Os meus contos não obedecem a datas nem a qualquer outra ordem. Saem repentinamente e quando escrevo um, estou imediatamente a lembrar-me de outro.
Isto a propósito de o anterior ter alguma ligação à religião e este seguir a mesma linha.
A “faena” acontecia na altura em que o Zé teria 14/15/16 anos, época própria para os jovens apanharem uns “borrachos” bem dados e merecidos, pela prática de devaneios e despropósitos.
Com aquela idade, são eles que sabem tudo, são eles que não recebem conselhos de ninguém e são eles que se apanhassem uns sopapos na altura certa não lhes faziam mal algum, antes pelo contrário.
Isto nos anos quarenta, porque se fosse agora, os pais, primos e avós metiam-se numa carga de trabalhos, pois os meninos recorriam ao psicólogo, às entidades policiais, ao Ministério Público e o assunto chegava à Assembleia da República, com a condenação dos agressores, dado que os direitos de vândalo tinham sido violados.
Mas vamos ao conto.
Durante o reinado de D. José, era seu ministro Sebastião de Carvalho e Melo, só mais tarde Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal, que deixou marcas para todo o sempre neste Portugal desgraçado. Ele protegeu e criou a primeira região demarcada de produção vinícola do mundo, em defesa do Vinho do Porto; ele mandou reedificar Lisboa após o terramoto de 1755; mandou edificar Vila Real de Santo António para afrontar os espanhóis; ele limpou de uma assentada a família Távora de uma forma sanguinária e presumivelmente nunca vista. Ele tem em Lisboa a estátua mais imponente de toda a República.
Aquando do terramoto atrás referido, as águas subiram e toda a zona ribeirinha do estuário do Tejo subiu, subiu, levando atrás de si morte e desgraça, dando continuidade à destruição iniciada com o tremor de terra. Nas aldeias da região todos os sinos tocaram a rebate e, no final, enterraram os mortos e cuidaram dos feridos.
E a partir daí, no dia 1 de Novembro de cada ano, muitas dessas povoações fazem sair as procissões das suas igrejas, para comemorar a interferência divina naqueles acontecimentos.
Como já vos contei no conto anterior, na povoação do Zé não existia igreja e, sendo também zona ribeirinha, não sei onde os meus conterrâneos fizeram as suas preces, nem por quem chamaram, na hora do aperto.
Cada povoação relembra o dia à sua maneira e na igreja mais próxima do meu sítio, edificada bem lá no alto para marcar a sua imponência, começam na véspera os actos litúrgicos, terminando ao fim do dia com uma ladainha.
A Igreja fica cheia como um ovo, mal nos podemos mexer, o povo está de pé a ouvir com toda atenção; o padre, normalmente convidado e vindo doutras paragens. A sua eloquência é apreciada e compara-se com os dos anos anteriores.
Mas a época, além das festividades religiosas, também é tempo de castanhas, de frio e chuva, que leva a que os paroquianos não larguem o chapéu-de-chuva e o abafo. Podem imaginar, pois, os chapéus molhados, os sobretudos e gabardinas encharcados, a multidão comprimida, o cheiro que aquilo tudo tem. Não há incenso que nos valha.
Pois além disto tudo, o Zé enchia as algibeiras de castanhas assadas ou cozidas (gosto das duas) e enquanto ouvia o sacerdote comia castanha atrás de castanha e metia as cascas no chapéu de chuva de quem estivesse mais perto de si, já que o seu proprietário estava com a máxima atenção e cabeça no ar ao que o padre dizia.
Quando tudo terminava, o Zé marchava imediatamente para fora do templo, para ter o gozo supremo de ver o dono do chapéu abrir o dito e apanhar com as cascas das castanhas pela cabeça abaixo. Passei palavra e, nos anos seguintes, os companheiros de aventuras espalhavam-se por vários locais estratégicos da igreja, para repetirmos a façanha, ao ponto de ao terceiro ano o padre, do seu púlpito, comentar a graça da desgraça praticada na casa de Deus.
Nunca fui, nunca fomos apanhados, mas sinceramente confessem, com toda a graça que isto possa ter agora (o crime já prescreveu), não eram uns açoites bem pregados, dado que nunca houve um chapéu-de-chuva pelas costas abaixo?
Isto a propósito de o anterior ter alguma ligação à religião e este seguir a mesma linha.
A “faena” acontecia na altura em que o Zé teria 14/15/16 anos, época própria para os jovens apanharem uns “borrachos” bem dados e merecidos, pela prática de devaneios e despropósitos.
Com aquela idade, são eles que sabem tudo, são eles que não recebem conselhos de ninguém e são eles que se apanhassem uns sopapos na altura certa não lhes faziam mal algum, antes pelo contrário.
Isto nos anos quarenta, porque se fosse agora, os pais, primos e avós metiam-se numa carga de trabalhos, pois os meninos recorriam ao psicólogo, às entidades policiais, ao Ministério Público e o assunto chegava à Assembleia da República, com a condenação dos agressores, dado que os direitos de vândalo tinham sido violados.
Mas vamos ao conto.
Durante o reinado de D. José, era seu ministro Sebastião de Carvalho e Melo, só mais tarde Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal, que deixou marcas para todo o sempre neste Portugal desgraçado. Ele protegeu e criou a primeira região demarcada de produção vinícola do mundo, em defesa do Vinho do Porto; ele mandou reedificar Lisboa após o terramoto de 1755; mandou edificar Vila Real de Santo António para afrontar os espanhóis; ele limpou de uma assentada a família Távora de uma forma sanguinária e presumivelmente nunca vista. Ele tem em Lisboa a estátua mais imponente de toda a República.
Aquando do terramoto atrás referido, as águas subiram e toda a zona ribeirinha do estuário do Tejo subiu, subiu, levando atrás de si morte e desgraça, dando continuidade à destruição iniciada com o tremor de terra. Nas aldeias da região todos os sinos tocaram a rebate e, no final, enterraram os mortos e cuidaram dos feridos.
E a partir daí, no dia 1 de Novembro de cada ano, muitas dessas povoações fazem sair as procissões das suas igrejas, para comemorar a interferência divina naqueles acontecimentos.
Como já vos contei no conto anterior, na povoação do Zé não existia igreja e, sendo também zona ribeirinha, não sei onde os meus conterrâneos fizeram as suas preces, nem por quem chamaram, na hora do aperto.
Cada povoação relembra o dia à sua maneira e na igreja mais próxima do meu sítio, edificada bem lá no alto para marcar a sua imponência, começam na véspera os actos litúrgicos, terminando ao fim do dia com uma ladainha.
A Igreja fica cheia como um ovo, mal nos podemos mexer, o povo está de pé a ouvir com toda atenção; o padre, normalmente convidado e vindo doutras paragens. A sua eloquência é apreciada e compara-se com os dos anos anteriores.
Mas a época, além das festividades religiosas, também é tempo de castanhas, de frio e chuva, que leva a que os paroquianos não larguem o chapéu-de-chuva e o abafo. Podem imaginar, pois, os chapéus molhados, os sobretudos e gabardinas encharcados, a multidão comprimida, o cheiro que aquilo tudo tem. Não há incenso que nos valha.
Pois além disto tudo, o Zé enchia as algibeiras de castanhas assadas ou cozidas (gosto das duas) e enquanto ouvia o sacerdote comia castanha atrás de castanha e metia as cascas no chapéu de chuva de quem estivesse mais perto de si, já que o seu proprietário estava com a máxima atenção e cabeça no ar ao que o padre dizia.
Quando tudo terminava, o Zé marchava imediatamente para fora do templo, para ter o gozo supremo de ver o dono do chapéu abrir o dito e apanhar com as cascas das castanhas pela cabeça abaixo. Passei palavra e, nos anos seguintes, os companheiros de aventuras espalhavam-se por vários locais estratégicos da igreja, para repetirmos a façanha, ao ponto de ao terceiro ano o padre, do seu púlpito, comentar a graça da desgraça praticada na casa de Deus.
Nunca fui, nunca fomos apanhados, mas sinceramente confessem, com toda a graça que isto possa ter agora (o crime já prescreveu), não eram uns açoites bem pregados, dado que nunca houve um chapéu-de-chuva pelas costas abaixo?
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