31.8.11

Os Cabeçudos


Em mil novecentos e setenta e um, era Presidente da Câmara Municipal de Alenquer um familiar do Zé, pessoa prestigiada na Vila e na região. Era o Tempo em que os Presidentes da Câmara não ganhavam um "tusto" pelo trabalho que prestavam ao Concelho.
Quando da realização dos festejos anuais a Câmara Municipal sempre ajudava a Comissão das Festas no suporte das despesas. Como sabem, a Vila é extremamente bonita e presta-se a elaborar um presépio de Natal de efeito surpreendente. No seu brasão tem representado um cão, porque, diz a lenda, meteu árabes e cristãos, mas isso poderá ser história de outra "fazenda" e não esta que pretendo contar agora.
As Festas Populares da terra iam realizar-se, as ruas estavam engalanadas, os coretos a postos, as bandas musicais devidamente convidadas (era hábito as bandas tocarem gratuitamente, a troco de permuta com a banda da terra onde actuavam, aquando da realização das suas).
Era salutar este convívio, onde o povo tirava os seus proveitos ouvindo as bandas tocarem nos coretos das suas povoações sem gastarem dinheiro, dado ser praticamente impossível fazê-lo doutra maneira em virtude do grande numero de executantes. A organização local, comprometia-se apenas em dar de comer aos músicos e quando necessário dormida, sendo distribuídos estes pelas casas da aldeia a troca de nada e a expensas dos anfitriões. Quando a exibição limitava-se a uma só actuação e portanto o regresso a casa era no mesmo dia, apenas era servido um lanche, antes de a Filarmónica subir ao coreto.
"Certa vez em Montelavar actuou a Banda Filarmónica de Amora, e quando no coreto fazia a sua actuação, o trombone recusou-se a deitar cá para fora os seus acordes, dado estar empanturrado de sandes de chouriço e queijo que um "malandreco" pela socapa enfiou no instrumento musical".
A Comissão ds Festas de Alenquer, no sentido dos festejos terem o brilho merecido, tratou de contratar por pouco dinheiro um grupo de cabeçudos, que como sabem actuam sempre com grande êxito nas festas e romarias de qualquer povoação nortenha.Como não queriam pagar muito, o grupo contratado também cortou nos elementos que deveriam dar a entrada na inauguração dos festejos, trazendo pelo sim, pelo não, um dos bonecos para ser usado por alguém que estivesse disposto gratuitamente a fazer de dançarino.
A coisa não era fácil, pois os dançarinos habituais, já o fazem há muitos anos e estão perfeitamente habituados aos equilíbrios que são necessários usar, para não se estatelarem no chão com aquela cabeça enorme acima do seu corpo e de onde só conseguem ver o que está à sua frente por um pequeno buraco feito na roupa na zona do umbigo.
Em todas as terras há sempre alguém que por isto ou aquilo é engatado para os mais diversos serviços. E não podendo fugir à regra, em Alenquer a figura escolhida foi o Miguel, pessoa que todos conheciam e a quem todos davam "algum" pelos pequenos recados que ele também fazia.
Colocar o boneco sobre os ombros do Miguel não foi fácil, já que, ele não estava lá muito virado para entrar nos viras do Minho, era pesado como o diabo, e tinha para prende-lo ao seu corpo uma infinidade de correias. Quem o apertou nunca se tinha metido também num trabalho daqueles e portanto também sentiu dificuldades. Mas, enfim, com todo o trabalho que dava e com o Miguel a barafustar, porque aqui estava apertado demais e ali de menos, mais o desequilíbrio que sentia, a coisa estava quase pronta e já se ouvia o toque dos bombos a afinar as pancadas esperando pelo novo elemento, enquanto o povo aguardava ansioso, pela novidade das cabeçorras.
O Miguel anuncia que quer cagar. Não pode Miguel, então agora depois de todo este trabalho é que te lembras duma coisa dessas? Mas o Miguel está à rasca, dizia ele. Quem estava por perto desata a rir e o homem que tinha apertado as correias diz ao Miguel para dar uns pulinhos, podia ser que passasse. O Miguel barafusta, dá uns saltitos, vai dizendo, Miguel salta e caga e pulava, pulava. Presumivelmente a vontade foi ainda maior, desequilibra-se e salta outra vez. E não é que o Miguel não conseguindo o equilíbrio necessário caiu para cima de uma secretária, a cabeça do boneco partiu-se e cagou-se mesmo pelas pernas abaixo. Pois é verdade, o cheiro nauseabundo empestou aquele pequeno cubículo, mas desatar as correias todas e convencer o Miguel para entrar na dança, é que ninguém conseguiu. Nos anos seguintes ,o Miguel tinha sempre o cuidado de não estar por perto na realização de eventos, não fosse alguém lembrar-se dele.

Aniversario


Faz hoje precisamente 4 anos que o Zé deu início a este Blog, com a ajuda imprescindível do seu amigo "Capitão Merda".
Convido todos os visitantes para me acompanharem num brinde com Moscatel "Excellent"

25.8.11

Na Camarga - França


em Mil novecentos e setenta e um, mandei dar uma revisão ao Ford Cortina, enchi o depósito com gasolina súper e com a "Lurdocas" (já vossa conhecida dos textos "Viagem a Sevilla de 24 de Agosto de 2008 e "Ai não me lo diga" de 18 de Novembro do mesmo ano), partimos para Espanha, França, Italia e Suíça, fazendo campismo. Os dias eram os que fossem necessários e o percurso, o que calhasse. O verão estava no auge, os dias eram grandes e sem dúvida a antever um passeio inolvidável.
Os pormenores foram alterados logo ao segundo dia, quando em Barcelona depois de ter comprado na véspera bilhetes para uma volta à cidade da parte da tarde, faltámos por descuido, tendo atribuído todas as culpas à "Lurdocas" quando na realidade eu não medi, nem fiz cálculo certo ao tempo gasto numa outra corrida que fizemos a Monserrat, pela parte da manhã.
Apresenta-mo-nos em cima da hora, junto à nova praça de touros de Barcelona, quando o local de partida era junto à velha.
Na auto estrada do Mediterrâneo, já em França, partiu-se o para brisas da viatura, era lusco-fusco e não fosse a aparição de uma brigada de "Gendarmes" estariamos em maus lençóis.
Os policias circularam à nossa frente e na primeira saída deixaram-nos junto a uma gasolineira. Tivemos a sorte, de na dita, estar a abastecer um espanhol naturalizado francês, pois tinha quando criança fugido na companhia dos pais à guerra civil espanhola e por lá ficaram, até que com a mudança dos tempos, Franco, autorizou a abertura da fronteira àquela pobre gente.
O Senhor, cujo nome já não recordo, era taxista, tinha um furgão Citroen e um ligeiro, a que dávamos o nome de "boca de sapo" aqui em Portugal. Prontificou-se a arranjar-me no outro dia pela manhã uma oficina de um seu amigo para resolver o problema da colocação de um vidro novo. Logo nessa altura procuramos a oficina, não obstante esta estar quase a encerrar, tendo optado por irmos ficar a um hotel, por indicação do francês/espanhol. Colocamos a nossa bagagem no local de pernoita, e tivemos de ir jantar a um restaurante, já que o hotel era residencial e não servia refeições, e portanto o nosso guia/forçado, taxista de profissão, fez-nos esse serviço, ausentando-se para jantar, mas com o compromisso de nos ir buscar para regressarmos à unidade hoteleira.
Quando nos aparece, conduzia o "furgão", que já vinha cheio de rapaziada que ele transportava para uma festa numa povoação ali perto, onde ia haver "boi na rua". O Zé e a "Lurdocas", perdidos por dez, perdidos por mil, resolvemos acompanhar aquela gente no folguedo. Só então tivemos conhecimento que estávamos em plena região da Camarga e que o "boi na Rua" era o culminar e prato forte daquela festa. Optamos por nos recatar e deambulamos pelas ruas mais iluminadas da povoação,e enquanto apreciávamos as barracas de feira, íamos dando um olho à procura de um melhor lugar para nos colocarmos a recato de alguma marrada, quando o boi ou bois fossem soltos.
Deus põe e o diabo dispõe. Começou a cair uma chuva tão forte, tão forte, os pingos pareciam bagos de uva dos grandes e pelas ruas a água corria em enxurrada. o taxista encontra-nos e leva-nos de regresso ao hotel, voltando ele para a festa, pois os seus clientes, andavam por lá.
Às 9 horas da manhã, o homem esperava-nos à porta, e com a bagagem fomos à oficina saber como estava o assunto da minha viatura. Um estafeta tinha ido a Nice buscar o vidro, e como tínhamos de esperar muito tempo, o taxista propôs-nos para nos levar a passear. A minha boca começou a ter um travo amargo, pois achei que o homem se estava a aproveitar da minha má sorte para conseguir uma boa receita pelos serviços que me estava a prestar. Nem disse que sim, e eis que ele abala direito às praias do Mediterrâneo, onde pelo caminho tivemos ocasião de ver as marismas ou sapal, as salinas da Camarga, e parte das suas 400 aves, entre elas os flamingos vermelhos.
Há hora do almoço, perdi a vontade de comer, estava em depressão e pensando já em regressar
a Portugal, o dinheiro não chegaria para tanto. A "Lurdocas", olhava-me angustiado e pela tarde
ainda fizemos mais uns largos quilómetros.
Lá pelas 19 horas o carro estava pronto, esperei a "dolorosa" intranquilo, e quando me foi apresentada a factura, dei um sorriso que deveria ser amarelo dado o meu estado de espírito.
O valor era perfeitamente aceitável e creio mesmo que se fosse em Portugal, seria mais caro.
Perguntei ao taxista quanto lhe devia, e ele sorrindo dissemos que fossemos ali a uma esplanada bem perto, beber uma cerveja e que me apresentaria a conta. Comentei com a companheira, que voltaríamos para trás e faríamos as férias em Benidorm num parque de campismo, sem as andanças do automóvel.
Sentámo-nos, bebeu uma cerveja, e eu um copo de água para empurrar a saliva que me atormentava, pagou a conta e tem este discurso.
Palavras textuais do taxista. Eu já tive acidentes, eu já passei por dificuldades, quando longe de casa. Tudo quando fiz, foi no sentido de vos ser agradável, portanto não tem preço, não me pagam nada. Que continuem a vossa viagem, com felicidade... Apertando-me a mão fortemente.
Fiquei siderado. Estava exausto, não tinha palavras, não tinha nada com que pudesse pagar aquele gesto.
Não sabia como vincular a minha gratidão... Fiquei com a sua morada e ofereci-lhe um mapa de Portugal, editado pelo Automóvel Clube de Portugal, já bem velho por sinal, onde assinalei onde morada, e que gostaria num futuro próximo poder-lhe pagar da mesma forma.
Um mês depois, um camionista da empresa onde trabalhava, deslocava-se a Itália em serviço, e por ele enviei àquele bom Samaritano uma caixa com 6 garrafas de Porto Ferreira "Vintage". Nunca soube se chegou a entregá-las, pois despediu-se no regresso, e não tive ocasião de falar-lhe, nem saber para onde foi residir.
A partir daí, o meu carro, quando em viagem tem sempre na sua mala 6 garrafas de Vinho do Porto, para o que der e vier, e digo-vos que já tenho usado muitas, até para oferecer a quem não me fez favor nenhum.

12.8.11

Pobre de mim (que se han acabádo las festas de San Fermin)


A cultura do Mediterrâneo e da Península Ibérica elegeu o touro como representante das forças da terra e como protagonista dos rituais que estão na origem das touradas, ligados a cerimonias do culto da fertilidade.
Pamplona, a Iruña ou Iruñea basca, celebra todos os anos de seis a catorze de Julho as festas en honra de San Fermin. Contrariamente ao que se pensa, o patrono de Pamplona não é San Fermin, mas San Saturnino, nem o dia 7 de Julho é o dia de San Fermin, um santo francês, mas sim a festa em honra de San Fermin, bispo, nascido em Pamplona, que morreu mártir.
Estes festejos foram sempre celebrados sem grandes alterações com um carácter muito local até aos princípios do século XX, altura em que um famoso escritor americano se inspirou nos "Sanfermines" para escrever um livro.
A partir de então, e especialmente após a Segunda Guerra Mundial, cada vez mais estrangeiros acorrem à cidade, que durante os festejos chega a triplicar a sua população.
A festa começa com o lançamento do famosíssimo "Chupinazo" do balcão da Camâra Municipal de Pamplona, onde milhares de pessoas, acenam com lenços vermelhos que depois usam durante todo o período das festas ao pescoço. A partir daí, gritando San Fermin, San Fermin, segue-se a explosão de música, dança, canto e festas acompanhados pelo som das rolhas das garrafas de champanhe. Gigantes e cabeçudos, seguidos da "Pamplonesa" - a banda de música que toca sempre a mesma partitura, a famosa "Vals de Astrain" - e a comitiva da gala do Municipio de Pamplona.
No dia 7 de Julho, dia do patrono da festa, toda a gente se veste de pamplonica - de branco com faixas ou lenços vermelhos e com a "txapela", a boina vermelha ou preta para assistir à procissão, com a presença de todas as altas individualidades da Comunidade.
Durante todos os dias em que os festejos são celebrados, haverá sempre eventos relacionados com os touros. Muito haveria para contar destes festejos milenários, mas chamo a especial atenção para a quantidade de estrangeiros que irresponsavelmente se metem no meio daquela população que ao longo de toda a sua existência está e foi preparada para saber correr à frente de uma manada de touros enfurecida, não pelos maus tratos que lhes dão, mas pelo susto e intranquilidade que passam quando inesperadamente se encontram rodeados de milhares de pessoas, gritando e incitando-os à correria.
O saber correr à frente da manada, ter pernas ligeiras, arte e astúcia para não ser apanhado por algum corno afiado como lança, saber alterar a sua direcção no momento exacto não é coisa de todos e os estrangeiros por culpa própria, acabam por ser os "bombos" daqueles festejos, tão apreciado no País Basco.
A foto que publico acima, demonstra a astúcia, a audácia e a valentia desta moça vinda directamente do "caribe" que vestida com todo o rigor de uma Pamplonesa dos quatro custados, como as "canetas" já não a ajudavam para poder fugir, resolveu mostrar ao bovino, que era uma mulher de armas capaz de o enfrentar em qualquer situação, colocando-se nesta posição bizarra.
Ao que parece, a fera, ferida no seu orgulho e como tinha pergaminhos a defender, resolveu não a atacar na posição de decúbito ventral, já que estava acostumada a encarar os inimigos,com olhos nos olhos.
Termino com o estribilho de uma das cantigas mais em voga durante os festejos:
um de janeiro, dois de fevereiro, tres de março, quatro de abril, cinco de Maio, seis de junho, sete de julho, ao San Fermin tenho de ir.