
Agora Tróia é assim
Não venho aqui falar do Cavalo de Tróia, mas sim de Troia, aquele sítio magnifico com uma praia que se estende até Sines e que, de Setúbal, do Outão, da Figueirinha e da Serra da Arrábida se aprecia com prazer.
Nos anos 60, Tróia era deserta e selvagem. O que por lá havia eram muitas pequenas barracas de madeira, que o "teso" instalava para passar uma férias, gozando e aproveitando as belezas de uma das mais belas praias de Portugal. Assim, as viagens para lá eram feitas somente aos sábados e domingos, com partidas de Setúbal e mesmo assim em horários muito condicionados.
Quem fosse fazer um fim de semana e não apanhasse o ultimo barco de Domingo, estava frito, só tinha duas maneiras de poder voltar. Ou alguém que tivesse um barco para lhe dar boleia, ou vir a pé dando a volta por Alcácer do Sal. Tinha no entanto inúmeros encantos. É que estava uma semana completamente sozinho, num paraíso, (télélés ainda não estavam descobertos), Setúbal ali tão perto, mas o rio Sado impedia. Pescava para comer, tinha oportunidade de apanhar uns «robalitos, navalhas, santolas, caranguejos», e a água ou se prevenia antecipadamente levando um barril, ou fazia um buraco nas dunas e servia-se da que encontrava por infiltração nas areias, deixando por isso de ser tão salgada.
Os wc das barracas de madeira e até das tendas de campismo daqueles que se aventuravam a ficar por lá, eram as dunas e/ou atrás das «barracame». Claro que o dono da barraca, não fazia atrás da sua, por questões óbvias. Faziam sempre atrás das barracas dos outros. Os campistas montavam as tendas ás vezes bem grandes, as chamadas familiares, na própria praia e deixavam-na montada até ao próximo fim de semana ou cediam a um amigo para na sua ausência a aproveitar .
Tive um companheiro de trabalho, que sabendo que um seu amigo tinha lá uma tenda montada todo o ano e muito tempo sem a usar, emprestou-me a dita, sem dizer nada ao seu dono e também sem me dizer que não era ele o dono. Só que o dono tinha outros amigos que faziam o mesmo. Portanto em face da oferta, preparei todos os apetrechos necessários para uma boa semana de campismo de praia selvagem. Que delicia, que experiência inolvidável, pensava eu. Aliciei e tratei de convidar uma das minhas namoradas chamada Margarida, que mais tarde me fez a «folha» nos jardins do Alhambra em Granada, conforme aqui relatei no meu texto de 15/7/08 «Margaridas Portuguesas nos Jardins do Alhambra» e lá partimos rumo a Setúbal, fazendo a travessia do Rio Sado num barco igual aos Cacilheiros da travessia do Tejo.
Alongamos desde o cais de atracagem até à praia com a tralha e depois de localizada a casa de pano e corrermos o fecho "ecler" da porta, tivemos a primeira decepção.
Aquela tenda, há um mês ou mais que servia de "WC" aos residentes da Troia. A minha expectativa e o meu bom humor ficou desvanecido. As pétalas da Margarida, começaram a murchar (não era com certeza por falta de adubo, era por adubo a mais), cocei a careca, e quando um passante residente, se meteu comigo e perguntou: Então amigo está tudo bem? Olhei para ele e respondi a rir. Está um bocado desarrumado, não haja duvida. Pedi-lhe ajuda e pegando nos mastros levamos a casa para 100 metros de distância, praia fora. Pelo caminho ia pensando que se calhar este samaritano também ia lá arriar as calças.
Deixamos o recheio ao sol a tostar na esperança que a maré subisse, ou chegasse o batalhão de limpeza biológica, que naquele caso teria de ser uma boa centena de escaravelhos. Teriam entretimento até ao fim da época balnear. Tivemos ainda de lavar a bainha duma parte da tenda, pois um dos utilizadores deixou-lhe uns salpicos intestinais.
Na apanha dos canivetes, demos cabo dos nossos dedos, alguns com golpes profundos e como as dificuldades aguça o engenho, com um arame e sal resolvemos o problema. Todavia tivemos mais sorte na apanha das santolas e caranguejos. Estes, gulosos por rabos de bacalhau ou cabeças de peixe espada eram presas fáceis com auxilio de um cordel.
Gostei tanto e a Margarida também, que só voltei a Tróia, quando estava a ser explorada pela Torralta.