
O Sebastião Coelho era minhoto. Tinha sido desde pequeno trabalhador na industrial corticeira ali para os lados de Santa Maria da Feira, numa das secções de preparação de colas, onde é usado metil, um diluente altamente tóxico, que causa males irreversíveis à sexualidade, à vista e até ao cérebro. Portanto, quando chegou aos 55 anos aparentava idade mais avançada, sexualidade extinguida e já tinha mudado de lentes uma quantidade de vezes. Os seus óculos eram extremamente pesados, dada a espessura das suas lentes e a sentir necessidade de as substituir com frequência. Foi portanto reformado ainda antes de completar a idade estabelecida por lei para a reforma daqueles que não sofrem de coisa nenhuma, tendo regressado por isso às suas origens.
Como não era ex-director bancário, ex-ministro, ex-secretário de estado, nem ex-de qualquer coisa e a quem dão umas reformas chorudas e indemnizações de vulto, sentiu necessidade de arranjar um qualquer emprego compatível com as suas competências e possibilidades, para angariar mais alguma coisa para o sustento da sua casa.
Procurou e lá conseguiu arranjar um “ganchito” numa empresa de limpezas, como ajudante de lavador de alcatifas.
A coisa não corria mal, o Coelho mais o seu chefe faziam uma boa equipa, executavam os trabalhos com perfeição e a entidade patronal estava contente por contribuir para a resolução de um problema humano, ocasionado pelas reformas de miséria que os portugueses têm, quando extenuados ou incapacitados já nada mais podem dar à sociedade.
Na estrada que liga Braga a Vieira de Minho, um empresário da noite montou um bar na garagem de uma sua vivenda, tendo efectuado alterações no piso superior, enchendo-o de quartos, todos com lavatório e bidé dentro dos roupeiros, de forma a que cada um deles tivesse a sua independência dos wc comuns. Mandou vir do Brasil, por atacado, uma boa dúzia de moças já com a rodagem efectuada, algumas delas já com vários Km em cima da pele, outras com revisões atrasadas e algumas nem sequer tinham efectuado a última inspecção no Centro obrigatório. Chamou-as de alternadeiras e na realidade elas alternavam com os clientes no consumo de bebidas e nas visitas que faziam aos quartos, na prática de prostituição.
Os clientes eram na maioria dos casos gente do campo que usava botas grossas por causa da sua profissão na agricultura. Homens que passavam o dia a trabalhar no duro, cujo suor corre do rosto e que ao fim do dia, sem sequer lavarem a cara, os sovacos e mais alguma coisa, se encobriam dos amigos para não serem conhecidos, escudando-se na luz vermelha da garagem, tornada sala de convívio e bar.
As alternadeiras, com roupa que na maior parte das vezes somente tapava desde a cintura para cima e até um pouco mais abaixo das mamas, lá se entrelaçavam no “gentio” no sentido de o “esmifrar” com o consumo de umas bebidas e umas visitas ao piso superior, para que satisfizessem as suas necessidades sexuais, pagas a peso de ouro. O fumo era mais do que muito, pois toda a gente fumava, aliado ao cheiro das perfumes baratos que elas usavam e daqueles que eles não usam, mais uma vez ou outra com bosta de vaca agarrada ao salto das bota cardadas, já gastas na calçada do sobe e desce de Vieira do Minho, Póvoa de Lanhoso, etc., tornava irrespirável o ar na garagem com porta basculante de ferro e sem janela.
A empresa de limpezas onde o Sebastião Coelho prestava o seu novo trabalho foi contratada para fazer uma lavagem de alcatifas aos quartos do piso superior, tendo havido o cuidado de chamar a atenção do orçamentista para não ser aquele serviço executado por mulheres e que o seu inicio seria a partir das 8,30 até à 16 horas, altura em que o bar abria ao público.
Tudo assente, dia combinado e a empresa no sentido de ter um melhor rendimento em tempo horário, manda l homem que trabalharia com a máquina de lavagem, outro para o aspirador e o Coelho para ajudar a mudar móveis e acarretar água para a máquina rotativa.
Àquela hora da manhã, ver as brasileiras a saírem do quarto, mulheres que se teriam deitado, aí por volta das 4:30, 5 horas, era desolador. Desgrenhadas, ramela ao canto dos olhos, pijamas a faltar botões e barrela, sem terem sítio para se acolher, bocejando pelos cantos, resolviam meter-se na casa de banho, 3/4/5 e assim que os quartos ficavam prontos, voltavam para os seus aposentos de forma a dormirem mais umas horitas.
O trabalho corria sobre rodas e o Coelho ia numa azáfama à casa de banho buscar água com o regador para dar vencimento ao homem da máquina. O que parecia correr bem, também tinha os seus escolhos. A casa de banho estava ocupada, ouvia-se o barulho do duche, obrigando o pobre coitado com os nós dos dedos a bater à porta. Compasso de espera, porta escancarada e pedido de desculpas para encher o regador. As “donas”, enchiam-no entregavam-no e o homem da maquina esvaziava-o imediatamente e pedia mais, mais e mais. Igual a tanta correria a caminho da casa de banho, só o coelho da “duracell”, mas esse como sabem trabalha a pilhas, que este Coelho não tinha.
Era uma cena irreal só apresentada em filmes italianos: as brasileiras abriam a porta completamente nuas, recebiam e enchiam o recipiente, o homem do aspirador e o da maquina, consolavam a vista a ver o espectáculo e o Coelho numa roda viva a levar e a trazer o regador.
Até que, numa pausa momentânea, o colega trabalhador do aspirador, pergunta assim:
Então senhor Coelho, que tal a paisagem? Qual paisagem, se nós estamos aqui e não vimos nada lá para fora? Homem, o material aí nu na casa de banho! Qual material nu? Risada forte e feio. É que o Coelho, coitado, sempre que a porta se abria ficava com os óculos completamente embaciados e não via nada, fazendo maquinalmente todas aquelas operações; todavia, pelo sim pelo não, tirou-os e o resultado foi o mesmo, o “metil” tinha feito os seus estragos.
Desgraçado de quem não vê, mas também tem uma vantagem: coração que não sente.
Era e ainda é um homem puro, por quem tenho admiração e amizade e sempre que o vejo não perco a oportunidade de dar uma boa risada à custa daquela cena.