O Peixeiro era um homem de trabalho, sempre correndo atrás do seu burro, numa azáfama constante.
Dedicava-se à venda porta a porta de peixe que ia buscar a Sesimbra, na luta pela vida que poucas vezes lhe sorria.
Calcorreava diariamente os largos km que separavam a sua terra natal daquele vila piscatória, que nesta altura está transformada numa das mais afamadas estâncias turísticas da nossa terra.
Chegava sempre cedo na ânsia de assistir aos primeiros pregões da lota, que na altura era efectuada em plena areia da praia, ali ao lado da Fortaleza. De quando em quando, lá se ouvia a sua voz para arrematar uma parcela, sempre prejudicada por alguém que se lhe adiantava. Negociava portanto com quem se adiantou, ocasionando por isso mais um pagamento de intermediário que, não sendo pescador, estava sempre à coca de ganhar a vida à custa de outros.
Não sei se os meus visitantes alguma vez apreciaram aquela lota, aquele movimento.
Pela noite, os barcos a chegarem da pesca, vindos directamente ao areal. A descarga do peixe que, na hora, era imediatamente separado e colocado um a um sobre montinhos de areia para apreciação. O peixe-espada de Sesimbra, com a sua cor prateada, os pargos, os robalos, os chocos em celhas de madeira, o imperador, as lulas, espectáculo inolvidável.
A cantilena do pregoeiro leiloando os quinhões e os burros que esperavam pacientemente pelos seus donos, para depois alongarem com as caixas do pescado no seu regresso às origens para fazerem a venda às primeiras horas do dia.
Digo-vos que sou um dos felizardos ainda vivo que assisti a tudo quanto acabo de narrar. Jamais se poderá ver outra vez tamanho beleza.
Então o peixeiro corria, espicaçava o jerico na tentativa de chegar primeiro do que outros concorrentes da mesma região e que também se dedicavam àquele comercio.
O Miguel, assim chamava ao quadrúpede, estava velho, o cabelo já estava a ficar russo e demonstrava algum cansaço.
Um dia, num Domingo, o burro do peixeiro livre das caixas do seu fadário, pastava no sem quintal tranquilo quando o dono, usando palavras mais ásperas resolveu ir ao mercado de Coina vender o animal. Não sei se este teria percebido a trama que lhe era preparada, mas como não tinha remédio nem vontade própria lá foi, para onde Deus quisesse.
Nos mercados, a ciganagem são os reis e senhores do negócio da burricada e portanto sempre aparece alguém para fazer um negócio, oferecendo pouco, dado aquela carcaça velha já não ter mais para dar ao seu dono. Iria acabar, decerto, no Jardim Zoológico servindo de petisco aos leões.
O peixeiro, ao ouvir estes comentários desfez-se por tuta-e-meia de quem o tinha ajudado uma vida inteira.
Almoçou numa das barracas desmontáveis da feira e resolveu ir procurar outra animal para substituição do Miguel.
Aproximou-se de outro grupo de ciganos e, fazendo escolha, encontrou um do seu agrado. Estava tosquiado, tinha desenhos no lombo, lavado, parecia jeitoso. Perguntou o preço e arrepiou-se; a venda de um não dava para pagar o outro. Teve por isso de desembolsar forte maquia.
Negócio fechado, lá marchou de regresso a casa com o seu novo companheiro da árdua luta.
Tratou de lhe pôr nome e, para esquecer mais depressa o Miguel, chamou-lhe Jeremias.
Perto de casa, parou para falar com um amigo e contar-lhe o seu negócio. Largou a reata e o Jeremias partiu sozinho a caminho do palheiro.
O homem do peixe ficou surpreso, observou o Jeremias melhor e chegou à conclusão que comprou pela tarde o Miguel que tinha vendido pela manhã.
Os ciganos tinham-no tosquiado, fazendo uns desejos no corpo, uma trança no rabo, lavado, parecia mais novo. Não sei como a coisa acabou, pelo menos que eu saiba não foi à conservatória alterar o nome do bicho…
Dedicava-se à venda porta a porta de peixe que ia buscar a Sesimbra, na luta pela vida que poucas vezes lhe sorria.
Calcorreava diariamente os largos km que separavam a sua terra natal daquele vila piscatória, que nesta altura está transformada numa das mais afamadas estâncias turísticas da nossa terra.
Chegava sempre cedo na ânsia de assistir aos primeiros pregões da lota, que na altura era efectuada em plena areia da praia, ali ao lado da Fortaleza. De quando em quando, lá se ouvia a sua voz para arrematar uma parcela, sempre prejudicada por alguém que se lhe adiantava. Negociava portanto com quem se adiantou, ocasionando por isso mais um pagamento de intermediário que, não sendo pescador, estava sempre à coca de ganhar a vida à custa de outros.
Não sei se os meus visitantes alguma vez apreciaram aquela lota, aquele movimento.
Pela noite, os barcos a chegarem da pesca, vindos directamente ao areal. A descarga do peixe que, na hora, era imediatamente separado e colocado um a um sobre montinhos de areia para apreciação. O peixe-espada de Sesimbra, com a sua cor prateada, os pargos, os robalos, os chocos em celhas de madeira, o imperador, as lulas, espectáculo inolvidável.
A cantilena do pregoeiro leiloando os quinhões e os burros que esperavam pacientemente pelos seus donos, para depois alongarem com as caixas do pescado no seu regresso às origens para fazerem a venda às primeiras horas do dia.
Digo-vos que sou um dos felizardos ainda vivo que assisti a tudo quanto acabo de narrar. Jamais se poderá ver outra vez tamanho beleza.
Então o peixeiro corria, espicaçava o jerico na tentativa de chegar primeiro do que outros concorrentes da mesma região e que também se dedicavam àquele comercio.
O Miguel, assim chamava ao quadrúpede, estava velho, o cabelo já estava a ficar russo e demonstrava algum cansaço.
Um dia, num Domingo, o burro do peixeiro livre das caixas do seu fadário, pastava no sem quintal tranquilo quando o dono, usando palavras mais ásperas resolveu ir ao mercado de Coina vender o animal. Não sei se este teria percebido a trama que lhe era preparada, mas como não tinha remédio nem vontade própria lá foi, para onde Deus quisesse.
Nos mercados, a ciganagem são os reis e senhores do negócio da burricada e portanto sempre aparece alguém para fazer um negócio, oferecendo pouco, dado aquela carcaça velha já não ter mais para dar ao seu dono. Iria acabar, decerto, no Jardim Zoológico servindo de petisco aos leões.
O peixeiro, ao ouvir estes comentários desfez-se por tuta-e-meia de quem o tinha ajudado uma vida inteira.
Almoçou numa das barracas desmontáveis da feira e resolveu ir procurar outra animal para substituição do Miguel.
Aproximou-se de outro grupo de ciganos e, fazendo escolha, encontrou um do seu agrado. Estava tosquiado, tinha desenhos no lombo, lavado, parecia jeitoso. Perguntou o preço e arrepiou-se; a venda de um não dava para pagar o outro. Teve por isso de desembolsar forte maquia.
Negócio fechado, lá marchou de regresso a casa com o seu novo companheiro da árdua luta.
Tratou de lhe pôr nome e, para esquecer mais depressa o Miguel, chamou-lhe Jeremias.
Perto de casa, parou para falar com um amigo e contar-lhe o seu negócio. Largou a reata e o Jeremias partiu sozinho a caminho do palheiro.
O homem do peixe ficou surpreso, observou o Jeremias melhor e chegou à conclusão que comprou pela tarde o Miguel que tinha vendido pela manhã.
Os ciganos tinham-no tosquiado, fazendo uns desejos no corpo, uma trança no rabo, lavado, parecia mais novo. Não sei como a coisa acabou, pelo menos que eu saiba não foi à conservatória alterar o nome do bicho…
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32 comentários:
Bom dia, Zé.
Cá estou eu para conhecer o teu burro :))))
Gostei imenso da descrição que fazes da lota do peixe.
Quando eu era pequenita assisti algumas vezes à chegada dos barcos, à saísa das redes, à feitura dos montes e venda...enfim, coisas que provavelmente hoja já não existem.
Pois o Peixeiro foi uma das muitas vítimas dos ciganos.
Não é bonito falar-se mal deles, mas que as aprontavam ( e aprontam, ainda...) é uma grande verdade.
Por alguma razão o termo "ciganagem" significa aldrabice...
Uma boa semana.
Beijocas
Mariazita
Há quanto tempo não vou a Sesimbra...
Goza bem o Dia,criança rrrss
Vi muitas vezes lotas dessas na areia, não em Sazimbra, mas no Furadouro, próximo de Ovar. Era na verdade um espectáculo belo e inesquecível.
Fartei-me de rir com a história do Miguel-Jeremias.
As pessoas gostam mesmo de julgar pelas aparências...
ahahahahahahahah ahahahahahahh
sabia que os ciganos eram exímios a fazer dessas, mas nunca tinha conhecido uma história real. A meio da leitura já estava a prever qual a marosca em que o peixeiro tinha caído. E olha que foi bem feito para ele, já que não teve escrupúlos de se desfazer assim do pobre bicho só por estar velhote ahahahah
Homem, tu sabes cada uma que vale por duas eheheh
Tenho muitas e boas recordações de Sesimbra e imagina que me lembro da lota sim senhor! Claro que chegava lá quando o peixe já estava todo arrematado, mas ainda sei o sítio exacto onde isso acontecia.
Lembro-me da velha praça e do belo IMPERADOR que tanta vez comi, já que era o peixe preferido do meu padrinho.
quem quer enganar acaba enganado!!! lol
abraço
Na aldeia dos meus pais passou-se uma cena semelhante à que contas, também com ciganos.
O dono do burro palmilhou com este cerca de 5 km encosta acima até à feira que ocorria na Vila.
Ali vendeu o animal por "tuta e meia" tendo-se metido nos copos a seguir. Ao fim da tarde foi intercetado por ciganos que lhe impingiram um "burro novo" cheio de genica, que era comprou sem desconfiar que era o burro velho que tinha vendido de manhã.
Contava a minha mãe que a meio da viagem a caminho da sua aldeia, começou a chover, começando o animal a largar a tina com que tinha sido pintado para parecer mais jovem eheheheh
Xiiiiiiii ao olhar essa foto lembrei-me uma cena ocorrida na minha aldeia há mais de 45 anos!
Havia uma peixeira que andava de aldeia em aldeia, com uma canastra cheia de peixe à cabeça, a apregoar e vender o pescado que na zona do interior chegava no comboio, dado não haver mar por perto.
Normalmente trazia carapau e sardinha. Mas naquele dia, ao destapar a canastra todas as clientes deram um passo atrás ao verem e "bichos compridos" que para as pessoas desconhecedoras pareciam parentes próximos das cobras eheheheheh
Não sei se alguém na aldeia comprou aquele estranho peixe, mas nesse dia, lá em casa, o almoço foi batatas com ovos cozidos eheheh
Nino, tomara apanhar agora um daqueles peixe espada que sem dúvida eram bem mais frescos que os de hoje eheheh
jinhos
Tadinho do burrico, lavadinho, penteado e pintado, até ficou mais cor de burro quando foje...e valeu a pena, bem feita para o homi que se dezfez dele por ser velhote..enfim...beijinhos.
Oh Zé, agora é que é caso para dizer que é preciso estar com um olho no burro e outro no cigano.
E às vezes até nos desfazemos dos melhores amigos!
Abraço amigo
Quando se chega a velho é um pouco assim! Até os seres humanos, quando envelhecem, são postos de lado ou abandonados, pela própria família!
Ó Zé, ganda maroto me saíste
Hummm quer-me cá parecer que foi assim que te livraste do teu velho "Fiore"
Pelo que sei de ti, ainda está por nascer o cigano que te passaria a perna tanto em negócios como a correr eheheh
dentadinhas da endiabrada
Sabes o que te digo?
Agora ia um passeiozito no Miguel.
Acabei de fazer uma caminhada e vou ter de sair de novo e andar a pé.
E digo mais, esse peixe abriu-me o apetite e como amanhã tenho almoço em grupo no Restaurante Abade, já sei o que vai ser o meu almoço.
Jinhos
O que me ri com a história...
Bela lição ele deve ter aprendido...
Na minha terra os velhos são uns senhores cheios de sabedoria e muito respeitados....mas infelizmente na maioria do mundo ser-se velho é ser-se inutil.
Beijokitas
Ia dizer essa de estar com um olho no burro outro no cigano, mas, já o Kim se adiantou, e, como estou a meio de uma competição para ver se serei capaz de emborcar uma garrafita de Lácrima Christi...fico por aqui..queres fazer-me companhia? Beijinhos.
Já a abri, serve-te, tem lá o copo do Brandy, o cálice, achei-o pequeno demais para mim...prá guentáaaar a dor, ehhhhhh, um chocolate delicioso e tou feita numa mousse...beijinho da laura.
Não se pode perceber de tudo! Se o homem tinha olho para o peixe não podia ter também para os burros.
Assisti a essas lotas muitas vezes.
O meu pai fez serviço nas praias em Sesimbra e eu passei lá toda a época balnear. Tinha sete ou oito anos mas recordo-me perfeitamente. O alojamento era num barracão dos socorros a naufragos em frente á praia. Havia muitos espadartes que os pescadores traziam a reboque dos botes para a praia.
Zé do Canito,
Já te disse que devias escrever ou até gravar as tuas memórias.
Mas enquanto não fazes isso, proponho que me contes tudinho, tintim por tintim, mesmo aquelas diabruras mais picantes que só podem ser ditas ao ouvido, sabes? eheheh
Adoro histórias e quanto mais marotas melhor eheheh
dentadinhas
Zé, amigão
Gostei demais do teu post.
A ciganada faz sempre das suas...
Mas até que o velho mereceu...
Tenho andado, e ando, fora de Lisboa, a trabalho, e estou ansioso por regressar. Ando muito cansado, porque isto é trabalhar de noite e de dia.
Mais uns dias e volto.
Bom fim de semana.
Abraço fraterno
Botinhas
Olá zezito. Bom Domingo, dia feliz, cheio de sol e d epaz, no remanso do lar..que é onde se está benzinho...Um abraço da laurinha..
Tens uma lembrancinha na Casa da Mariquinhas.
Queres ir buscar?
Feliz Domingo
Beijinhos
Mariazita
Mas este nino num dá à costa? Calhar comprou um jerico e enveredou pelo negócio do peixe ihihihih
Ó da casaaaaaaaa
Percebo que os ciganos daí são iguais aos daqui. Em tempos idos, comprar um destes animais em mãos de um cigano era um negócio altamente arriscado. Hoje, eles ainda continuam neste negócio de compra e venda de qualquer coisa, mas a atividade principal é a prática da agiotagem, empréstimos a juros estratosféricos. E, também, ler o futuro nas mãos, é claro!
Um abraço!
Olá Zé!
Estou a passar por aqui para o relembrar que ainda não enviou o texto e imagens para a blogagem colectiva Aldeia da Minha vida( era até hoje).
O e-mail é: aminhaldeia@sapo.pt
E não se esqueça de postar o seu texto no seu blogue amanhã!
Participa blogando no www.aldeiadaminhavida.blogspot.com
Estou a aguardar por si!
Abraço, Susana
Deves andar a apanhar chuva por longe de casa...tás ausente é isso aí...
Beijinhos da nina das resteas..laura.
És um verdadeiro contador de histórias e sabes dar-lhe aquele toque que torna um facto do quotidiano numa cena delirante ehehh
Espero que ainda tenhas muitas mais em carteira para nossa delícia.
Aki em casa eu sempre sou chamada de desconfiada.
Zé
Esta é uma história que, como a maioria das histórias que nos contas, deixa-me sempre com pena de alguma coisa.
Felizmente o Miguel não serviu para dar de comer aos leões. Depois de servir fielmente o dono seria uma grande injustiça.
Nunca tive oportunidade de ver esses leilões da lota de Sesimbra. Vi outros, noutros sítios, e sempre os achei fantásticos. A tradição é algo que nos marca e deixa saudade.
Um abraço, amigo.
Ausência sentida
de quem nem disse água vai, mas, sinto que andas a moureja rpor longe...beijinhos e boas férias,s emrpe..laura.
Boas férias, nino Zé :)*
Amanhã também vou até à Ilha da Madeira. Jinhos
Esssa história ainda é pior que uma que eu conheço. Um cigano a vender um burro, dizia que era umbem animal, só não tinha era vista.
Alguém o comprou e quando chegou com ele a casa é que se apercebeu que o bicho era cego. No outro dia foi devolvê-lo reclamando que não tinha sido avisado desse pormenore, ao que o cigano lhe respondeu: "Atã ê na lhe disse que só na tinha era vista...
jocas
LÇua
Essa não conhecia.
Mas da ciganagem tudo é possível.
Não concordo com racismo, mas ciganos e pelo que têm feito, dá-me cabo dos nervos.
bj.
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