
Em mil novecentos e setenta e um, era Presidente da Câmara Municipal de Alenquer um familiar do Zé, pessoa prestigiada na Vila e na região. Era o Tempo em que os Presidentes da Câmara não ganhavam um "tusto" pelo trabalho que prestavam ao Concelho.
Quando da realização dos festejos anuais a Câmara Municipal sempre ajudava a Comissão das Festas no suporte das despesas. Como sabem, a Vila é extremamente bonita e presta-se a elaborar um presépio de Natal de efeito surpreendente. No seu brasão tem representado um cão, porque, diz a lenda, meteu árabes e cristãos, mas isso poderá ser história de outra "fazenda" e não esta que pretendo contar agora.
As Festas Populares da terra iam realizar-se, as ruas estavam engalanadas, os coretos a postos, as bandas musicais devidamente convidadas (era hábito as bandas tocarem gratuitamente, a troco de permuta com a banda da terra onde actuavam, aquando da realização das suas).Era salutar este convívio, onde o povo tirava os seus proveitos ouvindo as bandas tocarem nos coretos das suas povoações sem gastarem dinheiro, dado ser praticamente impossível fazê-lo doutra maneira em virtude do grande numero de executantes. A organização local, comprometia-se apenas em dar de comer aos músicos e quando necessário dormida, sendo distribuídos estes pelas casas da aldeia a troca de nada e a expensas dos anfitriões. Quando a exibição limitava-se a uma só actuação e portanto o regresso a casa era no mesmo dia, apenas era servido um lanche, antes de a Filarmónica subir ao coreto.
"Certa vez em Montelavar actuou a Banda Filarmónica de Amora, e quando no coreto fazia a sua actuação, o trombone recusou-se a deitar cá para fora os seus acordes, dado estar empanturrado de sandes de chouriço e queijo que um "malandreco" pela socapa enfiou no instrumento musical".
A Comissão ds Festas de Alenquer, no sentido dos festejos terem o brilho merecido, tratou de contratar por pouco dinheiro um grupo de cabeçudos, que como sabem actuam sempre com grande êxito nas festas e romarias de qualquer povoação nortenha.Como não queriam pagar muito, o grupo contratado também cortou nos elementos que deveriam dar a entrada na inauguração dos festejos, trazendo pelo sim, pelo não, um dos bonecos para ser usado por alguém que estivesse disposto gratuitamente a fazer de dançarino.
A coisa não era fácil, pois os dançarinos habituais, já o fazem há muitos anos e estão perfeitamente habituados aos equilíbrios que são necessários usar, para não se estatelarem no chão com aquela cabeça enorme acima do seu corpo e de onde só conseguem ver o que está à sua frente por um pequeno buraco feito na roupa na zona do umbigo.
Em todas as terras há sempre alguém que por isto ou aquilo é engatado para os mais diversos serviços. E não podendo fugir à regra, em Alenquer a figura escolhida foi o Miguel, pessoa que todos conheciam e a quem todos davam "algum" pelos pequenos recados que ele também fazia.
Colocar o boneco sobre os ombros do Miguel não foi fácil, já que, ele não estava lá muito virado para entrar nos viras do Minho, era pesado como o diabo, e tinha para prende-lo ao seu corpo uma infinidade de correias. Quem o apertou nunca se tinha metido também num trabalho daqueles e portanto também sentiu dificuldades. Mas, enfim, com todo o trabalho que dava e com o Miguel a barafustar, porque aqui estava apertado demais e ali de menos, mais o desequilíbrio que sentia, a coisa estava quase pronta e já se ouvia o toque dos bombos a afinar as pancadas esperando pelo novo elemento, enquanto o povo aguardava ansioso, pela novidade das cabeçorras.
O Miguel anuncia que quer cagar. Não pode Miguel, então agora depois de todo este trabalho é que te lembras duma coisa dessas? Mas o Miguel está à rasca, dizia ele. Quem estava por perto desata a rir e o homem que tinha apertado as correias diz ao Miguel para dar uns pulinhos, podia ser que passasse. O Miguel barafusta, dá uns saltitos, vai dizendo, Miguel salta e caga e pulava, pulava. Presumivelmente a vontade foi ainda maior, desequilibra-se e salta outra vez. E não é que o Miguel não conseguindo o equilíbrio necessário caiu para cima de uma secretária, a cabeça do boneco partiu-se e cagou-se mesmo pelas pernas abaixo. Pois é verdade, o cheiro nauseabundo empestou aquele pequeno cubículo, mas desatar as correias todas e convencer o Miguel para entrar na dança, é que ninguém conseguiu. Nos anos seguintes ,o Miguel tinha sempre o cuidado de não estar por perto na realização de eventos, não fosse alguém lembrar-se dele.