13.3.12

Os Piolhos


Vocês fazem ideia do que é um "puto" de 11 anos, acostumado a viver no campo entre cepas e árvores de fruto, frequentar a escola primária, nunca ter ido a uma sala de cinema e de repente diariamente apanhar o autocarro para Cacilhas e ali o barco, atravessar o Tejo, olhar o Cais do Sodré, atravessá-lo cheio de medo para não ser atropelado, subir a rua do Alecrim, cumprimentar o Camões ( que só com um olho via mais do que eu com os dois ) e chegar à Veiga Beirão, com uma multidão de rapaziada à espera, ir ao passadiço do elevador de Santa Justa e ver Lisboa de outro ângulo? O espanto, as descobertas que eu fiz e as gravações que me ficaram para sempre na memória. Foi o máximo, considerava-me um herói, o grande protagonista da maior aventura da minha vida. Nos primeiros tempos, eu nem conseguia estudar...
Passava pelas ruas que meu pai me ensinou e me levava directamente pelo caminho mais curto, rumo à Veiga Beirão. Via as outras e pensava, onde iriam parar. Claro que decorridos 20 dias, tinha ido até ao Calhariz, ao Largo da Misericórdia assistir à extracção da Lotaria Nacional, ficando atento a tudo aquilo a ver se ouvia o pregão do 17.377, pois sabia que meu pai jogava num numero certo todas as semanas. Coitado, bem poderia esperar sentando, até hoje ainda não saiu. já tinha passado pela Travessa da Água Flor e dado um pulo à rua da Rosa, em síntese, estava a familiarizar-me com o Bairro Alto. Desci pela Calçado do Sacramento, conheci a rua Nova do Almada e a do Carmo e finalmente o Rossio. A Praça da Figueira ali ao lado, deixou-me perplexo.
Na rua do Loreto, um cartaz anunciava o cinema do mesmo nome e a que todos chamavam "Piolho". ( Fiquei mais tarde a saber que com aquela alcunha havia mais alguns e tive de ganas de os conhecer todos).Os filmes eram sempre de "cowboyadas", o preço para a minha bolsa era incomportável, mas consegui fazer alguns "amealhos" poupando na sopa que não comia, recebendo a recomendação diária de a ir papar ao restaurante " Perús" situado no Cais do Sodré, mais uns cobres para material escolar que não necessitava e estavam arranjados os primeiros "tustos" para as também primeiros sessões cinematográficas continuas.
Comprei bilhete de balcão, devia estar trémulo, era a primeira vez, entrei com o filme já a decorrer e sentei-me ao lado de uma mulher que tinha um xaile pela cabeça e por debaixo dele ia dando uma fumaças num cigarro. Tudo aquilo era uma novidade para mim. Os cavalos a correr e o "Sheriff" atrás dos bandidos que tinham acabado de assaltar um banco, ia atirando um "tiraços" sem acertar em ninguém. A "fulana", vira-se para mim e diz-me ao ouvido. Menino mete a cabeça debaixo do meu xaile e lê as legendas para eu ouvir. A partir daí comecei a apanhar o fumo do cigarro, mas para ser prestável, não só meti a cabeça debaixo do xaile, como a encostei todo derretido à cabeça dela, passando-me pela «mona» "milhentas" fantasias que não conhecia, mas que entre a rapaziada ouvia falar.
Quando cheguei a casa, a mãe Júlia reparou que o Zé estava continuadamente a coçar a cabeça.
Foi buscar um pente mais fino entre dentes, colocou um jornal no assento de uma cadeira e passou-o pela minha cabeça, na tentativa de caçar alguns "javalis" que andassem ali perdidos no meio daquele matagal.
A sua queda no jornal, soavam a tiros dados com uma espingarda de dois canos, daquelas que já estão em desuso e parecem o nariz de um perdigueiro. Contou a mãe Júlia vinte e oito piolhos dos grandes. A seguir veio o interrogatório, desculpando-me, que decerto os tinha apanhado na escola. Mal sabia ela, que assistia aos primeiros passos das aventuras e desventuras do Zé.

32 comentários:

Maria disse...

Ó Zé! tu és um homem das Arábias. Precisavas de te meter debaixo do xaile da mulher, com a cabeça encostada à dela, para ler as legendas? Tu quiseste foi descobrir mais "ruas" e costumes da capital.
Pobre mãe Júlia que teve que andar à caça dos bichos!
Devias ser fresco, devias.
Chegámos à idade, em que até uma camada de piolhos, apanhada na infância, nos faz saudades e sorrir.
Beijinhos
Maria

São disse...

Eu també tive piolhos, mas foram apanhados inocentemente, rrss e em adulta!

Quando é que te decides a fazer uma compilação das tuas vivências?!

Já fiz a "cobertura" de dois lançamentos de livros: gostaria imensoooooo de poder fazer a do teu!!

Abraços e besos.

Pascoalita disse...

Caramba! As tuas aventuras são como o Constantino ... já vêm de longe ahahah


Começaste bem cedo a fazer caminhadas no caçadão da Capital e devias ser um catraio daqueles bem abelhudos (entende ultra curioso, nada e mais ahahahah)

Essas caboiadas não eram aquelas em que no final morriam todos, só ficavam os cavalos? ahahah e ocorriam sempre num descampado sempre igual ahahah

Xiiiiiiiiiii nem me fales em piolhos ... amanhã conto uma cena que mete desses intrusos que se passou comigo, durante a minha adolescência, pois agora está na hora de ir "olhar pra xdentro" que amanhã quero sair cedo do ninho.


jinhos

Elvira Carvalho disse...

Eheheheheh! Passou-lhe pela cabeça milhentas fantasias e 28 piolhos.
Bela sessão.
Ai amigo eu bem digo que você devia escrever um livro, mas não me dá ouvidos.
Um abraço

Zé do Cão disse...

Maria
Eu era um inocente menino.
Ela a "piolhosa" é que foi uma sem vergonha.
encheu-me os pulmões de fumo e cabeça de parasitas.
E à saída ainda lhe disse que voltava...

Beijo

Zé do Cão disse...

Saozinha

Seria a vergonha das vergonhas se eu compilasse as minhas desventuras.

No passado Domingo com a minha "Dona", fui ao Trindade ver o "Libertino", antes fui ao Largo do Carmo, estive à porta da Veiga Beirão, estive no passadiço do elevador de Santa Justa,lá de cima apreciei a Vila de Palmela e mirei a leitaria à esquina do Largo com a calçada do Sacramento.
Só os bancos de madeira foram substituídos por outros de pedra. Tantas fezes joguei naqueles ao "firix". De resto está tudo na mesma, tudo igual. Passava-me de dizer que o carro eléctrico já não tem inicio de carreiro, junto ao elevador. O tempo passou, alterou e tudo voltou a ser como dantes. Até o GNR está de plantão novamente
à porta do quartel.
Beijo

Zé do Cão disse...

Pascoalita

"A Fama do Constantino já vem de longe".
Lembraste dessa publicidade em cima dos prédios no Rossio.
"Oliva, Oliva linda feiticeira"
A Cochinha do Tide e da Farinha Predilecta, que dava para o avô e para a Neta...
Quanto aos "tiraços" morria tudo e a noiva casava com o cavalo. Era a moda do Oeste. A propósito, tu não moras no Oeste?
Não tens um cavalo? e ovelhas, galos, galinhas e aves de rapina?

Se eu tivesse um macaco, o gajo catava-me e à mãe Julia já passava despercebida.

biquinhos

Zé do Cão disse...

Elvira

Seria um livro cheio de "sarna".

eu atrevia-me lá a fazer uma coisa dessas.
E em outros cinemas da capital também passei coisas lindas, ou lá se passei.
Talvez me atreva, pelo menos para, lembrando ficarem a saberem como era.

O meu abraço, boa amiga

Pascoalita disse...

Estou de volta!

Hoje fui até à capital, mas o passeio não valeu a pena. Não subi o elevador de Sta Justa, nem sequer fui à baixa. Pensando bem, a baixa já há muito que deixou de ser actractiva, aliás vendo bem, já nem é dos portugueses ...

A cena dos piolhos lembrou-me o que me aconteceu há muitos anos.

Como já tenho dito, vim para Lisboa com 15 anos e uma vez por ano fazia uma "visita curta", tipo "visita de médico" às minhas origens.

Nuna dessas vezes, uma vizinha nossa, viúva, foi lá dormir a casa. Dormimos 3 na mesma cama. Eu fiquei no meio.

Não estranhei que a velha dormisse de lenço preto na cabeça, pois as velhotas nunca o largavam, mas a minha irmã também dormir de lenço, isso sim, já era bem estranho. Mas lá passámos a noite juntinhas eheheh

Confesso que arté então nunca tinha visto piolhos!!! Só conhecia as primas afastadas, as pulgas eheheh

A viagem de regresso a Lisboa ocorreu no dia seguinte e a meio caminho comecou a "coçadela", pelo que mal cheguei a Lisboa, a minha cabeleira farta, tipo juba, foi submetida a uma esfregadela com "sabão de alcatrão", na altura o tratamento de combate à caspa.

Em Lisboa, morava num 1º andar da Rua José Ricardo, perto da Praça do Chile, e no 2º andar morava uma família amiga que tinha uma hóspede. Lembras-te que nos anos 60, muitas famílias alugavam um quarto, geralmente todas as casas tinham "quarto independente", para ajudar no orçamento. No caso, era a "menina Augusta, uma jovem bancária, vaidosa e orgulhosa da sua cabeleira loira!

Era Sábado e a dona da casa passava o fim de semana fora. A moça tinha medo de dormir sozinha e pediu-me para lá ir dormir com ela, a que acedi de boa vontade.

Já comichão foi aumentando ... depreendi mais tarde que da aldeia apenas um "casalito de parasitas" mais atrevido, teria embarcado comigo e entretanto teria feito criação ...

Não tardou muito que os padrinhos se apercebessem e lá fui eu à farmácia comprar QUITOSO.

O engraçado foi que 2 ou 3 dias depois, chego ao 2º andar e deparo com a "menina Augusta" estendida no sofá, com a cabeça no colo da D. Ana e esta penteado, madeixa a madeixa, usando o caracterísrtico pente piolho" com o tal "pente das lêndeas" eheheh

Imediatamente percebi o que tinha acontecido!!!

Envergonhada e invadida por um sentimento de culpa, preparava-me para confessar a culpa, quando ao questionar o que se passava, me foi dito que "a loirinha apenas tinha caspa"!!!

Assim, mantive-me calada ... até hoje ahahah

jinhos

Kim disse...

Zezito!
Também andei por esses lados! Eu era um menino, mais puro e mais ingénuo que tu, e não tenho recordações de nenhuma piolhosa. Raras vezes fui ao "piolho" e apenas me lembro que ficava embasbacado com o traçar de pernas que as "manicures" da Rua do Crucifixo e da do Loreto teimam em fazer para acirrar os ânimos prestes a despontar.
Já fazemos parte da Lisboa antiga.
um grande abraço para ti, meu amigo

São disse...

Meu amigo, se não publicas o livro...zango-me a sério, rrsss

Gostaram de "O Libertino"? É que eu também tenho vontade de ir ver

VIVA O SPORTINGGGGG!!!!!!!

Beijinhos VERDES, rrss

Zé do Cão disse...

Pascoalita

Piolhos nunca mais os vi, pulgas só as amestradas e quanto a lêndeas, são "lendas".
E não é que em Lloret Del Mar na Catalunha quando de férias, apanhei com a unha e numa perna ou outro parasita, mais pequena e nem por isso menos incomodativo. Fui à Farmácia comprar um eficaz produto como prevenção.
vi-me aflito para me compreenderem, o gajo era catalão e "CHATO que se fartava". quando finalmente me entendeu, ao ler o rotulo, pedi mais forte. Resultado. Caiu-me a pele..
(era outra historia)
Biquinhos

Zé do Cão disse...

Kim
Por esses lados e nem sequem desceste apanhas-te um parasitasito ?
Sortudo...
Era fino, rua do Crucifixo ao Chiado. Nunca perguntas-te as horas ao manequim que estava à entrada dos Grandes Armazéns do Chiado?
Eu era mais pobre, contentava-me com a rua do Correeiros, e o animatógrafo do Arco Bandeira.
(esse ainda hoje tem história)
Abraço Kim

Zé do Cão disse...

São
Não me metas em trabalhos, já estou velhote.
A peça tem 6 personagens, é gira, os actores são bons, mas muito pesada. Como sabes o teatro é do Inatel e por isso os bilhetes são baratinhos. Eu fui à 16 horas e o único espectador que não era da terceira idade, era eu.
Já vi, não voltava a ver. Os principais personagens são José Raposo e ex-mulher.
Os verdes ontem, iam-me matando, nem sei como o nosso coração resiste a tanto sofrimento.
Beijo

Pascoalita disse...

Faço coro com a Sãozinha:

Publica um livro, sim!!!

Yá! Yá! Vivam os Verdinhos!!!

São disse...

Obrigada, amiga, pelo apoio!!

Velhote???? Tu sabes lá o que é velhice...rrrsss

Vá, começa mas é a fazer a compilação das estórias!!!

Ser VERDE, meu querido Zé, é ter esta marca distintiva: sofrer e sofrer até ao último cagagésimo do derradeiro segundo,


Abraçso bem verdinhos(não verdetes, rrrss)

Zé do Cão disse...

Pascoalita
Tem juízo, amiga.
Isso só irá acontecer quando souber fazer e temperar uma sopa de Urtigas, das que picam muito.


biquinhos

Zé do Cão disse...

Sãozita

Só do céu e com a aprovação do S. José Carpinteiro.
Quando um dia acabarem as historias então penso nisso, agora vou estando entretido com as narrações que aqui faço.

jinhos

Magia da Inês disse...

Pois é, Zé!!!
Foi tirar uma casquinha... né?
Bem feito!!!
Kkkkkkkkkk

º°❤ Bom fim de semana!
°º✿ Beijinhos.
º° ✿ ✿⊱╮Brasil.

Zé do Cão disse...

Magia

Casca? eram com miôlo e tudo.

Bem feito, só por ser menino bem comportado e ajudar alguém que não sabia ler.


Beijo

Je Vois La Vie en Vert disse...

Olá Zé,

Também venho eu deixar os meus beijinhos verdinhos !
Por mais estranho que seja, eu nunca tive piolhos e nunca vi. Os meus filhos nunca tiveram. Agora só me falta os ver nos meus futuros netos se algum dia tiver...

Beijinhos
Verdinha

P.S. Então, e a história da americana, esqueceste de me mandar...?

Zé do Cão disse...

Verdinha

Pois já não falta muito que os vejas. É que, vamos tendo conhecimento que estão de volta.
Mas oxalá que tudo volte à normalidade e a pobreza seja debelada.
Porque eles são sinónimo de miséria e pobreza.

Beijo

Pascoalita disse...

A propósito do que disse a Verdinha, não sei se sabem, mas os piolhos são tipo camaiões, assumem a cor do habitat, logo nos cabelos loiros, passam despercebidos.

Sabendo disso, como os meus filhos eram loirinhos em criança, andava sempre a espreitar-lhes as cabeças, mas apesar de vários alertas dos colégio onde andaram, nunca trouxeram "intrusos" para casa eheheh

Bom Domingo, Zezito e todos os visitantes :)*


jinhos

Zé do Cão disse...

Pascoalita

Caimões ou camaliões. Estes últimos tem uma língua enorme e os primeiros seriam um desastre se eu tivesse na cabeça 28 crocodilos.
Já cá não estava... os caimões já me tinham comido.ahahah...
Eu percebi querias dizer camaliões, porque mudam de cor.

Biquinhos

Anónimo disse...

ahahahahah

claro, camaliões eheheh

Zé do Cão disse...

Capitão

Um enorme

abraço

Anónimo disse...

Também tive e, por este caminhar, ainda volto a ter, até pela minha actividade.

::))::))::))

LUIZ

Zé do Cão disse...

Luiz

Claro estás rodeados de piolhosos e outros parasitas, não é?


o meu abraço

Mariazita disse...

Meu querido amigo Zé
Estive a ler os comentários (só alguns... todos são muitos...) e é interessante verificar que toda a gente tem histórias de piolhos :)
Por incrível que te possa parecer consegui atravessar a infância sem a visita de tão simpáticos (!!!) bichinhos, mas não escapei às penteadelas com o tal pente de dentes finos, o que me fazia berrar a plenos pulmões.
Uns anos mais tarde... já mãe de três filhos pequenos, em Cabo Verde uma amiga minha, professora, apanhou piolhos caboverdeanos rsrsrsrssss.
O resto conto noutra altura :))))))
Talvez no meu próximo post, acabou de me ocorrer a ideia :)

Boa semana, amigo meu. Beijinhos

Zé do Cão disse...

Mariazita



Com, ou sem piolhos, fico em pulgas...


beijo

rosa-branca disse...

Olá amigo, Gostei da história, mas já é tempo de ficar sem os ditos piolhosos...até me deu comichão ao ler...beijos com carinho

Zé do Cão disse...

Rosa-Branca
Eu também sou da mesma opinião e se calhar é precisamente por isso que em
Portugal tanta gente se coça.
Veja-se que ainda ontem houve uma manifestação e a policia abusivamente desatou a coçar as costas de alguns deles. Protesta-se, protesta-se mas as costas estão coçadas e nada já há a fazer.

Beijo