27.5.11

O Barbeiro/Castrador


O David era um homem alto forte, usava uma bicicleta quase sem pintura, não tendo luz na dita, porque não estava para usar aquele aparato que trabalhava a carbureto e que pouco alumiava, e em vez de campainha ou buzina de bola de borracha, usava uma cavilha (prego grande) atado com um cordel, com que batia no guiador (este a parecer uns chifres de bovino), para alertar os transeuntes da sua presença. A sua profissão era Barbeiro e Castrador ou Castrador e Barbeiro, nunca soube bem qual era a profissão em que era mais especialista. Como Castrador, nunca lhe senti a faca, e daí não saber se era exímio nessa arte. Como Barbeiro, a navalha passou-me muitas vezes pelos queixos e com resultados mais ou menos positivos. Também não tomei nota se houve mais positivos ou negativos, pelo que admito um empate.
Quantas vezes o David saía bem cedo de sua casa montado na sua velha pedaleira para acorrer a uma chamada urgente, no sentido de capar um porco, e depois quando regressava ainda com a roupa suja daquele trabalho já estavam um ou dois clientes à sua porta porque pretendiam cortar o cabelo.
Era casado com a Beatriz, "enfermeira relativa", já que não tirou nenhum curso, mas dava uma injecções a quem necessitava, tendo aprendido nuns desgraçados cães vadios, visitas do seu quintal e que iam fazer a "corte" à sua cadela de raça "Castro Laboreiro" que acompanhava o David quando nas horas de lazer ia à procura de algum coelhito.
Raramente vestia bata branca no exercício de "figaro", mas era artista rápido e destro com a navalha, que o digam os clientes que saiam porta fora a deitar sangue por alguma borbulha que não resistia ao fio da navalha mal afiada.
As suas mãos «manápulas grandes» habituadas a apalpar os testículos aos suínos eram de pele grossa causticadas pelo sol do verão e o frio do inverno, e quantas vezes o David na ânsia de satisfazer algum cliente mais apressado afiava a navalha na palma da mão, fazendo um corte para experimentar se estava em condições, naquela pela dura resistente na parte lateral da sua mão direita, já que era canhoto.
O "After Shawe" não passava de uma pedra que parecia gelo passada pela cara que fazia arder e a cicatrização de um descuido, era remediada com uma mortalho de fazer cigarros de tabaco "onça" avulso, e às vezes não chegava uma. Quando as coisas corriam mal, a cara do cliente ficava pálida e levava de chapa uma mortalha que o sangue colava à cara, quando não era duas ou três.
Mas mesmo assim, não lhe faltavam clientes, já que, ele tinha olho e fazia um desconto a quem fosse cliente nos seus dois negócios.
Um dia, na paragem da camioneta de passageiros que vinha de Cacilhas com destino à sede do Distrito, saiu um sujeito aperaltado, bigode farfalhudo, sapatos bem engraxados (ficou tramado
as ruas lá da terra era de areia solta), dirigiu-se a uma pequena mercearia e perguntou onde havia uma barbearia. O merceeiro, não conhecia aquela cara e curioso, tentando explicar, atrapalhou-se na sua maneira de dar explicação, mas remata desta maneira, olhando e apontando para o chão.
Meu caro Senhor, é muito fácil lá chegar, siga sempre este rasto de sangue e vai lá ter. Os olhos do homem saltaram de terror, nas como não viu sangue nenhum foi embora sem dizer obrigado.
O certo é que o homem conseguiu achar a barbearia do David,esperou pacientemente pela sua vez e chegou o momento de colocar o David à prova de fogo, pensando que se calhar seria melhor ter feito um seguro de vida.
Como era cliente novo e desconhecido, pelo sim pelo não, David pediu com um grito para a Beatriz lhe trazer a navalha nova. (o que fazia pela primeira vez, sem carta de recomendação).
O cliente foi-lhe dizendo que tinha ido ali para fazer a barba, dado que no outro dia sábado, ia ao casamento de uma moçoila lá da terra. Queria portanto um trabalho escanhoado com perfeição...
O David dá-lhe a primeira e segunda passagem, e a cara do cliente tinha salpicos de sangue que o David atabalhoadamente tenta estancar. O "Mestre" grita novamente à mulher que estava lá nos confins da cozinha e pede um copo de água. A mulher chega lesto, o David pega no copo e coloca-o na mão do cliente, que recusa e diz que não tem sede. O David responde-lhe; que não é para beber é somente para bochechar e verificar se a cara está rota.
Mas o Barbeiro estava imparável, dá espuma outra vez na cara do cliente, ele barafusta e diz que está bem assim. Que não, que não, ele tinha dito que ia amanhã ao casamento da nubente lá da terra e portanto ia escanhoado a preceito. Vê, vê, há sempre uns cabelitos que nos escapam e aqui o seu pescoço está cheio deles. E vai puxando as peles, e puxa e corta e torna a puxar e o cliente está num pavor.
Até que o David, diz assim. Meu caro senhor, tenho feito um trabalho notável, mas o Senhor tem aqui no pescoço um sinal preto enorme. O homem salta da cadeira, olha para o espelho e vê efectivamente aquele sinal enorme escuro e cheio de pregas.
Oh. Meu Deus, você já me puxou tanto, tanto as peles, que já tenho o buraco da saída do corpo aqui no pescoço.
Atirou com a toalha para cima da cadeira, pagou, saiu, ninguém ficou a saber se no outro dia tinha ido ao casamento, mas nunca mais voltou aquela terra.

34 comentários:

Maria disse...

Esta é boa Zé.
Beijo
Maria

São disse...

rrrss rrsss

Valha.nos o teu bom humor!

Um bom final de semana...com petiscos à maneira

Zé do Cão disse...

Maria

Agora vou descansar. Com o FMI fiquei muito cansado, pelo que meti férias.
O Patrão ainda fez alguma relutância mas depois anuiu.
Até pró mês que vem

Zé do Cão disse...

São

Passei pela Barbearia, apresentei a carta de recomendação, tive direito a navalha nova, mandei fazer a Barba e agora até ao mês que vem.
Se o avião cair, encontra-mo-nos lá no sitio.

Abraço

Cusca Endiabrada disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Pascoalita disse...

Ahahahah Isso é que era "brio profissional"! O David deu uma, deu duas, e só à 3ª passagem ficou satisfeito com o seu trabalho eheheh

Puxa! Se tinha a mesma destreza na profissão de castrador, nem sei como não iliminou a "raça suína" eheheh

Na minha aldeia, a tarefa de "capador de porcos" estava a cargo do meu avô paterno, que acumulava com a profissão de pedreiro.

Vais de férias? Aproveita, antes que o FMI imponha 12 meses de trabalho, ininterrupto, sem direito a pausas ahahah

Boas férias
jinhos

Zé do Cão disse...

Pascoalita

Biquinhos

Cusca Endiabrada disse...

Carta de recomendação dessa barbearia já foi entregue por mim ao tal "PinóSocrista"! E constou-me que ELE mordeu o isco e já vai a caminho.

E o David Castrador já tem a naifa afiada à espera ... cheira-me que o "coisinho" vai sair de lá sem "Crista" ihihihihih

Então agora que eu estou de volta, Vossemecê vai de férias?

Volte logo ...

dentadinhas

Maria disse...

Boas férias amigão. Descansa e vai-te lembrando de mais histórias para contar à vinda.
Beijo
Maria

SEVE disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Kim disse...

Oh Zé!
É preciso ter tomates para ir a esse barbeiro.
Como te lembras, no nosso tempo o barbeiro era multifacetado, pois além dessas duas profissões que este tinha também os havia que eram dentistas.
Coitados dos que lá caíam.
Chamarem dentista a um arrancador de dentes, não é lá muito encorajador.
Grande abraço amigo

Laura disse...

Olá Zézito, há quanto tempo!

Vi o castrador a começar o trabalho num porco dos meus avós e nem quis assistir ao resto, ó pernas pra que te quero, que horror, inventavam cada uma, mas, era e é a vida pois ainda hoje o fazem.
Barbeiros iam a casa dos avós cortar o cabelo, agora vamos nós ao salão...

Um beijinho

laura

Cusca Endiabrada disse...

Parece que o "Socratintas" abdicou de experimentar a naifa do "Barbeiro/castrador" e em vez disso, deu à sola ihihihihih

dentadinhas

Pascoalita disse...

De passagem para fiscalizar o trabalho do David e ansiosa que o descanso e as férias te inspirem e dêem origem a mais historietas divertidas eheheh

jinhos

Cusca Endiabrada disse...

"Atão"??? foste fazer a barba ao David?

Elvira Carvalho disse...

Fico sempre encantada com estas suas crónicas.
Um abraço e bom fim de semana

Je Vois La Vie en Vert disse...

Olá Zé !
Há tanto tempo que não passava por cá !
Li com muito gosto e alegria, como sempre, a história do barbeiro e da sua esposa. Como é que tinhas coragem de deixar a tua cara e pêlos nas mãos deste "carniceiro" ??? Eu teria deixado crescer a minha barba como a do Bin Laden...que deve estar com as virgens todas agora...
Felizmente naquela altura não havia SIDA ou, pelo menos, não se conhecia...
Espero que estejas bem, dá notícias, PF
Beijinhos amigos
Verdinha

Pascoalita disse...

Breve interrupção no cultivo das "hortas", para matar saudades e deixar votos de continuação de boas férias.

bjitos

Laura disse...

Zézito, acho que andas a arejar pela nossa terra ou pelo País vizinho...tás demorado.

Um beijinho.

laura

armalu,blogspot.com disse...

Não deve haver duvidas para ninguém, ler Zé do cão é para rir, tal o humor sadio das suas historias. Parabéns Zé e obrigado pela boa disposição que nos transmite.

Cusca Endiabrada disse...

Tou começando a ficar preocupada ...

Calhar o Zezito cruzou-se mesmo com o David ...

"Combersa puxa combersa"... vai daí o home quis aplicar-se mostrando suas aptidões (em ambas as áreas) ... afiou demasiado a naifa ... e pronto ... era uma vez uns "tintins" ihihihih

Pascoalita disse...

Imaginação não te falta, Gaiata endiabrada eheheh

A última vez que vi o nino Zezito, estava de óptima saúde, gozando férias num lugar lindo e calmo que devias conhecer.

Porta-te bem!

Laura disse...

Ai Pascoalita, até já me escreveram a perguntar por ele, apreeee, devia avisar pois deixou-nos em cuidado, quando chegares zezito, vais ouvir das boas, olá se vais...

Beijitos e melhores férias.

laura

Zé do Cão disse...

Diabinho em pessoa

Estou de volta, querida amiguinha

Biquinhos

Zé do Cão disse...

Maria

Foi tão bom que nem sonhas.
Beijos

Zé do Cão disse...

Kim

Foi preciso ter tomates para estar dois meses ausente e de férias.
Nunca me tinha dado a este luxo em toda a minha existência.
Mas digo-te que é coisa para repetir.
abraço

Zé do Cão disse...

Laurinha, cá estou de volta minha amiga
beijos

Zé do Cão disse...

Elvira

é bom estar de férias, longe, longe as preocupações se esvaiam nas ondas do mar e pelo vento no alto de montanhas.

beijos

Zé do Cão disse...

Verdinha

Dei à solta por um mês e afinal perdi-me e foram 2. Mas vim renovado, vou viver mais 20 anos pela certa. Só vou morrer quando acabar a crise em Portugal.
Beijos

Zé do Cão disse...

Laurinha
Andei pelos Algarves, fui a Barcelona e Tarragona. Fiz uma excursão daquelas que dão um presunto e um garrafão azeite, (espero que não tenho "colza") a Andorra, mas partindo de Girina e finalmente fui inaugurar o meu "cortiço novo" na Galiza.
Beijos

Zé do Cão disse...

Armalu
Com este novo figurino, já não te conhecia. Já tinha saudades dos pratos da "maluar".

Foi bom ter-te de volta.

Abraços

Zé do Cão disse...

Cusca
És mesmo maldosa.
Coitado do Zé, que fazia ele sem as campainhas?

Biquinhos

Zé do Cão disse...

Pascoalita

Com que então o Zé estava num sitio lindo. Já percebes agora o que quer dizer biquinhos. Há ou não ração para eles?

E quando contas no teu blogue essa jantarada que tiveste no Catamaram em plena ria de Arosa?
E a Igreja das Conchas? e os perfumes lá Toxa? E o Gel de Banho "Magno", não me digas que não compraste?
biquinhos

Zé do Cão disse...

Magia

Obrigado pelo carinho e cuidado pela minha falta.
Estou de volta e com ganas de continuar.

Beijos