira. Já mais crescida, era certa pela madrugada, irmos primos e primas, beber o cacau. Ainda tenho o gosto e o cheiro no nariz. E o mais engraçado, é que nem gosto de cacau. Era o bulício, as vozes roucas, as caras ensonadas dos vendedores e compradores que eu gostava.
Ai Zézito! o que tu me fazes lembrar! Rio e choro a ler estas coisas, esta vivência, em alguns pontos, tão semelhante à minha.
Um abraço e obrigada, por me teres devolvido alguns momentos que, nunca se repetirão.
Maria

São disse...

Meu querido amigo, que maravilha ler o teu texto!!

Ainda bebi o famoso cacau quente da Ribeira uma vezinha...

Dos burros de Cacilhas é que já não fui espectadora.

mas lembro-me dos peixes a saltar à frente dos cacilheiros, imagina

Beijinhos, muitos

Zé do Cão disse...

Maria

só de passares por aqui, me dá alegrias. Um beijo por isso.
Como vês , gajos do circo quando vinham para a minha terra não tinham esses luxos. Os gigantes das andas, isso eram coisas à Americana. Aqui eram quase peço descalço. E se tivessem carroça publicitária era o Astro principal "O Asno" que a puxava.
saudades, tudo saudades

Beijos

Zé do Cão disse...

São

Não me digas, se fores agora a Cacilhas, podes ter a certeza que ao veres os burros que andam por lá, fazes imediatamente um juízo de como seria noutros tempos.

beijos

Elvira Carvalho disse...

Uma história muito engraçada como todas as que tem contado. Não tenho memória de nenhum circo na Seca. Recordo-me de ter visto num sábado à tarde na Telha um grupo de 4 pessoas. Um senhor mais idoso, 2 moças e um rapaz, que faziam uns saltos e contavam umas graças. Não tinham nenhuma tenda, vieram numa carripana, estacionaram junto à padaria, e o senhor mais idoso vestido de uma maneira estranha, não era bem palhaço, as pessoas chamavam-lhe um "faz-tudo" com um autofalante foi chamando as pessoas que se juntaram numa roda, e depois de eles fazerem o "seu espetáculo" a moça mais jovem andou pela roda com um chapéu onde alguns lançaram uma ou outra moeda.
Um abraço

Pascoalita disse...

Meu querido Zezito,

Tens um jeito tão original de descreveres as tuas memórias que contagias quem te lê!

Bem me recordo da algazarra dos catraios da minha aldeia, quando era anunciada qualquer diversão. Os circos percorriam o país de lés a lés, mas instalavam-se nas Vilas e Concelos, não nos meios rurais, e a minha aldeia situa-se no "Cú de Judas", onde uma dupla de palhaços marrecos e trôpegos, um burro coxo e um cão zarolho, eram suficientes para fazer as delícias de pequenos e graúdos ahahah

Não conheci essa Praça da Rineira que descreves, mas senti as tuas saudades e quase senti o sabor do delicioso cacau.

jinhos

Pascoalita disse...

"praça da Ribeira" ai, ai ...

Green Knight disse...

Oi Zé!Na minha terra já contactava com o Cico Mariano que era um grande circo.As peripécias para entrar num grande circo eram similares,só que tinhamos de raspar a terra por baixo do grande toldo na base e pelos buracos entrar à sucapa.Em tudo o que é grande o risco aumenta até o staf de vigia. e não tive a tua sorte.Algumas massagens era distribuidas gratuitamente.
Também circulavam pela vila as ditas "cegadas" com a cabrinha no escadote e alguns ginastas.Como é obvio acabavam sempre a pedir com a boininha.A velha Ribeira junto ao rio e o mercado também conheci e acrescento aqui o mercado do Saldanha e o do C. Grande.Os jericos nessa altura identificavam-se melhor.
Um abraço Zé
jrom

Maria disse...

Jé e Jrom
Dizem que os burros estão em extinção mas, eu não acredito. Andam é quase todos vestidos de gente. Asnos e asnas, é coisa que não falta. Até no Governo os há. Não é só o Diabo que veste Prada. Os "Burros" vestem Armani e Hugo Boss.
Beijinhos para os 2
Maria

Zé do Cão disse...

Elvria

Que me dera voltar ao tempo em que tinha sempre à mão uma bisnaga com água para injectar através dos buracos das folhas zinco do circo.
Se me apanhassem, levaria um puxão de orelhas da guarda e quando chegasse a casa umas "lampadas" na "trombuça" dadas pelo pai António.
Sabia que com isso a mãe Júlia, deitava a sua lágrima. Andava ali uns dias que num um cordeiro.
abraço

Zé do Cão disse...

Pascoalita.

O o cão tinha alguma venda como o Camões?
Não esqueças nunca que o cão via mais do que tu. Porque tu tinhas dois olhos e só conseguias ver um olho do cão.
E o cão que só tinha um olho, conseguia ver os teus dois. O gajo a lamber o prato, ponha-se de lado?
Beijinhos, Amiga

Zé do Cão disse...

Green
Nós às vezes também faziamos grandes papeis de Palhaço. Não concordas?

Abraço

Zé do Cão disse...

Maria

Lembras-te quando em Odivelas foi apanhado um tipo "Galinhas" a vender para os restaurantes carne de burro já velho que eram destinados ao Zoo, para os animais? E também vendia ao publico ao barraco ao barraco onde matavam os bichos.
bjs

Maria disse...


Tenho uma ideia disso, sim.
Nunca lá fui, porque tenho um talho aqui ao pé.
Maria

Zé do Cão disse...

O fulano foi preso e quando cumpriu a pena, passados uns dias já estava no negócio outra vez, foi preso novamente.
Agora metia uns requerimentos e ficava cá fora.
Só é preso quem rouba no super mercado um polvo e um champôo.

Bjs Amiga

Green Knight disse...

Amigo Zé!Quem me dera o tempo dessas palhaçadas.O papel era sempre de palhaço pobre.O Galinhas entalou-se, por andar a fazer concorrencia com a fábrica Isidoro. Fazia chouriços com carne de Burro.
Coitado do Galinhas tinha de esperar que os "lelos"lhe arranjassem matéria prima.Hoje há prá´-í burros de embarda.
Um abraço Zé
jrom

Zé do Cão disse...

Green

Eu acho que os burros somos nós. E que burros, porra.
Em 50 anos Zalazar exercendo tirania,foi o que foi, com o 25/4, apareceram, a "malta", os que se aconchegaram, outros tantos "o é faz falta", mais uns sábios espertos, Izaltinos que baste e somos o que somos.
"Uns pobres desgraçados"

abraço

Green Knight disse...

OH Zé!Acertas sempre na muge.Eu adoro ler as entre -linhas
Que maravilha!Tanto, em tão poucas linhas.
Um abraço
jrom

Kim disse...

Amigo Zezito!
Lembro-me do mercado da Ribeiro, mas não me lembro dos asnos de Cacilhas.
Do cacau da Ribeira, lembro-me também, porque quando a noite era longa, era certo e sabido que o pessoal estava lá caído a tomar uma espécie de última refeição do dia ou primeira da manhã. Para mim, era sempre a primeira da manhã.
Do circo, lembro-me mais dos preparativos e da Miss Natália do que do próprio circo.
Claro que, nesta história, não podiam faltar as tropelias do Zezito e sus muchachos.
As coisas que a gente se lembra !!! Estamos velhos!
Grande abraço amigo

Zé do Cão disse...

Green

Amigo, as coisas que já vimos, que vamos ver, sinceramente apetece-me fechar o olho, antes de ver a derrocada final. Pelo andamento que isto leva, tal como os prédios, os velhos caem naturalmente e como agora até nos "assam" depois de mortos, nem ninguém dá pela falta deles.
Quem se aguentar, vai passar as passas do algarve e triturada por esta maquina infernal, que são os incompetentes e desonestos que infestam os partidos politicos, a sociedade etc. etc.
Para meu espanto, ouvi ontem na televisão que os militares "generais, tal e tal) não são funcionários públicos. (isto para não lhes cortarem os subsídios)(?) Mas gozavam da ADSE. Nós que nunca trabalhos para o estado, cortam-nos os ditos, baseado em quê?
Em função disto tudo, OPOR SER VELHOS.
Abraço

Zé do Cão disse...

Kim
A minha lembrança dos burros também já é muito fraca.
Todavia deixei à guarda a minha "Triunf" muitas vezes nesses estábulos que ainda tinham as mangêdoras.
Meu bom amigo, TV nem vêla, só chegou a meio da década de 50, e era o circo e os teatros amadores a única cultura que havia.
Fui actor(?) num grupo cénico, estando-me sempre reservado parte cómicas, às vezes em peças dramáticas. E até escrevi uma peça
que foi representada, sendo eu também o ensaiador. Vê só que até meu uma coroa de flores da Agência barata ou Salgado, não recordo bem, mas era da Cova da Piedade.
Coitada da Senhora Piedade que não teve Coroa na Cova."ahahah.."
Talvez um dia conte, se me aguentar até lá.
Não creio que estejamos velhos, fazem-nos velhos.
Abraço

Magia da Inês disse...

Olá, Zé!
Circo mesmo, só fui uma vez...
Você nem imagina... tive tanta pena do elefante, que no fim do espetáculo, tinha que ficar tanto tempo sobre duas patas para tirar tirar fotos com os assistentes do espetáculo.
Eu sempre fui... contra à exploração dos animais selvagens.... não sei se me entende!?...

São disse...

Agora...nem circo nem pão!

Bom fim de semana, meu bem

Zé do Cão disse...

O circo tem Magia e não há criança que não fique fascinado pelo circo.

Eu não fugia à regra, só que ás vezes asneava e só me sentia bem a judiar. Muito especialmente quando não tinha meios para entrar. Ao ouvir o som da orquestra do circo a tocar lá dentro, ao ouvir o apresentador a dar os maiores elogios aos artistas, sentia-me também artista e vai daí...

beijo

Zé do Cão disse...

São

No meio da desgraça em que estamos metidos até ao pescoço, deu-me vontade de rir ao teu comentário.

estou a escrever e a rir...

Ai, ai... este povo português que sendo taciturno, faz graça com as misérias.

Um Beijo minha amiga

Je Vois La Vie en Vert disse...

O que aprendo contigo, amigo Zé !

Agradeço as palavras amigas que deixaste no meu cantinho verde quando precisava muito delas.

Agora, já não preciso tantas dela mas elas continuam a me saber bem...

beijinhos
Verdinha

Zé do Cão disse...

Verdinha


Um beijo e os meus cumprimentos à cara metade

Green Knight disse...

Zé!Em tempos contava-se na minha terra a estória de um burro, que não era do circo.
Vivia tão tranquilo e com o ócio deixou que as moscas lhe fizessem uma ferida enorme no rabo, só para não ter de o sacudir.
Qualquer semelhança é pura coincidência.
Senhoras e Senhores!Entrai! Entrai!O Espectáculo está aí!...Vamos ao circo!...
Um Abraço Zé.Não te esqueças que temos de pagar para ver até ao fim.

Zé do Cão disse...

Green


O Meu abraço

Magia da Inês disse...

Olá, amigo!
Aguardamos novo post.
Boa semana!
Beijinhos.
Brasil

(⁀‵⁀,)
¸`⋎´
¸.•°`♥

Pascoalita disse...

Pelo rumo que as coisas levam e por falta de melhores opções, antes dedicarmo-nos a palhaçadas do que virarmos todos à batatada (por vezes acho que já não falta muito eheh)

Bom resto de Domingo


Jinhos

Zé do Cão disse...

Magia

Boa semana e bom trabalho. Por aqui o frio não nos larga.

Beijos

Zé do Cão disse...

Pascoalita

Batatada? E depois o que comemos?

Não sei porquê, mas acho que quando chegar a essa altura, o povo vai usar os velhíssimos "penicos", cheios de conteúdo.
Era uma inovação e uma originalidade muito interessante. adora ver...
Biquinhos