Nunca tive apetência para ser caçador nem pescador. No entanto, na caça de "Garinas" não deixei os meus créditos por mãos alheias. Algumas desilusões, e noutras também sofri, mas na pesca fui aquilo que se pode chamar um 0 à esquerda.
Na praia do Meco, onde ás vezes apanhava umas banhocas de sol e espraiava a vista, já que a praia era extensa e bem frequentada por abundantes Garoupas, Sardinhas, Douradas e Xaputas, começaram a aparecer também com frequência Tubarões Martelo, fazendo com que o Zé mudasse de ares, pois a minha especialidade não se compatibilizava com tal espécie.
Passei por isso a frequentar a Capacabana de Sesimbra, que se situava junto à doca e hoje já não existe. Nessa doca os pescadores de fim-de-semana enchiam o paredão com as suas canas vistosas e isso sim, dava gozo ver aquela multidão passar horas e horas a dar banho à minhoca. Aquele gente divertia-se à grande. Quando apanhavam um desgraçadito de um peixe que por lapso ou estupidez ficava preso pela beiça, toda a gente mirava, faz perguntas, tiram fotografias para a prosperidade, enfim... É motivo de festa rija e à noite ao jantar em família, onde contam coisas fabulosos de sereias que viram vir, não das profundezas do oceano, mas estendidas de biquini na areia branquinha da praia.
E são sempre os mesmos, como se tivessem lugar marcado e respeitado pelos seus companheiros de pescaria.
O Sr. Gonçalves já era velhote, apresentava-se com uma cana de pesca já com uns cordeis atados no punho, dado a cortiça já estar partida e as suas finanças ainda não comportarem o preço para a sua substituição. Ia sempre para o fim do molhe, sozinho, e quando os outros pescadores faziam festa ao apanhar em vez de um peixe, uma bota velha, olhava, sorria, mas não arredava o pé daquele sítio. No fundo todos se conheciam, todos eram amigos, mas enquanto alguns à hora do almoço iam pescar a um restaurante uma caldeirada, o Sr. Gonçalves mantinha-se firme no seu posto. Comia umas sandes que levava no cabaz conjuntamente com os apetrechos da pesca. Por conversas já feitas anteriormente, todos sabiam que o Sr. Gonçalves era solteirão, não queria dar de comer a mulheres( dizia ele), muito poupado e pouco comia para não evacuar. Quando a época acabava, despediam-se dando uns abraços e faziam a promessa de no próximo ano, se encontrarem novamente naquele sítio.
Iniciou-se a nova época de pesca. O pessoal voltou aos seus lugares, tal como fazem as estações do ano. Mas o lugar habitual do Gonçalves estava vazio. Estaria doente, morrido, o "bolinhas" não pegou, foi um rol de preocupações, mas... no Domingo seguinte, quando o pessoal chegou, o lugar do Gonçalves estava ocupado, por alguém que usava um banquinho de madeira, tinha um chapéu de palha em vez de um boné como habitualmente usava o Sr. Gonçalves. E, mais, uma mulher entrada na idade, acompanhava aquele novo pescador. Já o Sol estava a pique, quando entre os outros pescadores um chama a atenção para o facto daquela figura desconhecida parecer o Sr. Gonçalves. Aproximam-se e confirmam que era mesmo o seu amigo de vários anos e companheiro domingueiro. Afinal a diferença principal entre outras de menos monta era a presença da senhora. Os pescadores, dando os bons dias, confessam estar preocupados, pois estavam confusos, dado a indumentária e a companhia que trazia, porque isso contrariava as suas afirmações anteriores. E o Sr. Gonçalves, dá-lhes a notícia que os deixou boquiabertos. Casei!...
Estupefactos, dando um sorriso, não se inibem e fazem a conversa, de que, com certeza ter havido um motivo muito válido para tomar aquela decisão, esclarecendo-os o Sr. Gonçalves, de que tinha sido um casamento de conveniência.
A Senhora mantinha-se sentada, como se estivesse alheia à "conversura", metendo um bifito no interior de um papo-seco, parte do almoço que tinha arranjado para os dois.
Mas a malta não desiste de continuar a conversa e um mais atrevido, dispara. Logo vi, o Sr. Gonçalves não era homem para dar ponto sem nó. Cheirou-lhe a massa, não? Ora, ora, todos temos muita cantiga, mas sempre caímos que nem patos, mas pelos vistos ela tem lago para eles se banharem, não é?
O Sr. Gonçalves, sentado no banquito de madeira, recostasse contra o paredão, com o dedo indicador da mão direita dá um pequeno toque na aba do chapéu de palha, a esquerda segura a cana, cuja ponta está dentro de água, recebe a sandes que a mulher lhe acaba de entregar, ferra dentada e entre o mastigar e engolir, confessa aos seus amigos a razão de se consorciar.
Aqui a minha Maria, já é velhota, eu sou um amante da pesca. Sabem que a vida está má e a minhoca cada vez mais cara. Fiz contas à vida e achei por bem casar. É que ela tem lombrigas em abundância e eu em vez de gastar dinheiro, uso-as em substituição das minhocas. para pescar.
A arte e o engenho andam sempre de mãos dadas, não acham...